Cercada por dilemas práticos, a redução da maioridade penal no Brasil vem suscitando uma série de dúvidas acerca do tema. O principal argumento dos parlamentares favoráveis à medida é sustentado pela premissa do clamor popular.
Influenciada pela sensação de insegurança, grande parte da população brasileira vê na redução a solução para episódios rumorosos - como o caso do assassinato do travesti Dartagnan Vargas da Silva, 35 anos, conhecido como Kauane, ocorrido em junho, em Santa Maria. Conforme a Polícia Civil, o mandante do crime seria um adolescente de 17 anos, que já teria envolvimento com outras duas tentativas de homicídio e com um homicídio ocorrido em março.
- As pessoas estão sob forte efeito emocional, e o medo é o pior dos conselheiros. Então, quando elas estão em um quadro emocional negativo e preocupante, ao receberem dos poderes constituídos uma medida que promete trazer uma solução rápida, é a que vão comprar - avalia Eduardo Pazinato, coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma).
Em um primeiro momento, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93 acirrou a disputa de argumentos contra e a favor. Seja em rodas de conversa ou nas redes sociais, surgiram diversas teorias sobre os prejuízos e benefícios que a PEC traria em relação à criminalidade juvenil no país.
De autoria do ex-deputado Benedito Domingos (PP-DF), a PEC 171/93 era a mais antiga medida a tramitar no Congresso Nacional para tratar da redução da maioridade penal. Publicado em 1993, o texto não apresentava estatísticas ou mesmo critérios técnicos sobre o assunto. Mesmo assim, após mais de duas décadas flutuando pela Câmara dos Deputados, a medida ganhou força em meio à ala mais conservadora do Legislativo.
Com apoio de pelo menos outros seis partidos, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), levou a PEC à votação em plenário. Após alterar o texto e prever a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos apenas para casos de crimes hediondos (como estupro e latrocínio), lesão corporal grave e roubo qualificado (quando há sequestro ou participação de dois ou mais criminosos, entre outras circunstâncias), na quarta-feira, a emenda foi rejeitada pela Câmara.
Apesar de comemorada, a decisão que alegrou quem é contra a redução durou apenas 24 horas. Na madrugada seguinte, sob protestos, uma proposta semelhante foi aprovada pelo mesmo plenário. A diferença é que, na nova emenda, o tráfico de drogas e o roubo qualificado foram excluídos do rol de crimes que levaria o adolescente a responder como um adulto. Do texto anterior, foi mantida a regra de cumprimento da pena em estabelecimento separado dos destinados aos maiores de 18 anos e dos menores inimputáveis (que cumprem medidas sócio-educativas).
Mais três votações
Para ser incluída na Constituição Federal, a proposta ainda depende de pelo menos outras três votações. Ela será apreciada em segundo turno na Câmara. Se for novamente aprovada, segue para o Senado, onde também será votada em dois momentos. Por se tratar de uma PEC, caso seja promulgada pelo Congresso, a medida não poderá ser vetada pela presidente Dilma Rousseff (PT). Caberá ao governo, contrário à emenda, recorrer ao Supremo Tribunal Federal.
Entre as incertezas trazidas pela medida, está a dúvida se ela realmente será uma efetiva ferramenta para frear a escalada da violência nacional. Mas, enquanto o tempo não expõe as consequências, caso ocorra essa significativa mudança na legislação penal brasileira, esta edição da revista MIX apresenta opiniões, projeções e expectativas de pesquisadores, policiais e vítimas sobre o tema.
87% dos brasileiros são favoráveis à redução
Uma pesquisa do Datafolha divulgada em 22 de junho revelou que 87% dos brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes violentos. De acordo com o mesmo levantamento, 73% das pessoas ouvidas defendem a mudança para qualquer tipo de crime.
Entre os 27% que apoiavam a mudança somente para determinados casos, está Luiz Fernando Oderich, 65 anos. Para o empresário e presidente da ONG Brasil Sem Grades, os críticos da redução só pensam na realidade do menor infrator e esquecem dos "outros sujeitos que nascem dessa relação".
- Um deles é a família que perdeu seu filho e quer Justiça e não pode aceitar que a pessoa fique um tempo presa e saia com ficha limpa, como se não tivesse feito absolutamente nada. É muito difícil para uma família aceitar uma coisa dessas. O terceiro sujeito é a sociedade, que tem medo - diz.
Oderich, que criou a ONG em 2002 - após ter o filho de 26 anos assassinado durante um assalto em Porto Alegre - não acredita na recuperação do autor de crimes como homicídio, estupro e sequestro.
- Ele é um psicopata ontem, hoje e será amanhã. Essa pessoa não vai mudar, ela pode ficar o tempo que for lá, mas ela não vai mudar - enfatiza.
Para o empresário, outro argumento que pode ser facilmente questionado diz respeito ao contato dos adolescentes com os adultos, à medida em que fossem encaminhados às cadeias comuns.
- Muito se diz que se o cara for colocado em uma prisão, ele vai entrar numa "universidade do crime". Mas uma pessoa que mata, tortura e sequestra, o que mais precisa aprender que já não saiba? E quando ele é internado junto a outros menores, também não ensinada nada? - questiona.
Autor da PEC 171/93, Benedito Domingos tem uma linha de raciocínio semelhante. "Na medida em que o jovem se veste da capa protetora da lei, ele não tem medo de praticar crime. Mas os menininhos de 16 anos estupram, matam, pegam uma moça e botam fogo no corpo dela. E a Constituição diz que eles são inimputáveis", opina o ex-deputado do Partido Progressista (PP).
Um alento às vítimas
Apesar de se posicionar favorável à redução da maioridade penal, Oderich acredita que outras medidas, como aumentar o efetivo policial, qualificar a investigação, aumentar as vagas do sistema penitenciário, acabar com regime aberto e semiaberto e reduzir a possibilidade de progressão de pena seriam mais eficazes. O empresário não espera uma redução significativa da criminalidade a partir da mudança na legislação. Mesmo assim, encara a iniciativa como uma espécie de alento.
- Cada vez que você endurece, põe um pouco de medo, e as coisas acabam diminuindo. É tipo o caso da Lei Seca. Não precisei ser pego numa blitz para parar de beber antes de dirigir. Estou vendo que as outras pessoas estão sendo multadas, que o bicho está pegando. Algum efeito positivo deve ter, principalmente, na questão da Justiça e o que isso representa às vítimas - conclui Oderich.
Não se prende jovens no Brasil?
Um dos principais argumentos de quem é favorável à PEC 171/93 é o de que os jovens de hoje têm consciência de que não podem ser presos e punidos como adultos. No entanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, fixa a idade mínima de responsabilidade penal em 12 anos. A partir disso, os adolescentes já podem cumprir medidas de privação de liberdade (internação).
Dados da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) indicam que, até 3 de março deste ano, havia 1.180 adolescentes internados nas unidades gaúchas. Conforme reportagem da rádio Gaúcha Santa Maria, em 29 de junho, a unidade da cidade estava superlotada: 60 internos para 33 vagas disponíveis. O total de vagas deveria ser de 39, mas, em função de uma obra no local, que está parada há 19 meses, a capacidade está reduzida.
Para a o pesquisador Eduardo Pazinato, não é correto dizer que não se prende no Brasil. O especialista afirma que, em 1994, havia 143 mil pessoas encarceradas em regime fechado no país. Hoje, de acordo com dados divulgados no novo relatório do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), 607.731 pessoas estão presas no país. Proporcionalmente, somos a quarta nação que mais encarcera no mundo, ficando atrás somente de Estados Unidos, China e Rússia.
- Se formos fazer uma conclusão básica, quer dizer que o sistema é eficiente ao que se propõe: as pessoas são presas. Agora, quando vamos analisar quem é que está sendo preso, vamos perceber que 25% dos presos cumprem pena por tráfico de drogas. E, muitas vezes, são usuários pobres. Quando analisamos quantos deles estão presos por homicídio (crime mais preocupante), chegaremos a 11% - argumenta Pazinato.
Participação em 1% dos homicídios
Para Eduardo Pazinato, os adolescentes estão muito mais no polo passivo de vítima da violência do que efetivamente como autores. Sobretudo, segundo ele, de violências graves como homicídios, latrocínios e estupros.
- Dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos, que analisa o sistema de medidas socioeducativas, mostram que jovens de 16 a 18 anos têm participação em cerca de 1% dos homicídios cometidos no país - revela Pazinato.
O presidente da Fase, Robson Zinn, afirma ainda que, de cada 100 crimes cometidos no Brasil, em apenas em 0,8% existe a participação de adolescentes. Desse total, 25% seriam delitos considerados graves.
- Quando se fala em redução, é o punir por punir. Não é crível alguém achar que o adolescente não é punido. Um adulto condenado por roubo, sendo primário, estará em liberdade em no máximo seis meses. O adolescente condenado pelo mesmo crime, mesmo sendo primário, vai ficar no sistema Fase de oito a 12 meses, no mínimo - explica Zinn.
O risco das "universidades do crime"
A emenda dos deputados Rogério Rosso (PSD-DF) e Andre Moura (PSC-SE), aprovada na quinta-feira, manteve o tópico da PEC 171/93 que previa que adolescentes de até 17 anos cumprissem pena em estabelecimento separado dos destinados aos maiores de 18 anos e dos menores inimputáveis. O problema é que, na prática, esses espaços não existem. Por isso, especialistas temem que, sob a alegação de que precisam estar presos, esse contingente de adolescentes acabe sendo encaminhado às prisões para adultos.
Ao excluir o tráfico de drogas e o roubo qualificado do rol dos crimes pelos quais os adolescentes poderiam ser responsabilizados, a emenda aprovada traria um impacto bem menor se comparada à PEC 171/93. Pelo novo texto, 238 menores deixariam as unidades da Fase e teriam de ser levados para esses espaços alternativos inexistentes. Caso fossem parar nas cadeias gaúchas, o déficit de vagas no sistema prisional adulto subiria de 5.942 para 6.180.
O delegado regional da Polícia Civil Sandro Meinerz acredita que isso criaria um problema gigantesco em nível nacional. Isso porque, em 2014, o Brasil tinha um déficit de 231 mil vagas no sistema prisional. Isso significa que há 1,6 presos por vaga nas penitenciárias brasileiras. A situação fica ainda mais caótica se olharmos para os dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça. Conforme o órgão, há cerca de 280 mil mandados de prisão não cumpridos no país.
- A prisão é uma instituição falida e não é de hoje. Faz 200 anos que foi criada no mundo a pena de prisão como fim de castigo. E ela nunca foi solução de problema. Ela nunca melhora o indivíduo - comenta Meinerz.
O delegado chama a atenção para o grau de contaminação encontrado nesses ambientes fechados. O policial explica que a formação de subculturas no interior dos presídios propicia "experiências criminosas, trocas de informações e desenvolvimento de uma cultura de violência".
- Nós temos que criar alternativas, temos de buscar outros mecanismos para evitar o primeiro contato com o cárcere. O cárcere é promíscuo. A pessoa que entra passa a sofrer um processo de prisionalização. Ela assimila as regras daquele meio. Pior, hoje, as pessoas estão ingressando no sistema prisional e estão passando a fazer parte de facções criminosas, para sobrevirem dentro do sistema prisional - argumenta Meinerz.
O impacto da PEC na sociedade
Para os especialistas consultados pela reportagem, a aprovação da redução da maioridade penal não produziria efeitos somente no que diz respeito ao comportamento do adolescente. Isso porque algumas atividades hoje consideradas criminosas, com uma determinada carga de punição, deixariam de ser crimes. Por mais que as mudanças não sejam automáticas, juristas temem o surgimento de brechas para novas e perigosas interpretações jurídicas, que poderiam ter impacto direto nas responsabilidades civis da população.
Caso isso ocorresse, infrações penais e administrativas elencadas no Título VII do ECA deixariam de ser imputáveis a quem as cometesse contra maiores de 16 anos. Ou seja, além da produção e venda de pornografia (artigos 240 a 241), não seria mais possível punir quem submetesse adolescente dessa faixa etária a vexame ou constrangimento (artigo 232), ou fornecesse arma ou fogos de artifício ou lhe vendesse bebidas alcóolicas (artigo 243).
O juiz aposentado João Batista da Costa Saraiva, que trabalhou por 28 anos na Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre e, atualmente, é consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), alerta que o rebaixamento da idade penal também poderia refletir na forma de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e, consequentemente, no tráfego. Isso porque, atualmente, o Código Brasileiro de Trânsito estabelece que um condutor precisa ser "penalmente imputável", condição que passaria dos 18 para os 16 anos.
- Imagino o quanto negativo seria este impacto. Hoje, os acidentes de trânsito em sua maioria têm como protagonistas motoristas na faixa entre 18 e 23 anos. Com 16 anos, como seria com a bebida, a noite, a prostituição? Haveria uma série de consequências, diretas e indiretas, com imediata repercussão nas famílias. Repercussões que, me convenço, seriam imensamente negativas - alerta Saraiva.
Prisão não ressocializa
A delegada Carla Dolores Castro, titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), acredita que a redução da maioridade penal afetará o processo de ressocialização do menor em conflito com a lei.
- Não é inserindo o adolescente no sistema punitivo carcerário que nós temos hoje em dia, que se encontra falido, cujo índice de reincidência dos presos chega em torno de 70% na média nacional, que se vai conseguir sua ressocialização - avalia a delegada.
O juiz aposentado João Batista da Costa Saraiva reconhece que há falhas no sistema socioeducativo nacional. No entanto, o especialista pondera que, se comparado ao sistema prisional adulto, o juvenil está muito à frente.
- Recentemente, em Porto Alegre, um jovem de mais de 18 anos, recolhido ao sistema socioeducativo (onde, hoje, podem ficar até os 21 anos) promoveu uma insurreição cuja pauta de reivindicação era ser transferido ao Presídio Central. Por quê? Porque lá teria regalias que não encontra na Fase, onde se submete a regras mais rígidas - conta Saraiva.
O presidente da Fase, Robson Zinn, afirma que o sistema prisional adulto é mais brando que o juvenil. Segundo ele, o adolescente infrator recebe na Fase todas as demandas que um jovem em situação normal deveria: médica, odontológica, psicológica, educacional e de assistência social.
- Se um menino que entra no sistema Fase, com 15 ou 16 anos, estiver no 6º ano e ficar internado aproximadamente por um ano e meio, ele vai ser devolvido à sociedade com Ensino Médio completo e com, no mínimo, dois cursos de formação. Você consegue reinseri-lo na família e consegue dar uma formação profissional e intelectual que possibilite sua inserção no mercado de trabalho - ressalta o presidente do órgão, lembrando que todas as unidades da instituição têm escolas.
Reincidência menor na Fase Zinn destaca ainda que os números demonstram que o índice de ressocialização da Fase é bem maior quando comparado ao sistema prisional adulto.
- Enquanto no sistema prisional adulto a reincidência fica acima de 70%, dentro do sistema juvenil, ela é de 32,8%. Ou seja, de cada 10 adolescentes, apenas três voltam ao sistema prisional juvenil - afirma.
Para Carla, não levar esse tipo de dado em consideração faz com que a solução oferecida pelos parlamentares se torne "extremamente rasa" .
- É uma solução que leva em conta os apelos da sociedade influenciada pela má mídia, que deveria fazer uma trabalho de conscientização e não fomentar uma verdadeira vingança privada, utilizando casos excepcionais de adolescentes infratores como justificativa para uma redução de maioridade penal - conclui a delegada.
Medida só trata o efeito
"Eu costumo dizer que o direito à segurança só vai ser garantido com a segurança de outros direitos." A afirmação de Eduardo Pazinato resume o sentimento de quem trabalha diretamente com os efeitos da criminalidade. Desde 2010 à frente da DPCA, a delegada Carla Dolores Castro afirma que a emenda à Constituição é uma forma de o Estado se ausentar da responsabilidade diante da juventude. A policial ressalta que quando um adolescente entra em conflito com a lei é porque "toda a rede proteção anterior falhou com ele":
- A sociedade como um todo: família, escola, rede de proteção do município, do Estado. Todos falharam. Então, fazer essa redução é isentar a própria sociedade da responsabilidade que ela tem com essa juventude. Nós temos que saber que não é tratando o efeito que a gente vai conseguir reduzir a causa.
Pazinato diz que a medida não dialoga com nenhum elemento técnico que faça uma análise da dinâmica da violência no país. Por isso, especialistas a chamam de "populismo penal". O pesquisador afirma que, ao longo das últimas três décadas, a partir de 1988, as soluções construídas para as demandas de segurança e Justiça no país se relacionam com a criação de novos tipos penais, majoração de penas e o encarceramento em massa.
- Tenho um levantamento de todos os projetos de lei e de emenda à Constituição que tramitam no Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. São mais de 1,1 mil projetos de lei propondo justamente mais do mesmo: criar novos tipos penais, aumentar as penas existentes e defendendo o endurecimento penal - conta.
É preciso inserir Pazinato acredita que o Brasil precisa, acima de tudo, atender as demandas de "uma geração inteira à margem, não só do mercado, mas do reconhecimento simbólico e privada do acesso a bens culturais".
De acordo com um levantamento do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), até junho de 2014, havia 607.731 pessoas presas no Brasil. O estudo indica ainda a prevalência de baixa escolaridade entre os presos: cerca de 56% são jovens com idades entre 18 e 29 anos, dois em cada três detentos são negros e a metade da população prisional não frequentou a escola ou conta com Ensino Fundamental incompleto. Isso leva a uma reflexão: será que esta população já não era marginalizada antes mesmo de ser presa?
Aumentar tempo da internação é alternativa
Em uma articulação envolvendo senadores da base aliada e da oposição, o governo Dilma Rousseff (PT) chegou a acelerar a tramitação de uma proposta legislativa alternativa à PEC 171/93. A ideia era levar a votação um projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP), que aumentaria dos atuais três para até oito anos o período de internação de adolescentes que tenham cometido crimes hediondos. Iniciativas como essa, que podem ser alcançadas por meio de uma revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são vistas com bons olhos por especialistas.
- A proposta de redução da idade penal em detrimento às correções na lei ordinária são como alguém propondo remover a cordilheira, quando é tão mais simples fazer um túnel - diz João Batista Saraiva.
Há três anos atuando na área de ato infracional da Promotoria da Infância e Juventude de Santa Maria, Antônio Augusto Ramos de Moraes também é contra a redução. No entanto, o promotor acredita que o prazo de internação dos adolescentes envolvidos em atos infracionais de maior gravidade deveria ser aumentado. Consequentemente, o limite de 21 anos precisaria ser revisto.
Junto a isso, Moraes reafirma a necessidade de se pensar espaços alternativos para que jovens de faixa etária mais alta cumpram suas medidas socioeducativas separados dos mais jovens.
- Não vejo como produtivo que um jovem de 21 anos cumpra medida em um mesmo espaço que um de 14 anos. Necessariamente, teríamos de trabalhar com a ampliação e a construção de outros espaços para que se respeite o trabalho socioeducativo que vem sendo desenvolvido com o viés do ECA - avalia Moraes.
Inserir é a meta
O coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da Fadisma, Eduardo Pazinato, elenca uma série de medidas que, em sua opinião, surtiriam o efeito sugerido pela emenda: a redução da criminalidade juvenil. Uma das iniciativas seria o investimento em Centros de Referência da Juventude. Adotada por cidades como Canoas e Rio de Janeiro, a iniciativa oportuniza novas perspectivas de futuro e a ruptura de condutas de risco social e individual de jovens de comunidades de baixa renda, em situação de risco social e/ou pessoal. Isso se dá por meio de cursos profissionalizantes, atendimento psicossocial, atividades esportivas e culturais com estratégias socioeducativas.
- Assim, conseguiremos disputar esse jovem com o mercado da droga. Porque, hoje, o envolvimento com o crime serve como estilo não só econômico, mas, também, simbólico. Portar uma arma de fogo, uma corrente, um Nike Shox e uma CG 125, em algumas comunidades, é sinal de identidade, reconhecimento - avalia o pesquisador.
A delegada Carla Dolores Castro teme ainda que a redução da maioridade penal faça com que o varejo da droga passe a cooptar adolescentes cada vez mais jovens. Esse é um dos motivos pelos quais Pazinato acredita que uma nova política sobre drogas, com a regulamentação e a descriminalização de certas condutas e o aumento no controle da circulação de armas de fogo, é essencial para reduzir a criminalidade.
Tamanho da pena não assusta
O delegado Sandro Meinerz concorda que há a necessidade de separar adolescentes de diferentes faixas etárias. Porém, o policial acredita que a redução da criminalidade, seja ela juvenil ou adulta, não passa, necessariamente, pelo tamanho da pena. Meinerz, que também é professor de Direito Penal, é taxativo ao afirmar: "o que demove um sujeito de praticar um fato é a certeza do castigo".
- Se fica nessa questão do "pode ser", e o processo criminal demora anos para terminar, o tamanho da pena não assusta. Esse processo (de endurecimento de penas) se chama neopenalização. Essa ideia de novas penalizações é bastante arraigada nos Estados Unidos, aquela coisa de tolerância zero, penas elevadas, onde em alguns Estados até há pena de morte. Mas, se num lugar que tem pena de morte tem crime, significa que ela não assusta - argumenta o professor.