Há uma geração, em Berlim, os cidadãos atacavam o muro com marretas. Hoje, em um depósito em Nova Jersey, os restauradores estão recolocando flocos de tinta tão pequenos no muro que o adesivo precisa ser aplicado com uma seringa. O estranho destino deste trecho de seis metros do Muro de Berlim, que antes separava o Ocidente do Oriente ao longo da Waldemarstrasse, quis que ele acabasse na horizontal, sobre cavaletes de madeira, sendo tratado com cuidado cirúrgico.
Mesmo dentro de um grande depósito, as faces grotescas pintadas nos anos 1980 pelos artistas Thierry Noir e Kiddy Citny ainda assustam os espectadores com sua raiva. Naturalmente, o grafite ficava apenas do lado ocidental. Ninguém além dos guardas tinha acesso ao Muro em Berlim Oriental, a menos que cruzassem a "faixa da morte", que era gradeada, minada, entrincheirada, patrulhada por cães e torres de observação.
Em 1990, um ano após a queda do Muro, a seção de Waldemarstrasse foi exposta em Manhattan, na praça atrás do número 520 da Madison Avenue. O enorme artefato - de 15 toneladas - havia sido comprado por Jerry I. Speyer, diretor da imobiliária Tishman Speyer, dona do prédio onde o muro se encontra.
Então, em setembro de 2014, o muro sumiu sem deixar pistas. No começou, a Tishman Speyer não contou qual seria o paradeiro da peça. Mas a empresa permitiu recentemente que um fotógrafo e eu víssemos o Muro pessoalmente, agora que sua minuciosa restauração se aproxima do fim.
- Infelizmente, ele não era tão durável quanto imaginávamos e realmente exigiu um grande esforço de conservação - afirmou Speyer.
O Muro vai voltar para o número 520 da Avenida Madison em meados deste ano. Desta vez ficará no lobby, onde estará "totalmente" exposto ao público, esclareceu Speyer. Ele conhece e admira Berlim desde quando fez intercâmbio na cidade e voltou para visitá-la logo depois da reunificação em 1989. O muro estava sendo destruído ou dividido em segmentos: partes de concreto reforçado com pés resistentes parecidos com porta-livros.
Cada segmento tem 3,7 metros de altura, 1,2 metro de comprimento e 23 centímetros de espessura, de acordo com o livro "The Berlin Wall and the Intra-German Border, 1961-89", de Gordon L. Rottman. O topo de cada segmento era coberto com um cano largo, para que qualquer pessoa que tentassem fugir não tivesse onde segurar.
Quando Speyer descobriu que um empresário havia feito um acordo com o governo para vender partes do muro, ele e um sócio visitaram um estacionamento onde centenas de pedaços haviam sido organizados.
Como se tentassem resolver um quebra-cabeças, os executivos da Tishman Speyer tentaram montar um segmento interessante com cinco partes, onde era possível ver uma cara amarela "que pula na sua direção", lembrou Speyer, que pagou cerca de US$50 mil. No fim das contas, descobriram que aquele pedaço aparecia rapidamente no filme "Asas do Desejo", de 1987.
- Eu achei que aquilo era historicamente importante, e alguns dos desenhos realmente eram muito interessantes - afirmou Speyer.
Embora ele não tivesse comprado o muro com o prédio em mente, a praça se mostrou o lugar ideal para expor o artefato. Mas havia um problema, o muro ficava em frente a uma fonte de água. Com o tempo, a água entrou no concreto, corroendo as barras de ferro da estrutura. As mudanças constantes de temperatura expandiram e contraíram o metal até que este rachasse e a pintura começasse a cair.
A Tishman Speyer estudava o problema e monitorava constantemente a situação, de acordo com a diretora, Linda Szoldatits, mas o que levou à restauração foi a queda de um pedaço de concreto da base do muro no ano passado. Para piorar a situação, uma pichação foi feita em cima do muro, onde era possível ler a frase "É como falar com um muro", escrita em inglês, com traduções em árabe e hebraico acima e abaixo.
Os restauradores conseguiram remover a pichação com o uso de um solvente orgânico. O trabalho complicado envolveu reparar a deterioração mais sutil. A restauradora de murais, Katey Corda, estima que 70% da superfície precisava de atenção, incluindo a delicada recolocação de flocos de tinta com um adesivo solúvel em água. As partes soltas do concreto foram novamente fixadas na base.
- Por conta do amianto nos canos da parte de cima do Muro, os objetos tiveram de ser substituídos por réplicas feitas de material mais seguro - explicou Linda.
Partes de um jornal e uma pá inteira foram identificadas dentro do concreto, mostrando como as formas foram preenchidas apressadamente. Além disso, existem muito mais reforços metálicos que o necessário para a estrutura, de acordo com Linda, o que significa que os alemães orientais queriam evitar que o muro fosse destruído por veículos blindados.
Por mais interessante que sejam os grafites, a pintura mais reveladora é o tom monocromático do lado oriental. "As paredes foram caiadas no lado leste", escreveu Rottman, "para que fosse mais fácil perceber as tentativas de fuga" - caso você tenha se esquecido por que os berlinenses derrubaram o muro a golpes de marreta.