A situação de crise econômica e instabilidade política, com insegurança em relação ao futuro, se não é inédita, é uma novidade para uma geração inteira de brasileiros, com até 30 anos de idade. Por isso, é difícil compreender a complexidade do que se vive hoje, com vários indicadores batendo recordes de décadas atrás, como a inflação, a taxa de juros e o desemprego, além de um governo que não tem apoio no Parlamento e não consegue se comunicar com a população, a qual prefere bater panela a ouvir pronunciamentos.
Para buscar esclarecer esses temas, o "Diário" reuniu cinco estudiosos (confira quem são eles na página ao lado) para um debate, cujo resultado você acompanha nessas páginas.
A crise econômica atinge todo o país, mas a repercussão é diferente em cada Estado e município. Os especialistas concordam que, no país, a crise econômica é conjuntural, causada por fatores que ocorreram ao mesmo tempo e, com a mudança desses fatores, tende a ser superada. No Estado, a questão é estrutural, causada pelo sistema de gestão pública, de tributação e de organização da economia. Não é de simples solução.
Levará mais tempo para o Piratini pagar a dívida com municípios e fornecedores e fazer investimentos do que para os indicadores de inflação, desemprego e superávit primário do Brasil se revertam. Mesmo assim, a estratégia adotada por Dilma Rousseff e José Ivo Sartori é semelhante: cortar gastos, incluindo arrocho salarial, represar investimentos e expandir a tributação.
Na cidade, a crise está chegando atrasada e mais leve, em comparação com regiões industrializadas, como Serra e Região Metropolitana. Por mais que tenha havido demissões na indústria local, não há a perspectiva de fábricas fecharem e há setores em expansão.
- A crise começa a partir deste semestre no comércio local. Se tivesse de definir algum local em Santa Maria que está em crise, eu definiria (a Rua Floriano Peixoto) entre a Venâncio e a Andradas. Tem cinco lojas fechadas - afirma Mateus Frozza, que acrescenta:
- Aqui tem uma condição especial: quem dinamiza a renda no comércio e no setor de serviços é o funcionalismo público, que tem o seu emprego preservado. Então, o efeito mais direto é a perda do poder aquisitivo em função da inflação.
A crise era prevista
A queda nas vendas e na produção industrial, com estoques cheios e consequente aumento do desemprego, já era esperada quando a União passou a incentivar o consumo com redução de juros e tributos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
- O modelo criado pelo governo Lula (em 2008) está em xeque. Veja o salário mínimo: ele cresceu acima da produtividade. O trabalhador está ganhando muito mais do que produz. Isso não é bom do ponto de vista econômico, mas é bom para a renda do trabalhador. O que estamos vivendo agora é um ajuste desse excesso - diz o cientista político José Carlos Martinez.
Para Alexandre Reis, o governo de Fernando Henrique Cardoso fez um ajuste de valorização da moeda e tinha todas as oportunidades para criar modelos de aumento de produtividade, melhorar a questão tributária, e isso não foi feito.
O economista Anderson Denardim atribui a Lula a responsabilidade de ter dado seguimento ao trabalho iniciado anos antes de colocar a economia brasileira no eixo do crescimento. Mais adiante, Lula incentivou setores considerados prioritários por conta do número de empregos gerados, mas não levou em conta a ausência de educação financeira entre as famílias. O endividamento com o crédito fácil e barato redunda, agora, em um drama para quem está perdendo o emprego com a crise. E os setores econômicos mais afetados com a estagnação são, justamente os que tinham sido alvo de incentivos: construção civil, indústria automotiva e de eletrodomésticos.
O que esperar de 2015 e de 2016?
Os especialistas não esperam uma reviravolta positiva na economia neste ano. Para 2016, o diagnóstico é divergente. Mateus Frozza prevê que, a partir do segundo trimestre, os níveis de desemprego, inflação, vendas e crescimento da economia melhorem. Denardin afirma que estamos começando a sentir agora os primeiros sintomas da crise. O ápice ainda está por vir:
- O primeiro sintoma é o aumento da taxa de desemprego, o esfriamento desses mercados (imobiliário, automotivo e da linha branca), o que vai dar um efeito multiplicador, daqui para a frente, que só tende a aprofundar a crise. É bem provável que neste segundo semestre e no primeiro semestre do ano que vem tende a ocorrer o ápice. Aqueles que perderam seus empregos não terão renda. E aqueles que preservarem o emprego terão a renda deteriorada pela inflação.
A saída da crise é a mesma apontada para a retomada do crescimento: aumentar a eficiência, inclusive das finanças pessoais, mas sobretudo nas empresas, para que possam elevar a renda com os mesmos custos, e, por parte do governo, planejar investimentos importantes em infraestrutura e facilitar o acesso do setor produtivo a esses investimentos.
- É preciso restabelecer o crédito das pessoas e das empresas, já que hoje os bancos não estão próximos do empresário ou da pessoa física, em decorrência das altas taxas de juros. E, assim, restabelecer o consumo no setor produtivo e junto à pessoa física para que sejam mantidos os empregos existentes. E só assim se terá ganho por meio da produtividade - argumenta Frozza.
Falta de governabilidade
O agravamento da crise política amplia, cada vez mais, as incertezas sobre os rumos da economia brasileira e, principalmente, da capacidade do Planalto em esboçar condições de sair da crise. O saldo desta combinação faz com que a presidente Dilma Rousseff esteja acuada e refém de uma ausência de governabilidade. Os especialistas que falaram com o "Diário" são consensuais ao dizer que hoje a gestão da presidente Dilma carece de uma base que lhe dê sustentação e, por consequência, condições de governar. O cenário é visto com temor pelo cientista político José Carlos Martinez que observa que, logo ali na frente, possa se ter um engessamento por completo do governo:
-Hoje não há governabilidade, que nada mais é do que a necessidade de se ter coalizões com os partidos. Essa é uma crise séria e quando não há maioria parlamentar não se governa, o que se chama de paralisia decisória, que para tudo e não se consegue governar.
Os especialistas não arriscam em dizer o que essas variáveis podem reservar à nação. Em meio a tantas incertezas, um "cenário de quanto pior, melhor" deve ser visto como uma postura inconsequente, como atenta o também cientista político Guilherme Howes:
- Um processo de impeachment traria uma tendência de um agravamento à crise, hoje, enfrentada. Obviamente, havendo indícios de envolvimento da presidente, aí, então, se tem outro cenário. Mas, no momento, a presidente deve concluir seu mandato. Na política, sabemos com as coisas começam, mas é impossível saber como termina.
Os possíveis impactos para 2016
Em meio à crise política, inevitável não se falar em reflexos à corrida eleitoral nos mais de 5 mil municípios brasileiros em 2016. Por aqui, os partidos já dão os primeiros movimentos e, alguns, já apontam nomes ao pleito. Entre eles, o PT. O partido da presidente Dilma e que comanda o país há mais de uma década admite que as eleições de 2016 serão as mais difíceis já enfrentadas pela sigla.
- O PT tem problemas. O primeiro, em função da conjuntura nacional e, o segundo, se dá por um próprio desgaste na largada dos nomes do PT localmente, até porque se sabe que há uma certa animosidade interna (em referência a Valdeci Oliveira e Fabiano Pereira). Ou seja, o cenário é de desgaste - diz Denardin.
O cientista político Guilherme Howes sustenta que, dificilmente, a crise no governo federal respingará no pleito local. Segundo ele, o que as pessoas querem "são respostas concretas aos problemas básicos da sociedade". O também sociólogo José Carlos Martinez afirma ser temerário projetar desgastes do PT na corrida eleitoral.
- O PT ainda é o partido mais organizado do país, com bastante militância. Durante a crise do Mensalão se dizia que o PT ia se dar mal. Pelo contrário. Fez mais vereadores e deputados.
O economista Matheus Frozza acredita que, em Santa Maria, se tenha uma polarização entre o PT e o PSDB. Para ele, o surgimento de uma terceira seria positivo se trouxesse "novas ideias novas, coisa que não será possível entre esses nomes ventilados".
A predominância da agenda econômica
Fato: o governo federal tomou decisões erradas na economia. Ou seja, gastou demais e maquiou os problemas. E adiou as decisões necessárias para colocar o país, novamente, nos trilhos. Consequência: o buraco na economia só aumenta e há uma tendência de agravamento da crise. Frente a este cenário, os problemas financeiros passaram a pautar não só o governo federal - que teve de adotar um ajuste fiscal capitaneado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, criticado duramente por oposição e situação. O domínio da agenda econômica sobre a política é hoje algo consolidado. O cientista político Guilherme Howes resume a situação:
- Quem está controlando tanto o Executivo quanto o Legislativo é a economia.
O colega e sociólogo José Carlos Martinez pondera ao dizer que "um governo bom é aquele que tem um bom desempenho econômico", mas sem descuidar de questões sociais. O economista Anderson Denardin ressalva que a crise hoje enfrentada era previsível, e faz uma provocação ao dizer que "o difícil é o político escutar o economista e fazer o que ele sugere".
Além disso, posições exacerbadas fazem com que o cenário político brasileiro seja, hoje, uma arena em que prevalece a intolerância, afirma Martinez. Tanto as manifestações pró-Dilma quanto aquelas de contrariedade à gestão petista devem ser vistas como saudável frente à recente democracia brasileira. Na mesma linha, o economista Matheus Frozza entende que a discussão vai "muito além do que rotular entre coxinhas e petralhas".