Os caminhos para recuperar o dinheiro devido aos cofres do Rio Grande do Sul são cheios de percalços. Tudo começa na Receita Estadual. Em caso de fracasso, a via judicial surge como a derradeira e mais demorada opção. Nos últimos anos, a cobrança administrativa tem sido mais eficiente, como mostra o gráfico abaixo.
- As pessoas acham que ficamos de braços cruzados, mas não é verdade. Assim que o imposto declarado deixa de ser pago, e antes mesmo de ser formalizada a autuação, já contatamos o contribuinte para alertá-lo - diz Lisiane Moraes de Azeredo, chefe da Seção de Planejamento e Programação de Cobrança, da Fazenda.
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A recuperação na fase administrativa, em relação à média anual, passa de 80%. Em 2014, o índice representou R$ 1,1 bilhão, mesmo valor previsto para 2015. Para tanto, a Receita se vale de medidas restritivas como a emissão de Certidão Positiva de Débitos (que impede, por exemplo, a transferência de imóveis no nome do devedor). Além disso, registra os maus pagadores no Cadastro de Inadimplentes do Estado (Cadin) e, desde 2012, nos arquivos da Serasa.
Até o fim do ano, deve iniciar o protesto dos débitos em cartório. A medida já é adotada em prefeituras, como a de Porto Alegre (leia na página ao lado), e tende a melhorar os resultados.
- Em geral, os contribuintes têm interesse em regularizar a situação - diz o subsecretário da Receita, Mario Wunderlich dos Santos.
O desafio, segundo ele, é chegar aos grandes devedores, os chamados "contumazes". Aqueles que, propositalmente, ficam inadimplentes por no mínimo oito meses no ano. Correspondem a 1,5% dos contribuintes e são responsáveis por 40% do ICMS declarado e não pago. Inevitavelmente, acabam na Justiça.
PGE defende meta de recuperação
A via judicial tem seu ponto de partida na Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Cabe ao órgão ajuizar as "ações de execução fiscal", que se arrastam por anos.
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Em 2015, o objetivo da PGE é recuperar R$ 200 milhões, projeção próxima do que foi resgatado em 2013 e 2014. O valor é a metade do que falta ao Tesouro todo mês para honrar os compromissos em dia, como os salários dos servidores, mas os procuradores divergem de quem acha pouco.
- A meta é ousada se levarmos em conta o cenário de PIB recessivo - diz o coordenador da Procuradoria Fiscal, Cândido Martins de Oliveira.
Por conta dos inúmeros recursos, os resultados são demorados. Além disso, a PGE se vale de uma lei para ajuizar processos somente quando a dívida supera R$ 10 mil. A estratégia, segundo o coordenador-adjunto da Procuradoria Fiscal, Guilherme Guaspari, serve para evitar que os custos processuais superem as cifras em discussão. Mas a iniciativa é controversa.
- No conjunto, o Estado acaba perdendo mais do que ganhando com essa postura derrotista. Há uma tendência excessiva à conciliação com quem, evidentemente, não quer pagar - afirma o desembargador Túlio Martins, presidente do conselho de comunicação do Tribunal de Justiça.
A PGE discorda. Garante que a decisão, além de mais econômica, não livra os pequenos devedores das penalidades.
O congestionamento na Justiça
Em todo o Rio Grande do Sul, apenas a 6ª Vara da Fazenda Pública, em Porto Alegre, é especializada na dívida ativa estadual. O órgão tem duas magistradas, um cartório com 10 funcionários e 28,6 mil processos nas prateleiras.
As juízas Alessandra Abrão Bertoluci e Maria Elisa Schilling Cunha se desdobram para dar conta do volume, que não para de crescer. Em maio, a média de sentenças proferidas pela dupla de magistradas chegou a 12,5 por dia, totalizando 377 no mês.
Para racionalizar o trabalho, elas contam com o apoio de especialistas em administração processual. Além disso, são cobradas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sempre que uma das ações fica mais de 90 dias parada.
- Fazemos o possível para agilizar os processos, mas é bom lembrar que, nesse contingente, também existem casos de contribuintes que estão se defendendo e que nada devem. Não lidamos com números, mas com pessoas - pondera Alessandra.
Faltam verbas, diz desembargador
Além das ações acumuladas na 6ª Vara, segundo a Procuradoria­Geral do Estado (PGE), há outras 70 mil em tramitação no Interior (em varas comuns) e no âmbito do Tribunal de Justiça - totalizando 100 mil. A PGE defende o reforço na atuação especializada para desobstruir o gargalo.
- A 6ª Vara faz um bom trabalho, mas a estrutura diminuta frente à complexidade das matérias nos preocupa, sem contar que existem mais de 10 varas atuando contra o Estado (especializadas em ações propostas por cidadãos, envolvendo pedidos de medicamentos e indenizações, por exemplo). Há um desequilíbrio de forças - aponta o procurador Guilherme Guaspari, da PGE.
O desembargador Túlio Martins, do Tribunal de Justiça, admite que a situação contribui para a demora na conclusão dos processos, mas diz que falta dinheiro para atender à demanda:
- O Judiciário só não aumenta o número de varas para tratar da dívida ativa porque não dispõe de recursos financeiros.
Problema também desafia os municípios do RS
Não é só o governo que acumula créditos. Os 497 municípios, segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), registram dívida ativa superior a R$ 4 bilhões. Para reverter as perdas, o presidente da Corte, Cezar Miola, defende o protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa (CDA), iniciativa que o Estado promete adotar até o fim do ano.
- Certamente haverá incremento na arrecadação - diz Miola.
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O nome pomposo esconde uma medida simples. Na prática, o "protestado" fica impedido de obter empréstimos bancários, e isso faz com que regularize a situação.
- Funciona bem, porque agiliza os pagamentos, inibe a inadimplência e desafoga a Justiça - resume o auditor Ivan Carlos dos Santos, do TCE.
Desde maio, Porto Alegre está entre as administrações que se valem do expediente. Segundo o superintendente da Receita Municipal, Fabrício Dameda, a cidade conseguiu o retorno de 30% dos R$ 2,5 milhões protestados naquele mês.
A prefeitura também mantém um call center para cobranças e oferece a possibilidade de regularização por telefone. Para acelerar o procedimento judicial, o município disponibiliza veículos aos oficiais de Justiça e servidores para ajudar no trabalho.
- Temos um diálogo permanente com o Judiciário, que vem trazendo bons resultados - afirma a procuradora-geral adjunta de Assuntos Fiscais da Capital, Bethania Flach.
Para o juiz Alex Gonzalez Custódio, da 8ª Vara da Fazenda Pública, que trata da dívida ativa da Capital, iniciativas desse tipo fazem toda a diferença.
- O Estado deveria seguir o exemplo e ser mais diligente na cobrança dos devedores - reforça o magistrado.
Os maiores devedores
1º) Oi
R$ 401,5 milhões
2º) Cambará Produtos Florestais
R$ 325,4 milhões
3º) Olvebra Industrial
R$ 285,4 milhões
4º) Sul American Trade Comércio de Importação e Exportação
R$ 198 milhões
5ª) Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT)
R$ 194,7 milhões
CONTRAPONTOS
O que diz a Oi
Por meio de nota, a Oi, que também responde pela CRT, informa que está "entre os três maiores contribuintes de ICMS do Estado" e que, "mesmo diante de uma legislação tributária complexa, investe em controles para buscar a melhor aderência à legislação aplicável". O valor discutido judicialmente, segundo a empresa, "abrange diversos exercícios fiscais e representa uma pequena fração do que a companhia recolhe de ICMS".
O que dizem a Cambará e a Olvebra
Preferem não se manifestar.
O que diz a Sul American
Fechou nos anos de 1990, e os responsáveis não foram localizados.
Para saber mais
- É possível conferir, no site da Fazenda, a lista completa de devedores em situação irregular. Para isso, basta acessar sefaz.rs.gov.br e clicar à direita, onde diz "regime especial de fiscalização/dívida ativa". Em seguida, escolher entre as seguintes opções: "pessoa jurídica" ou "pessoa natural".
- Se você quiser pesquisar uma empresa específica, opte por "pessoa jurídica", digite a razão social ou CNPJ e clique em "consultar". Se quiser ver as dívidas de pessoas físicas, em "pessoa natural" digite o nome ou o CPF.
- Caso queira ver uma lista dos devedores por ordem de valor do débito, indique no campo "maiores" a extensão do rol desejado (por exemplo, 10). Aí, é só clicar em "consultar" e ver o ranking.
- A Fazenda apresenta os valores totais devidos, os "devedores contumazes" e também divide a situação das empresas em três enquadramentos: fase administrativa (cobrança ainda não judicializada), fase judicial (o Estado ajuizou ação de execução fiscal) e em discussão judicial (empresas que questionam a cobrança de tributos na Justiça).
O que é a dívida ativa
- É o dinheiro que pessoas e empresas devem ao poder público. No caso do RS, 99,3% são tributos não pagos. O principal é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
- O ICMS devido representa 98,2% do passivo. Os demais tributos que compõem a dívida são o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD).