Um cruzamento de calendários, combinado a dificuldades e falhas administrativas mantiveram ao menos 17% dos veículos da Brigada Militar (BM) estacionados nas garagens de batalhões em todo o Rio Grande do Sul. Por falta da documentação obrigatória de licenciamento, no mínimo mil das cerca de 6 mil viaturas da frota da corporação não saíram às ruas. Outras também deixaram de circular em razão de falhas técnicas.
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O desfalque é reflexo da operação-padrão realizada por servidores em retaliação contra o parcelamento dos salários do funcionalismo. A pedalada nos contracheques se associou a outra determinação de autoridade estadual - 31 de julho foi o último dia de 2015 para que qualquer automóvel no RS circulasse com o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) do ano passado. Iniciado em abril, o calendário de renovação de documentos junto ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran) encerrou-se no mesmo dia em que os servidores ficaram sabendo que receberiam não mais do que R$ 2.150 do valor integral de seus vencimentos.
Após o anúncio, policiais militares foram orientados pelos sindicatos da categoria a seguir à risca o que manda a lei, e se recusaram a circular em viaturas com qualquer defeito técnico ou que não estivessem com o CRLV original e em dia.
- Verificamos vários veículos com documentação faltante ou irregular. Em alguns casos, o carro tinha apenas um Xerox do certificado, o que também não é permitido - afirma Ricardo Agra, secretário-geral da Abamf, associação dos servidores de nível médio da Brigada.
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Com documentações pendentes ou problemas técnicos, batalhões em diversas cidades ficaram com todos os veículos desabilitados. Conforme levantamento da Abamf, apenas 13 viaturas estavam em circulação na Capital ontem, enquanto a média diária fica entre 80 e 90 unidades. O 19º e 20º batalhões de Polícia Militar (BPM) ficaram sem nenhum veículo em condições. No Interior, em cidades como Esteio, Quaraí, São Leopoldo e Uruguaiana, nenhum carro da BM rodou.
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De acordo com o major Ronie Coimba, chefe de comunicação social da BM, um mutirão ordenado pelo comando-geral da corporação identificou que a maior parte dos problemas ocorreu por demora na remessa dos documentos para a respectiva unidade dos carros. Embora a taxa do seguro DPVAT _ a única cobrada para regularização de veículos oficiais - tivesse sido paga e o CRLV já tivesse sido entregue, muitos certificados ficaram retidos no Centro de Motomecanização (CM) da BM, responsável por distribuí-los às unidades de origem.
- Entre domingo e esta segunda-feira, o CM remeteu mais de mil certificados para os batalhões e comandos regionais - afirma Coimbra.
O major garante que o atraso na regularização das viaturas não tem relação com a crise financeira do Estado e que a BM está apurando possíveis pendências na quitação do licenciamento.
- A verba estava disponível. A gente sabe que em alguns casos não houve pagamento, mas são falhas de gestão que serão apuradas. Identificadas as responsabilidades, serão adotadas as sanções administrativas cabíveis - promete o major.
Até o início da noite desta segunda-feira, a BM não tinha levantamento de quantas viaturas ficaram paralisadas por falta de licenciamento e a previsão, conforme Coimbra, é de que nesta terça-feira, a maior parte dos problemas de documentação já esteja regularizada.
PASSO A PASSO DO LICENCIAMENTO
Regras de regularização
- Viaturas da Brigada Militar (BM), assim como outros veículos do Estado, são isentos de pagamento de IPVA e da cobrança de confecção do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV), uma vez que as duas taxas são revertidas aos cofres estaduais.
- Seria como tirar dinheiro do bolso direito e passar para o esquerdo - compara o chefe de Divisão de Registro de Veículos do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), Túlio Felipe Verdi Filho.
- A única taxa paga para emissão do certificado é o Seguro DPVAT. Não há isenção desse valor porque o seguro, administrado por uma empresa privada, indeniza vítimas de acidentes de trânsito em todo o país, independentemente de serem motoristas de veículos, passageiros ou pedestres. Alguém que é atropelado por uma viatura, por exemplo, pode receber até R$ 2,7 mil em reembolso de despesas médicas e hospitalares comprovadas.
Prazos do licenciamento
- O cronograma de licenciamento das viaturas obedece o calendário do Detran, que estabelece prazos para pagamento das taxas. Além disso, a portaria do órgão fixa a data limite para que o veículo continue rodando com o certificado emitido no ano anterior, que varia conforme os dois números finais da placa do carro. No dia 31 de julho, encerrou-se o prazo para o último grupo, com de 20 números finais de placa.
- Agora, para as viaturas cujas taxas ainda não foram pagas, só há duas opções para rodar após a quitação o DPVAT: esperar a chegada do CRLV ou pagar R$ 8,40 pela emissão do Documento de Circulação de Porte Provisório Obrigatório (DCPPO), que é válido por 15 dias, e permite a circulação do veículo até o recebimento do certificado original.
Como a viatura é licenciada
- O batalhão ou o comando regional _ que centraliza unidades _ recebem verba do Estado e providenciam o pagamento do DPVAT.
- Uma vez quitada a taxa, o Detran emite e envia o CRLV pelos Correios em no máximo 10 dias.
- Como os veículos da BM são registrados pelo Estado como ente único, todos os certificados são enviados para o quartel-general (QG) da corporação, em Porto Alegre.
- De lá, o documento é encaminhado por malote para o Centro de Motomecanização (CM), que faz o envio para os comandos regionais. Estes, por sua vez, distribuem os CRLVs para os respectivos batalhões onde estão as viaturas licenciadas.
- Conforme o major Ronie Coimbra, este trâmite leva, em média, 20 dias para os batalhões da Capital.
- Para o Interior, o CM não estava enviando apenas um documento, em razão do custo. Esperava acumular um volume maior para remeter. Enquanto isso, dentro do prazo limite de renovação, se mandava uma cópia digitalizada para comprovar que a documentação estava em dia - admite Coimbra.
- Pela lei, porém, o porte do CRLV original é obrigatório, e não é permitida a circulação de veículos com cópia do certificado, mesmo que seja autenticada em cartório e esteja com pagamento em dia.
Veja fotos da paralisação: