Por três anos e quatro meses, a atual corregedora-geral do sistema penitenciário gaúcho, Mônica Pires da Silva, recebeu diárias para viagens entre Porto Alegre, onde estava lotada como técnica penitenciária, e os municípios de Montenegro, Charqueadas e Arroio dos Ratos, em um raio de cerca de 60 quilômetros da Capital. A prática fere a Lei Estadual 10.098 (1994) - o estatuto único dos servidores públicos - e o Decreto 24.846 (1976), além de princípios das Constituições Estadual e Federal. No período, a servidora recebeu mais de R$ 52 mil em diárias. As informações foram obtidas por Zero Hora no portal Transparência RS.
Técnica superior penitenciária desde 2002, Mônica já havia sido corregedora-geral entre junho de 2009 e fevereiro de 2010. Em agosto de 2011, a servidora iniciou um período de 40 meses em que realizou diárias de forma quase ininterrupta, com raras semanas sem receber (fevereiro e novembro de 2012, janeiro e outubro de 2013 e fevereiro de 2014). Nos 837 dias úteis até novembro de 2014, recebeu diárias em 712 (85% do total). Em 12 dos 40 meses, fez diárias em todos os dias úteis.
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Nos dois primeiros anos do período, Mônica estava lotada na Corregedoria-Geral da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), em Porto Alegre. Em dezembro de 2013, foi transferida para o Instituto Penal Irmão Miguel Dario, também na Capital. Em 27 de janeiro de 2015, dois meses após o período de 40 meses de diárias, ela foi novamente designada corregedora-geral da Susepe.
Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), nos casos em que o deslocamento de forma permanente torna-se essencial ao serviço, o órgão público deve realocar o funcionário na cidade-destino, contratar outro servidor para suprir a deficiência no local ou cogitar o pagamento de ajuda de custo, em vez de diárias.
Conforme o TCE, a diária tem caráter indenizatório e visa custear estadia e alimentação quando o servidor desloca-se por necessidade de trabalho. Quando adotada de forma contínua e ininterrupta, a prática se transforma em complementação de renda do servidor, transformando o que era indenizatório em remuneratório.
Outra possível irregularidade seria a realização de diárias por parte da servidora sob a rubrica "reforço de vigilância", uma vez que Mônica é técnica superior penitenciária. A Lei 13.259, que dispõe sobre o quadro especial de servidores, diz que as atividades de vigilância são atribuição dos agentes penitenciários - e não dos técnicos.
Diretor realizou diárias em 279 dias
O atual superintendente adjunto e diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal (DSEP), Mario Luis Pelz, realizou diárias durante mais de um ano, recebendo mais de R$ 18 mil no período. Agente penitenciário desde 1993, Pelz foi nomeado diretor de Departamento de Segurança e Execução Penal (DSEP) em 1º de janeiro de 2011, condição na qual permaneceu até outubro de 2013.
Em 6 de novembro daquele ano, uma semana após deixar o cargo, o agente iniciou um período de 309 dias úteis nos quais recebeu diárias de viagem em 279 (90,3% do total), com exceção de algumas semanas em março e setembro de 2014, sempre no município de Charqueadas. Em cinco dos quase 15 meses do período, encerrado em 19 de janeiro deste ano, Pelz fez diárias em todos os dias úteis. Uma semana depois, em 27 de janeiro, reassumiu o DSEP e a superintendência adjunta.
R$ 52,07 mil
Foi o total recebido por Mônica
R$ 18,08 mil
Foi o total recebido por Pelz
TCE e MPC analisam casos similares
Casos semelhantes aos de Mônica e Pelz são apurados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e pelo Ministério Público de Contas (MPC). Em auditoria referente ao exercício 2013, auditores do TCE mencionam o caso de um agente da Susepe lotado no DSEP, em Porto Alegre, que recebeu diárias para trabalhar na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) em praticamente todos os dias de 2013. Segundo os auditores, "a necessidade habitual de prestação de serviços pelo servidor, durante praticamente todo o exercício de 2013, descaracteriza o instituto das diárias, sendo que seria mais vantajoso para a Susepe efetuar a remoção do servidor para a Pasc, evitando o dispêndio de R$ 13.720,45 com diárias prescindíveis".
Portanto, concluem os auditores, "o valor das diárias pagas [...] é passível de devolução aos cofres públicos, pois se refere a pagamentos desnecessários em decorrência da execução de atividades laborais em local diferente da lotação do servidor de forma habitual, sem que houvesse a formalização da sua remoção". O processo ainda não foi julgado.
O procurador-geral do MPC, Geraldo Da Camino, afirma que situações similares às de Pelz e de Mônica são analisadas pelo órgão.
- Os casos (mencionados por ZH) parecem se enquadrar nesta mesma moldura e denotam, em princípio, falhas de planejamento que podem ter levado a despesas desnecessárias - avalia Da Camino.
Na opinião do procurador, a responsabilidade maior sobre eventuais irregularidades recai sobre os gestores que ordenam a realização das diárias.
- O agente público que autoriza diárias em desacordo com os princípios administrativos pode responder financeiramente pelo gasto indevido.
O QUE DIZ A LEI
Lei 10.098 (1994)
Artigo 95
§ 3º - Não serão devidas diárias nas hipóteses em que o deslocamento da sede se constituir em exigência permanente do serviço.
Decreto 24.846 (1976)
Artigo 5
§ 2º - Não caberá concessão de diárias quando:
a) o deslocamento for exigência permanente do exercício do cargo ou atribuição.
Constituição Estadual
Artigo 19
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado e dos municípios, visando à promoção do bem público e à prestação de serviços à comunidade e aos indivíduos que a compõem, observará os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade, da legitimidade, da participação, da razoabilidade, da economicidade...
Constituição Federal
Artigo 37
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...
CONTRAPONTOS
O que dizem
Gelson Treiesleben, superintendente da Susepe entre 2011 e 2014
A Susepe se utilizou dos diaristas por um longo período para suprir a deficiência de servidores. A contratação de novos servidores sairia mais cara para o ente público, porque o servidor ganha em diárias o equivalente a um terço do valor de um servidor normal. Existem "n" servidores na mesma situação. Há servidores que, inclusive, trabalharam mais do que estes. Se forem contabilizados todos os servidores da Susepe, são cerca de 5 mil. Por isso, não poderia falar especificamente sobre um ou outro caso.
Mario Luis Pelz
Em 11 de novembro de 2013, foi designado administrador interino da Pasc, sem receber valores adicionais referentes à função, condição na qual permaneceu até janeiro de 2015. A Lei 24.018, de 2012, autoriza a realização de diárias de reforço de contingente com regularidade, restringindo o pagamento de diárias de deslocamento aos casos em que o servidor precisa viajar a outro município em situações excepcionais. Nos casos em que a presença em outro município ocorre com regularidade, as diárias pagas são de reforço, cujos valores são inferiores às de deslocamento.
Mônica Pires da Silva
Integrava um projeto-piloto iniciado em 2010, que era realizado em todas as regiões do Estado e exigia acompanhamento dos responsáveis. Todos os deslocamentos foram comprovados por folha-ponto e por atestados do diretor do estabelecimento prisional. Sobre as diárias na rubrica "reforço de vigilância", diz que a Lei Complementar 13.259 estabelece entre as atribuições do cargo de técnico superior penitenciário "planejar, executar e avaliar os programas de individualização de pena visando a ações de tratamento penal".