No começo, me senti como se estivesse traindo uma tradição quase sagrada. Verdade da infância: é falta de educação cantar à mesa. Sempre fomos muito musicais, mas não entre garfadas de arroz e mordidas no bife.
Cresci, virei pai. Então, um dia, minha primeira filha, já com dois anos, começou a cantar no meio de um almoço. A voz lá de dentro me alertou: "Cantar à mesa é falta de educação". Cheguei a abrir a boca.
Mas optei pela subversão. E disse: "Aqui em casa, sempre pode cantar à mesa". Todos concordaram. Até hoje é assim. Alguém engata uma música. Qualquer música. Rihanna, Moraes Moreira, Oswaldo Montenegro,
Foo Fighters, Dona Aranha, Anita. Quem sabe a letra segue.
Minha ruptura não foi adolescente. Não tem mais graça nem sentido desafiar autoridade ou tradição só para ter certeza de que eu sou eu mesmo.
No átimo que antecedeu a pequena revolução, pensei que a tristeza chega sem pedir licença. E, se ficar triste não é falta de educação, ficar feliz também não pode ser. Cantemos.
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Sempre ouvi, dos professores e dos pais, que a hora do tema é uma hora de silêncio e concentração. Que é preciso um lugar isolado do mundo para estudar.
Quando minha filha mais velha era bem pequena, seguíamos essa regra. Que não é errada e nem merece ser totalmente desprezada. Mas aí, um dia, olhando o mundo em volta, vi que os desafios mudaram.
Fui visitar, alguns anos atrás, o templo budista de Três Coroas. Nosso guia falava alto. Vi algumas pessoas meditando e perguntei: "Não estamos atrapalhando?". O guia, sereno e seguro, explicou: "O desafio deles é meditar até no meio do caos".
Quem tem filhos sabe. Numa tela, eles conversam com os amigos. Na outra, assistem a alguma série de TV. A música nos fones. Um livro aberto na frente. Um caderno na outra mão.
Estudar e fazer tema não são mais tarefas isoladas do mundo. O importante é fazer bem feito. E se isso for na sala, no quarto ou no parque, tanto faz. Se houver música ou WhatsApp com os amigos, ok. Porque a vida é assim. Multifocal, multitela, multitudo.
Casa dos pais: uns dizem que a gente sempre volta, outros que a gente nunca sai de verdade. São essas vozes que nos guiam tantas vezes, mesmo que a gente não saiba. E, se uma delas me dizia que é feio cantar à mesa e que lugar de estudar é no quarto, uma outra, mais suave, me acolhia: "Pode questionar, pode questionar".
Essa é a regra de ouro.
E, no fundo, eu sei. Todas essas vozes são a mesma voz.