O atraso nos repasses do governo do Estado e o corte de incentivos na área da saúde têm atingido em cheio os atendimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos hospitais da região central do Estado. A situação é tão grave que, nos últimos dias, pelo menos três pacientes morreram em macas nos pronto-atendimentos da cidade à espera de leitos em hospitais. E, na sexta-feira, a secretária municipal de Saúde de Santa Maria, Vânia Olivo, convocou uma entrevista coletiva para anunciar que o município vai entrar na Justiça para tentar obter os recursos devidos pelo Estado. Isso deve ser feito na segunda-feira. A cidade já considera decretar situação de calamidade, decisão que cabe ao prefeito Cezar Schirmer (PMDB) e está sendo analisada.
Para tentar dar uma dimensão da crise na saúde pública, o "Diário" fez um levantamento em 26 hospitais que oferecem atendimento pelo SUS em Santa Maria e na região. Desses 26, apenas três - Hospital Rainha dos Apóstolos, em Dona Francisca; Hospital Doutor Roberto Binatto, em São João do Polêsine e, Hospital Municipal Doutor Pedro Jorge Calil, em Formigueiro - não sofrem com a falta de repasses, pois são instituições mantidas pelo orçamento dos municípios.
Já no Hospital de Caridade de Mata, segundo a interventora, Marta da Silva, os repasses estão chegando normalmente. O Hospital São Vicente de Paulo, de Cruz Alta, não quis se manifestar sobre a atual situação e ficou fora do levantamento, assim como o Hospital São Vicente do Sul, de São Vicente do Sul, pois o responsável pelos dados não foi localizado pelo Diário.
No Hospital de Caridade de Santiago e no Hospital de Caridade de Jaguari, que são administrados pela mesma direção, mesmo com a falta de repasses, isso não chegou a afetar os atendimentos nem gerou outros reflexos, como a demissão de funcionários. De acordo com Ruderson Mesquita Sobreira, que responde pelas duas instituições, em Santiago, a falta de repasses chega a R$ 4 milhões, e, em Jaguari, a R$ 400 mil.
- Nós já estávamos preparados, sabíamos que a situação poderia complicar. Os repasses em atrasos são muitos, mas não temos reflexos no atendimento nem funcionários demitidos ou salários atrasados - afirma Sobreira.
Ainda segundo o administrador, em Santiago, o hospital tem se mantido pelos convênios privados e pelos tratamentos particulares realizados no Centro de Diagnóstico por Imagem. Já em Jaguari, existe uma parceria do hospital com a prefeitura, que auxilia nos custos.
No entanto, essa não é a realidade dos outros 20 hospitais. A partir deste fim de semana, confira, em uma série de reportagens, como está a situação da saúde na cidade e na região. Nesta edição, retratamos a situação em Santa Maria, onde a Casa de Saúde e o Hospital de Caridade/Alcides Brum, que dependem de repasse do Estado, já sofrem com a falta de alguns serviços.
Santa Maria entrará na Justiça para obter recursos do Estado
Santa Maria vai entrar com uma ação na Justiça para tentar obter os recursos devidos pelo Estado para a área da saúde. O anúncio foi feito na última sexta-feira pela secretária de Saúde do município, Vânia Olivo. A ação deve ser encaminhada na segunda-feira. O principal problema é o atraso nos repasses e nos incentivos estaduais aos hospitais Casa de Saúde e Caridade/Alcides Brum, o que acaba gerando um efeito cascata. Sem ter para onde enviar os pacientes graves, a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) e o Pronto-Atendimento Municipal do bairro Patronato estão tendo de mantê-los internados por dias nos setores onde deveriam ficar apenas pessoas em observação e por somente 24 horas. Alguns, acabam não resistindo e morrem sem conseguir um leito. Desde a última quinta-feira, segundo os próprios responsáveis pela UPA e pelo PA do Patronato, três pacientes - uma mulher na UPA e um homem e uma mulher no PA do Patronato - morreram à espera de leitos em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
Há dois dias, dona Eva Fernandes Soares, 50 anos, acompanha a mãe, Alzenira Fernandes Soares, 80, internada no PA do Patronato. Alzenira tem Mal de Alzheimer e, segundo a filha, a idosa não tem conseguido comer nos últimos dias.
- O médico que atende ela pediu para interná-la com urgência, mas no Husm não tinha condições. Daí, conseguimos vir para o PA. Só que ela precisa de recursos que aqui não tem e nós não fazemos ideia de quando vamos conseguir leito para ela em algum hospital - lamenta Eva.
- Muitos pacientes estão permanecendo conosco sete, oito dias. Nesta semana, não conseguimos leito para nenhum paciente. Eles ficam aqui até terminarem o tratamento, darem alta ou irem a óbito - diz a coordenadora do PA, Cleci Maria Cardoso.
Valor reivindicado
Com os repasses feitos nos últimos meses, a dívida do Estado com o município, que era de R$ 11 milhões, caiu para R$ 5,8 milhões. É esse o valor que a prefeitura buscará via judicial. Em caráter liminar (para que seja deferido com urgência), foram pedidos os valores referentes a atendimentos de urgência e emergência que somam cerca de R$ 1,8 milhão. Os repasses atrasados são de 2014 e 2015. Dos R$ 5,8 milhões, R$ 890 mil são recursos que deveriam ter vindo para manter o Serviço de Atendimento-Móvel de Urgência (Samu) e R$ 900 mil para a UPA, mas que não foram repassados. Com isso, a fatia mensal de 15% do orçamento que caberia ao município destinar à saúde tem sido de 18% - R$ 1 milhão a mais por mês. Ainda conforme a secretária, a verba do governo federal está chegando à cidade.
- Estamos sem leitos pelo SUS, sem UTI e sem marcação de cirurgias. Pacientes vão morrer ou já estão morrendo por conta disso. Com contenção, conseguimos manter a atenção básica, mas não sabemos até quando - disse a secretária, referindo-se à situação de calamidade.
OS REFLEXOS
- As unidades básicas não devem ser afetadas, não deve faltar materiais nem profissionais. Aliás, a indicação é que, cada vez mais, as pessoas busquem os postos nos bairros
- O tempo de espera para atendimento na UPA e no PA do Patronato deve aumentar para casos de menor gravidade. Isso porque os pacientes graves estão ficando mais tempo internados e serão priorizados
- Só serão feitos exames comprovadamente necessários, conforme protocolo do Ministério da Saúde para o tipo de caso
Corte nos repasses restringe atendimentos
Os atendimentos pelo Sistema Únicos de Saúde (SUS), em Santa Maria, foram afetados pela falta de repasses em dois hospitais. Na Casa de Saúde, de acordo com administradora, irmã Ubaldina Souza e Silva, a dívida total do Estado com o hospital já chega a R$ 4,2 milhões. Sem esses pagamentos, as cirurgias eletivas foram canceladas desde o dia 15 de junho, e 25 funcionários deixaram o hospital, a maioria por conta do atraso no pagamento dos salários, vagas que não serão repostas.
Não bastassem esses reflexos, a Casa de Saúde também está sem obstetras e, por conta disso, suspendeu os partos desde o dia 1º de julho. Isso porque os sete médicos obstetras que atendiam no local rescindiram o contrato com o hospital porque, segundo eles, um pedido de reajuste não foi aceito pela diretoria da instituição. Não há previsão para a retomada dos partos.
A manicure Vandressa de Souza Leal, 22 anos, teve o seu bebê, Vinicius, na Casa de Saúde. Mas isso foi no último dia 23. Segundo ela, se o serviço tivesse sido interrompido antes, a situação seria preocupante.
- Ia ser muito difícil se não eu não tivesse a Casa de Saúde, porque o particular é muito caro e o Husm não tem leitos - diz a jovem.
E a situação pode se agravar ainda mais:
- Estamos negociando a contratação de novos profissionais. Não queremos parar outros serviços, mas estamos indo para esse caminho - afirma a irmã Ubaldina.
Já no Hospital Caridade/Alcides Brum, cerca de 1,3 atendimentos deixaram de ser realizados pelo SUS desde o dia 30 de junho. No local, o problema é a não renovação do contrato com o Estado, que terminou em 13 de maio e gerava um prejuízo mensal de R$ 500 mil ao hospital. De acordo com o provedor do Hospital de Caridade/Alcides Brum, Pio Trevisan, a decisão não é definitiva, mas não está havendo diálogo:
- Os atendimentos de maior urgência e que estavam agendados, estamos mantendo. Estamos abertos ao diálogo, mas é preciso que haja dois lados para negociar, mas, até hoje, não recebemos proposta.
A estudante Tainá Compassi, 20 anos, ainda não sabe como fará a cirurgia para corrigir uma fissura. O procedimento deveria ter sido feito no dia 7, mas foi remarcado para o dia 20 de julho.
- Eles me disseram que não é certo ainda. Vai ter uma reunião para decidir. E se não der? Vou ter que pagar? Mas aí fica muito difícil - lamenta Tainá.
A falta de atendimentos nesses dois hospitais respinga no Husm e nos Pronto-Atendimentos, que já sofrem com a superlotação.