Sem dinheiro em caixa, a Grécia se encaminha nesta terça para descumprir o prazo de pagamento de parcela de 1,6 bilhão de euros ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A possibilidade cada vez maior do calote derrubou as bolsas de valores pelo mundo ontem - trazendo à lembrança os piores momentos da recente crise financeira global. Em entrevista ao canal de TV estatal ERT, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, deu uma pista de que não haverá desembolso:
- É possível que os credores esperem o pagamento ao FMI quando impõem a asfixia aos bancos? Quando decidirem deixar de asfixiá-los, serão pagos.
O governo de Atenas quer que sejam desbloqueados 7,2 bilhões de euros da última parcela do socorro recebido desde 2010 do FMI e do Banco Central Europeu (BCE). Mas precisaria como cortar gastos e aposentadorias, medidas de austeridade que Tsipras pretende evitar para não sacrificar os gregos ainda mais.
O premier manteve o referendo no próximo domingo para a população votar se o país deve aceitar ou não os termos propostos pelos credores.
No mundo, o suspense abre a perspectiva de uma nova onda de turbulência. Em Atenas, quase 20 mil manifestantes, a maior parte simpatizantes do governo de esquerda do partido Syriza, que está no poder desde o início do ano, se manifestaram ontem em Atenas e Tessalônica a favor do não no referendo.
Na praça Sintagma, em frente do parlamento, no centro da capital, os gregos carregavam cartazes com frases como "Não à chantagem da Troika" - em referência ao trio formado por União Europeia, BCE e FMI -, "Não às medidas de austeridade" e "Prisão para banqueiros europeus".
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Para o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, o não significaria que "a Grécia está dando as costas para a União Europeia". Na entrevista para a TV estatal, o primeiro-ministro grego disse que o referendo deve "dar ânimo às negociações":
- Nosso objetivo é contar com melhores armas.
O presidente francês, François Hollande, fez um apelo para que a Grécia volte a negociar. A chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que a ruptura das negociações ocorreu porque do lado grego não havia vontade de compromisso, frente "à oferta generosa" das instituições.
As últimas exigências dos credores para liberarem dinheiro incluem mudanças em impostos, alterações nas regras das pensões e o aumento da idade para aposentadoria.
Com um ambiente econômico instável, a Grécia viveu ontem um dia de bancos fechados, decisão tomada pelo governo depois da onda de saques efetuados pelos gregos nos últimos dias. Ainda não há informação oficial de quando vão reabrir, mas pode ser apenas na próxima terça, dia 7. Em razão disso, o transporte público será gratuito em Atenas e nos arredores por uma semana.
Acompanhando a presidente Dilma Rousseff em visita oficial aos EUA, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que o governo está "observando" o desenrolar das negociações e não quis comentar possíveis efeitos para a economia brasileira.
ENTREVISTAS
"Não existe uma solução fácil."
Paraskevi Bessa-Rodrigues, superintendente da Fundação Getulio Vargas (FGV), nascida na Grécia
A Grécia é uma vítima ou cavou a própria cova?
Gostaria de evitar essas duas conclusões. Creio que vítima nunca foi um título que caiu bem para os gregos. É claro que ocorreram erros, muitas pessoas se acomodaram, não houve aquele acompanhamento de resultados que deveria ser feito. Houve erros dos dois lados, da Troika também. Precisamos de coesão interna para caminharmos na mesma direção. Nossa força moral está declinando. Gastamos muito tempo com um lado discutindo com o outro.
Qual deve ser o desfecho?
Sei que vamos passar por mais dificuldades a despeito de qual for o encaminhamento, dentro ou fora do euro. Não existe solução fácil. Mesmo permanecendo na zona do euro, teremos de continuar a aceitar as condições que serão impostas.
E fora do euro?
É uma aventura para a qual não temos um plano. Nem nós, nem a zona do euro. Cada saída cria uma dificuldade. O que precisamos é de unidade nacional. Independentemente do caminho.
"Tem uma hora que a conta chega."
José Botafogo Gonçalves, vice-presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais
A Grécia é uma vítima ou cavou a própria cova?
Dentro de uma perspectiva histórica, nem uma coisa, nem outra. A Grécia fez a correta opção em se incorporar à zona do euro. Se você quer fazer parte de um clube, precisa respeitar o regulamento dele. O regulamento pressupõe disciplina fiscal, monetária e econômica. O povo grego acostumou-se a um padrão de conforto que estava custando caro para ser custeado apenas com seus recursos. E tem uma hora que a conta chega. Isso gera conflito que será um novo conflito.
E qual deve ser o desfecho?
A sensação é de que na hora H, o povo grego não vai correr o risco de viver isolado da Europa.
Qual seria a consequência da saída da zona do euro?
Embora seja um país pequeno, terá repercussão no sistema bancário, um efeito sistêmico ruim. Haverá portanto um choque de acomodação e crises localizadas, mas nada grave que não possa ser controlado por União Europeia, FMI e EUA. Envenena o clima internacional, mas os grandes perdedores serão os gregos.
*Zero Hora com agências