Das quatro pessoas que aparecem fazendo a saudação nazista em filme divulgado no sábado pelo jornal britânico The Sun, as que menos importam são as que usam vestidos curtos. A rainha Elizabeth II, então com seis ou sete anos (o vídeo teria sido feito entre 1933, ano da chegada de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, e 1934), e a princesa Margaret, três ou quatro anos (morreu em 2002), estão claramente imitando os adultos na cena.
Mas há alguém mais no filme além da rainha e de sua irmã. A primeira a fazer o gesto asqueroso é uma das figuras mais queridas da realeza britânica em todos os tempos: Isabel Bowes-Lyon, duquesa de York e futura rainha Elizabeth, conhecida como Rainha Mãe depois que a filha mais velha ascendeu ao trono. Na Grã-Bretanha, a percepção dominante é que a Rainha Mãe sempre detestara o nazismo e, mais amplamente, os alemães. Não se pode dizer o mesmo do outro personagem em cena: o príncipe de Gales, que seria sagrado Eduardo VIII em janeiro de 1936 e abdicaria 11 meses depois para se casar. As simpatias do tio da Rainha Elizabeth por Hitler estão bem documentadas. Em 1937, depois de abdicar, ele encontrou-se com o ditador em visita à Alemanha e foi visto fazendo a saudação hitlerista. Não havia, porém, imagem conhecida do gesto.
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Hitler certamente era mais popular na realeza britânica do que o Palácio de Buckingham gostaria de admitir. E o nazifascismo como um todo gozou de mais boa vontade nas ilhas britânicas do que em outras regiões. Na metade dos anos 1930, os fascistas ingleses eram legião. Em 1934, mais ou menos na mesma época em que o filme da família real foi rodado, o jornal Daily Mail publicou artigo em que seu dono, Lorde Rothermere, zombava dos britânicos que desconfiavam das raízes continentais do fascismo: "Se os seus ancestrais tivessem sido igualmente estúpidos, a Grã-Bretanha não teria sistema bancário, nem direito romano, nem mesmo futebol, porque todas essas foram invenções italianas". Até mesmo Winston Churchill trocou cartas amistosas com o ditador italiano Benito Mussolini antes e durante a II Guerra Mundial (uma interessante compilação está no livro Dear Benito, Caro Winston, do historiador italiano Arrigo Petracco).
A polêmica vai, portanto, muito além da exposição de uma imagem infantil da rainha. Chama atenção para o peso do nazifascismo no entreguerras em países que passaram à história como seus mais decididos inimigos. Para que esse fenômeno fosse devidamente compreendido, seria importante que a família real abrisse à pesquisa seus arquivos da época.