"É preciso fazer cara de otimista, mesmo não estando". Esse foi o conselho final do diretor da revista satírica francesa Charlie Hebdo, o cartunista Laurent Sourisseau, conhecido como Riss, em sua palestra no 10o Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji, em São Paulo, na manhã deste sábado.
Questionado sobre estar otimista com a reação internacional após o atentado à revista em janeiro, Riss deixou a platéia em silêncio com sua resposta curta: "não".
Mas ao longo da palestra, o cartunista reivindicou o direito de liberdade de expressão e convocou outros veículos a terem coragem de entrar nessa luta.
- Nós nos sentimos meio sozinhos, porque lutamos pelo direito de que todos possam fazer crítica como a nossa, mas continuamos sendo os únicos. Não há razão para isso. Quando se deixa de exercer um direito de liberdade, a tendência é perdê-lo - afirmou Riss.
O cartunista que foi baleado no ataque à revista, na França, veio ao congresso falar sobre como manter o humor após o massacre.
O cartunista fez um apanhado histórico do trabalho de charges e caricaturas na França, e ressaltou a tradição de liberdade e tolerância francesa, inclusive pelos órgãos responsáveis por julgar casos considerados ofensivos na Justiça.
O cartunista comentou também a primeira grande ameaça à revista, que ocorreu em 2011. Naquele ano, a sede foi alvo de um ataque a bomba depois de publicar capa mudando seu nome para "Charia Hebdo" - um trocadilho com "Sharia", ou lei islâmica - em uma edição em que convidava Maomé para ser seu editor-chefe.
- A reação externa naquele episódio não foi tão expressiva - disse Riss.
Depois desse ataque, a revista passou a contar com proteção policial, mas não foi o bastante para evitar o inesperado ataque deste ano.
- Tanto nós quanto a polícia fomos pegos de surpresa. Não tínhamos feito nada específico naquele momento, mas os extremistas nunca esqueceram as charges que começamos a publicar em 2002 - contou Riss.
O palestrante afirmou ainda que a revista costuma ser criticada como se fizesse apenas charges sobre o Islã, mas ressaltou que o Charlie Hebdo tem interesse em diversos outros temas, desde problemas ecológicos até imigração.
- Não há sentido em criar um veículo obcecado pela religião - disse o cartunista.
Embora ressalte a necessidade de garantir a liberdade de culto para qualquer religião, Riss também enfatizou que é fundamental haver respeito ao direito de crítica. O cartunista acrescentou ainda que essa questão não pode se limitar às charges, porque os autores de atentados como o praticado contra o Charlie Hebdo buscam instalar um clima de terror em toda a sociedade.
- Numa democracia tem que ser possível criticar a própria existência de Deus - afirmou Riss.
Questionado sobre os limites do humor, o francês admitiu que existem fronteiras legais, mas também ressaltou que há associações e lobbys que fazem ameaças jurídicas e uso abusivo de processos com objetivo de censura.
- O desenho deve ter um sentido, carregar uma ideia, uma reflexão. A forma não é o problema, é o que queremos dizer. Não gosto de desenhos que não querem dizer nada - afirmou Riss.
Segurança reforçada
A organização do evento montou um rígido esquema de segurança, com detector de metais e revista por seguranças na entrada do auditório, que ficou lotado para acompanhar o painel. O palestrante chegou com escolta da Polícia Federal.
Riss, que assumiu a direção do Charlie Hebdo no lugar de Charb, um dos cartunistas mortos no ataque, relembrou o episódio e, antes do início da palestra, o público, de pé, fez um minuto de aplauso em homenagem aos mortos no atentado.
O ataque jihadista ao Charlie Hebdo em 7 de janeiro, cometido pelos irmãos Saïd e Chérif Kouachi, deixou 12 vítimas.