Homem da confiança da presidente Dilma Rousseff e porta-voz para questões da Lava-Jato, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, continua sob forte pressão do próprio partido. Quanto mais as investigações se aproximam da cúpula do PT, maior é a cobrança de quem exige controle sobre as ações da Polícia Federal. Há quatro anos e sete meses à frente da pasta, o ministro avisa: as autoridades policiais e o Ministério Público Federal têm plena liberdade e autonomia.
Cardozo, 56 anos, é o ministro que por mais tempo comandou a Justiça. Além de cuidar das questões de segurança, é conselheiro de Dilma. Participou, por exemplo, da elaboração da defesa no caso das pedaladas fiscais. Múltiplas atividades que o obrigam a ficar até a meia-noite no gabinete. De tanto conviver diretamente com a presidente, ouviu um conselho bastante direto:
- Ou você emagrece, ou vai morrer - disse-lhe Dilma, passando o endereço do médico responsável pela dieta Ravenna.
Cardozo, natural de São Paulo, já emagreceu 21 quilos desde o início do ano e expõe com orgulho a nova silhueta. Mais leve e em busca de qualidade de vida, se prepara para sair da política assim que deixar a Esplanada.
Concluindo uma tese de doutorado, confessa que será professor e voltará à advocacia.
Cardozo recebeu ZH em seu gabinete um dia depois de uma cuidadosa e rotineira varredura contra grampos. Mesmo assim, mediu as palavras como nunca ao falar da Lava-Jato. Nesta quinta-feira, ele foi um dos ministros que esteve ao lado de Dilma na reunião com os governadores, propondo um pacto pela redução de homicídios.
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Para a presidente Dilma, a Lava-Jato é um dos motivos da queda do PIB. Com a operação chegando ao setor elétrico, a crise aumenta?
Há estudos econômicos que dizem isso. Mostram um reflexo em investimentos, paralisações de contratos e outras situações por força da investigação. Mas não creio em aumento da crise. Acho muito importante que tenhamos uma diretriz de investigações, o país quer isso. Precisamos investigar sempre que há indícios de ilegalidade. Ao mesmo tempo, temos de fazer de modo a não trazer danos para a economia, para os empregos. Repito, isso deve ser feito sem que a economia seja abalada.
A maneira com que a operação é conduzida prejudica a economia?
As autoridades policiais conduzem, o Ministério Público também, e devem fazê-lo com plena liberdade e autonomia.
O ministro da Justiça manda na Polícia Federal (PF)?
O ministro da Justiça é o superior hierárquico da Polícia Federal. No que diz respeito às investigações, o ministro não interfere. As investigações devem ser impessoais. Portanto, ao ministro da Justiça não cabe dizer quem deve ser investigado, nem o que deve ser investigado. O ministro deve verificar se uma investigação desborda da lei.
O senhor conseguiu convencer o PT? O partido tem cobrado do senhor que não há controle sobre a PF.
Recebi uma manifestação de apoio da bancada dos deputados do PT, dizendo que a minha conduta era correta. Mas é claro que você tem na base governista ou na oposição pessoas que acham que isso não é possível. É mais por desinformação do que por outra razão. Quando as pessoas da oposição são investigadas, volta e meia me vejo sob acusação de que estou conduzindo a PF para investigar desafetos. E quando tenho amigos ou aliados sendo investigados, tenho a acusação de que não controlo a PF. As duas acusações são absolutamente indevidas.
Assim como o PT, também o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cobrou uma posição do Planalto sobre as investigações. Houve surpresa com relação a esse comportamento?
O importante é que as posições pessoais de dirigentes de poder jamais devem influenciar a condução da instituição que presidem. Não creio jamais que o presidente Eduardo Cunha, independentemente da compreensão que ele tenha da realidade da investigação, vá agir na perspectiva de usar a instituição que preside para retaliar o governo. Não creio que faça isso.
A pauta-bomba não é uma sinalização de que Cunha agirá contra os interesses do governo?
Tenho absoluta convicção de que um presidente da Câmara não buscará retaliar o governo.
Empresas com presidentes presos na Operação Lava-Jato devem continuar mantendo contratos com o governo?
Isso não passa por uma posição pessoal, é a lei. Não se confunde a capacidade de participar de licitações ou de manter contratos de uma empresa com a situação penal de eventuais dirigentes, que até o momento não foram condenados. Mesmo que um governante quisesse impedir que empresas cujos dirigentes estão presos preventivamente pudessem participar de licitação, o Judiciário seria o primeiro a dar uma reprimenda ao administrador público que agiu dessa forma.
O senhor também acredita que o ideal para essas empresas seria o acordo de leniência?
Seria o correto e é natural que a legislação seja aplicada. O importante é punir as pessoas físicas que fizeram isso. A empresa, tomadas as medidas cabíveis, continua com seus empregados, que não têm a ver com isso, com o serviço à sociedade.
Foi adequada aquela reunião da presidente Dilma com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, no meio dessa confusão da Lava-Jato?
Absolutamente adequada, são dois presidentes de poder. Acho até curioso que não se perceba a normalidade de um encontro como esse. Presidentes de poderes podem e devem se encontrar sempre. Eles conversaram sobre o salário dos servidores do Judiciário.
Mas houve muito barulho.
Ultimamente, tenho sido cercado por barulhos bastante curiosos. Recebo advogados no estrito cumprimento do meu dever, do direito dos advogados, é barulho. Vou falar com o procurador-geral da República, é barulho. Vou ao presidente do STF, é barulho. Não sei o que resta o ministro da Justiça fazer. Atualmente, em uma fase como esta, especulações florescem sem fundamento.
Um parecer do TCU, rejeitando as contas da presidente Dilma, pode alimentar pedido de impeachment?
Não creio que o Tribunal de Contas irá rejeitar as contas da presidente Dilma porque não há base jurídica para isso. A defesa apresentada pelo governo é muito sólida. Se isso vier a acontecer, aí é uma questão que vamos discutir, até porque discussões dessa natureza poderiam ser debatidas na Justiça.
Qual a sua avaliação do risco de impeachment?
É especulativo. Não há nenhuma base jurídica para impeachment. A presidente Dilma não está sendo sequer investigada por posição do ministro Teori Zavascki (STF) e do procurador-geral da República. Em segundo lugar, daquilo que se fala das chamadas pedaladas, a tese jurídica que levaria a uma rejeição das contas não procede. Não houve ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente se você considerar que governos anteriores fizeram o mesmo.
Mas os volumes agora são bem maiores.
Sem sombra de dúvida. Mas muda o crime de homicídio se matar com uma facada ou com cem? Não. Ou há delito ou não há delito. Neste caso, não há delito.
Baixa popularidade, economia em crise e um Congresso que está sempre balançando. A presidente Dilma chega até 2018?
Não tenho a menor dúvida de que chega a 2018. Todos esses fatos são situações de um momento. O governo está no rumo certo na área econômica, defende as investigações, em nenhum momento o governo tentou obstar aquilo que se coloca hoje a limpo no Brasil, não age arbitrariamente quando defende que todos os acusados têm o direito ao contraditório e à ampla defesa antes de serem punidos. Tudo isso mostra um governo democrático, que vive momentos democráticos variáveis e que serão superados.
Como o militante petista José Eduardo Cardozo analisa a crise de credibilidade do PT?
Também como uma coisa episódica. O partido tem de se reciclar, aplicar algumas medidas, partir para um outro patamar. Confio na progressão da vida como uma depuradora de problemas. Dessa crise sai coisa melhor.
Que medidas são essas?
Como ministro, me sinto muito pouco à vontade para participar de debates internos, coisa que sempre fiz.
O partido não tende a encolher nas próximas eleições municipais?
Lembro-me que em 2005 (mensalão), quando se dizia que parecia evidente que o presidente Lula não chegaria ao final do mandato, não só ele terminou o mandato como foi reeleito e saiu ovacionado como um dos maiores presidentes da nossa República. Lembro-me de um ilustre parlamentar que dizia: "o PT acabou". E o presidente Lula foi reeleito.
É verdade que o senhor comentou com amigos que está de "saco cheio"?
É absolutamente natural que em um ministério como esse, o ministro se desgaste. É um ministério tenso. Costumo brincar que a única inauguração de que participo como ministro é de penitenciária e que, efetivamente, não é um símbolo de felicidade. Essa própria incompreensão do papel democrático do ministro da Justiça em relação à PF ou em relação ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômico). Então, é natural que ocorra aquilo que chamamos de fadiga de material.
O governo é contra a redução da maioridade penal, mas sofreu derrota na Câmara. Há como revertê-la?
Tenho uma posição radicalmente contra a maioridade penal por diversas razões. A primeira delas é a de que a regra que estabelece a imputabilidade penal até os 18 anos é cláusula pétrea da Constituição, intocável. Não tenho a menor dúvida jurídica e acadêmica. Se isso for aprovado pelo Congresso, o STF será chamado a se pronunciar. Além disso, todos os estudos mundialmente conhecidos demonstram que quando se trata jovens como adultos, a criminalidade aumenta, a violência aumenta, porque reduz a possibilidade de inserção e de recuperação social.
Há possibilidade de reversão no Congresso?
Sim. E quem não estiver convencido pelas razões que disse, há duas que acho que são inquestionáveis. A primeira é uma consequência prática. Tenho déficit no sistema penitenciário hoje que chega a mais de 200 mil vagas. E, quando falo em 200 mil vagas, falo em superlotação das nossas unidades prisionais. Tenho ainda mais de 400 mil mandados para serem cumpridos, ou seja, preciso de mais de 600 mil vagas. É maior a minha necessidade do que todo o sistema prisional brasileiro.
O cidadão brasileiro vive com uma sensação de insegurança, de medo. O que fazer para reduzir essa sensação de impunidade?
No caso da redução da maioridade penal, como acabo com a sensação de impunidade? Atacando as coisas certas. O governo tem apoiado a proposta aprovada pelo Senado de modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente que tem duas perspectivas. A primeira delas é a elevação da pena para o adulto que participa de crimes com os jovens. Segundo, o período máximo de internação de um jovem que pratica um delito é de apenas três anos. O Senado aprovou a elevação para 10 anos. Pessoalmente, preferíamos oito anos. Aos governadores, apresentamos um pacto nacional de redução do número de homicídios, uma ação conjugada para que possamos reduzir o nível de homicídios, reduzindo impunidade, violência, atacando as causas como devem ser atacados.
No RS, um dos principais problemas é a falta de policiais nas ruas. Como a União pode ajudar?
Esse é um problema de todos os Estados. Há problemas de gestão na segurança pública: se gasta mal, se compra mal os equipamentos, investe errado. Quando assumi o ministério, uma das coisas que me chamou a atenção era a falta de informações sobre crimes. Como combato se não sei onde os crimes acontecem? Criamos em 2012 um sistema de informações, o Sinesp, que até o final de 2015 estará funcionando totalmente. Hoje já tenho informações em um nível muito melhor. Preciso disso para combater a criminalidade.
Mesmo com o aumento da renda das classes mais baixas, a criminalidade só aumentou. Por quê?
Essa foi uma das grandes surpresas pessoais que tive. Sempre achei, e continuo achando, que uma das causas da criminalidade é a exclusão social. A expectativa que se tinha é que, quando tivesse uma mudança do patamar econômico, o crime cederia. No entanto, quando comparo o mapa da criminalidade com a redistribuição de renda, percebe-se que em alguns lugares onde houve forte redistribuição de renda, o crime cresceu. Se não fizer um estudo detalhado das razões que geram o crime, não tenho como combatê-lo.
Qual o seu futuro político?
Vou ser candidato a voltar a ser professor e ser um bom advogado. É o que quero fazer da minha vida. Enquanto não mudarmos o sistema que gera corrupção, por meio de uma reforma, as pessoas não têm mais prazer em ter vida política. Você se comporta com honestidade a sua vida inteira e, hoje, quando está em um cargo público, é visto como se fosse um bandido. Mas o que é isso?
Já foi cobrado publicamente?
Nunca aconteceu comigo, mas pode acontecer a qualquer momento. É uma coisa perversa de repente você ser considerado um bandido até que prove o contrário.