Oito policiais militares viraram réus no processo sobre o assassinato de Maicon Doglas de Lima, 16 anos, ocorrido em 1º de fevereiro deste ano. O juiz José Antônio Prates Piccoli aceitou a denúncia oferecida pela promotoria de Justiça Criminal de São Leopoldo no último dia 15. O adolescente, torcedor do Novo Hamburgo, foi morto por dois disparos pelas costas após uma confusão entre torcidas de futebol, dispersada pela Brigada Militar no bairro Santos Dumont, em São Leopoldo.
A denúncia foi aceita no dia 16, mas a decisão só foi publicada no site do Tribunal de Justiça Estadual (TJ-RS) nesta sexta-feira. Conforme o despacho, a partir da citação a defesa dos PMs tem 10 dias para responder à acusação.
- Vou tomar conhecimento da denúncia para conversar com meus clientes e definir a estratégia de defesa, reunindo as provas para mostrar que os fatos não ocorreram da forma como está sendo dito - afirmou o advogado Jairo Luís Cutinski, defensor de cinco dos PMs, agora réus.
Homicídio de torcedor é o crime com maior número de PMs presos por morte desde 2012
MP denuncia oito PMs por envolvimento na morte de torcedor do Novo Hamburgo
O promotor de Justiça Sérgio Luiz Rodrigues, responsável pelo caso, denunciou os brigadianos Fabiano Francisco Assmann e Moysés Augusto Ribeiro Stein por homicídio triplamente qualificado. Assmann e Stein agora são réus, acusados de teriam efetuado vários disparos de arma de fogo, acertando dois tiros em Maicon.
Como qualificadores do crime, o promotor apontou motivo torpe, pelo ataque ser retaliação ao confronto ocorrido minutos antes na Estação Santo Afonso do trensurb, perigo comum, em razão de os disparos terem sido realizados em via pública, e dificuldade de defesa da vítima, que estava desarmada e foi atingida pelas costas.
- O fato foi grave, o rapaz levou dois tiros pelas costas. Estava desarmado. O inquérito demonstrou que ele não havia praticado qualquer ato violento contra a guarnição. Houve excesso grave que resultou na morte de um adolescente, que precisa ser apurado e punido - afirmou o promotor.
"Depois que o PM atira, sentença está dada", afirma comando da BM
Outros dois PMs - Ulisses de Mattos Quos e Ângela Peppe Christofari - são réus por tortura. Eles teriam agredido a chutes, coronhadas e pisões, fraturando o braço direito de outro jovem que acompanhava o grupo de amigos de Maicon e correu depois que os brigadianos chegaram atirando.
O sargento da BM Antônio Rony Gonçalves Rodrigues responde por prevaricação. Como superior dos demais PMs que participaram da abordagem, ele teria liberado uma testemunha com a intenção de proteger os subordinados e "ocultar o fato de que os disparos que feriram a vítima foram perpetrados pelos colegas".
Quatro denunciados pela troca da bala
Os PMs Valentim Martins Torres Neto e Júlio César Barros, além de Assmann e Moysés, também viraram réus de acusação por fraude processual. O promotor aponta que os quatro teriam agido em conjunto para trocar um dos projéteis retirados do corpo de Maicon, enquanto o jovem era atendido dentro do Hospital Centenário. Conforme a denúncia, os brigadianos teriam substituído uma bala calibre .40, que havia ficado presa às vestes do adolescente, por um projétil calibre .380 com a intenção de "fraudar a investigação, ocultando a autoria do homicídio".
Laudos do Instituto-Geral de Perícias (IGP) comprovaram que a bala apresentada pelos PMs na delegacia como sendo a retirada do corpo do rapaz não tinha vestígios de sangue ou material humano. A perícia também comprovou que uma cápsula encontrada a cerca de 20 metros do local onde Maicon tombou era de calibre .40, e havia sido disparada pela arma de um dos brigadianos.
Maicon foi morto a 150 metros de casa, no bairro Santos Dumont, em São Leopoldo (Foto: Reprodução/Facebook)
Ângela, Ulisses e outro brigadiano, Edinei de Matos, também viraram réus por fraude processual. De acordo com o promotor, o trio teria recolhido cápsulas de projéteis do local do homicídio "com o fim de induzir juiz e peritos em erro" no decorrer da investigação e ocultar a identificação dos colegas como autores do assassinato de Maicon.
Ângela, Ulisses, Fabiano e Moysés chegaram a ser presos, mas foram libertados poucos dias depois para responder ao processo em liberdade. No retorno ao batalhão, foram recebidos em confraternização com bolo e refrigerante. Eles foram afastados das atividades de rua, mas continuaram no trabalho administrativo do 21º Batalhão de Polícia Militar de São Leopoldo - no qual estão lotados todos os PMs denunciados.
Policiais militares soltos são recebidos com festa no batalhão
Justiça mandar soltar envolvidos na morte de torcedor do Novo Hamburgo
Morte de torcedor do Novo Hamburgo completa quatro meses sem respostas
O Ministério Público recorreu pedindo prisão preventiva dos quatro, mas o recurso foi negado em julgamento pela 3ª Câmara Criminal do TJ no mesmo dia em que a denúncia foi aceita em São Leopoldo.
RELEMBRE O CASO
- Em 1º de fevereiro, Maicon Doglas de Lima, 16 anos, foi baleado após briga entre torcedores dispersada pela BM, em São Leopoldo. Morreu no Hospital Centenário.
- No início da investigação, em depoimento à Polícia Civil, um PM admitiu ter feito disparos com munição comum, alegando legítima defesa. Surgiu ainda a suspeita de que um dos projéteis retirados com marcas de sangue do corpo do jovem teria sido trocado por outro com traços de concreto.
- No dia 3, a Polícia Civil divulgou vídeo de câmeras do hospital mostrando que quatro PMs entraram na sala onde o rapaz foi atendido. Veja:
- No dia 4, a Justiça decretou a prisão de dois PMs - Fabiano Francisco Assmann e Moyses Augusto Ribeiro Stein. No dia 13, outros dois foram presos: Angela Peppe Christofari e Ulisses de Matos Quos.
- No dia 26, a Polícia encerrou o inquérito indiciando nove brigadianos. Também foi pedida conversão da prisão temporária dos quatro PMs detidos em preventiva.
- Na quinta-feira, o pedido foi negado, e os quatro PMs foram soltos.
- Na segunda-feira, eles foram recepcionados em confraternização no 25º BPM. No mesmo dia, o MP entrou com recurso pedindo a prisão preventiva dos PMs.
Postagem no Facebook registrou apoio dos colegas (Reprodução/Facebook)
- No dia 13 de março, laudos de perícia confirmaram que um estojo de munição .40, achado próximo do local onde o jovem foi baleado, partiu de uma arma da BM. Outro lado confirmou que o projétil apresentado pelos brigadianos que sendo o retirado do corpo de Maicon foi substituído por uma munição .380 sem traços de sangue ou material biológico.
- No dia 1º de junho, completaram-se quatro meses da morte de Maicon, e a família ainda aguardava resposta das autoridades. Com as investigações de Polícia Civil e Brigada Militar encerradas, ambas com indiciamentos, a denúncia não havia sido oferecida porque a promotoria aguardava a Justiça Militar remeter o inquérito policial militar (IPM) conduzido pela BM à Justiça comum.
- No dia 15 de julho, mesmo sem o recebimento do IPM, a promotoria ofereceu denúncia contra oito brigadianos, dois deles por homicídio triplamente qualificado.
- No dia seguinte, a 1ª Vara Criminal de São Leopoldo aceitou a denúncia contra os oito PMs, mas o despacho só foi publicado no site do TJ nesta sexta-feira.
Leia todas as últimas notícias de Zero Hora