Atiradores se aproximam, disparam dezenas de vezes e desaparecem em questão de minutos. As execuções, que têm proliferado por ruas e em horários de grande circulação na Capital - foram cinco recentemente - e Região Metropolitana, além de inesperadas e rápidas, acrescentam um paradoxo à investigação policial: muitas testemunhas, por medo, nada revelam.
Violência padrão Rio se espalha em Porto Alegre
- Há muita dificuldade em conseguir que as pessoas contem o que viram - afirma o delegado Paulo Grillo, diretor do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa.
Algumas vezes, principalmente em áreas conflagradas, infiltram-se olheiros nos locais de crime - alguém para observar quem falou e o que foi dito à polícia. Ainda assim, a presença das equipes especializadas nas cenas de assassinatos aumenta as chances de identificação dos autores. Cada uma das seis delegacias de homicídios da Capital conta com equipe de plantão para comparecer nas ocorrências.
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- Um familiar ou amigo da vítima, no calor dos acontecimentos, conta informações de extrema relevância que, se ele esperar dois ou três dias, talvez deixe de falar - explica Grillo.
Mapa dos recentes assassinatos na Capital
O medo de represálias tem impacto também quando o processo chega ao Ministério Público.
- Toda semana vemos pessoas desistindo de depor por se sentirem ameaçadas - afirma a promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari, que atua na 1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital.
Diante da escassez de testemunhos oficiais, a polícia se vale de denúncias anônimas para, ao menos, dar norte às apurações. A partir delas, verificam-se informações que possam se somar ao garimpo por provas técnicas. Câmeras de monitoramento espalhadas pela cidade viraram a carta na manga dos investigadores.
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- Juntamos imagens com pistas de denúncia e as perícias papiloscópica (digitais) e balística. Não existe prova isolada. Quanto maior o conjunto probatório, maior o valor do inquérito - garante o delegado Grillo.
No primeiro trimestre deste ano, a Secretaria de Segurança Pública divulgou redução de 5,2% nos assassinatos no Rio Grande do Sul sobre o mesmo período de 2014. Para o ex-secretário nacional de segurança pública José Vicente da Silva Filho, não há o que celebrar. A média de mortes por 100 mil habitantes, de 20,8 no Estado, é duas vezes o que a ONU considera como "epidemia".
- Não há desculpa para o Rio Grande do Sul ter, na proporção, o dobro de homicídios de São Paulo. Em São Paulo tem havido avanço no mapeamento criminal, que orienta a redistribuição do policiamento - comenta Silva Filho, coronel da reserva da Polícia Militar paulista.
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Nas últimas semanas, Porto Alegre registrou cinco homicídios à luz do dia e em ruas de intenso movimento. Nas áreas periféricas, os casos são ainda mais frequentes. Só na madrugada desta terça-feira, houve duas execuções - no bairro Mario Quintana, zona norte da Capital, e no bairro Jardim do Bosque, em Cachoeirinha, na Região Metropolitana.
- O crime tem ido além dos locais que costumava frequentar, onde, normalmente, acabava varrido para debaixo do tapete - analisa o sociólogo Alex Niche Teixeira, integrante do grupo de pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Os recentes cortes na segurança (redução de horas extras e gastos com combustível), além do histórico déficit de efetivo, podem refletir, em parte, na onda de crimes, com uma sensação de oportunidade para os bandidos, alerta Teixeira:
- Se o cenário é de polícias menos abastecidas, que momento melhor os criminosos teriam para agir? - acrescenta o sociólogo.
Na segunda-feira, como resposta à sequência de atos violentos, a Brigada Militar lançou uma força de emprego tático, que poderá usar de cem até mil homens, para fortalecer os comandos regionais de Porto Alegre, Região Metropolitana, Centro-Sul, Vale do Sinos e Serra.
Sequência de mortes alerta para risco de descontrole
A sequência de homicídios pela Capital acendeu o alerta para a matança entre traficantes. Segundo a polícia, mais de 80% das mortes têm relação com a venda de drogas. Autoridades e especialistas da área de segurança ressaltam o risco de uma perda de controle dessa situação pelo Estado, que pode mergulhar toda a sociedade em uma onda ainda maior de violência.
De acordo com o delegado Paulo Grillo, o Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa está tomado de investigações por acerto de contas entre traficantes. As represálias incluem disputa por território, dívidas entre fornecedores e vendedores de entorpecentes, e até mesmo usuários que ficam em débito e acabam mortos para servir de exemplo.
- A gente corre atrás para prender bandido que matou bandido. Aquele que mata hoje sabe que está na lista dos rivais para morrer amanhã - afirma Grillo.
O delegado confirma que, em alguns casos, pessoas que se relacionam com integrantes das gangues sem estarem diretamente envolvidas também sofrem a mesma violência.
- É uma mãe, um vizinho, uma namorada que acaba pagando o preço por esse vínculo - lamenta Grillo, ressaltando que mais de 90% das vítimas têm algum tipo de antecedente criminal.
Combate ajuda a reduzir sensação de insegurança
Para o ex-secretário nacional de segurança pública José Vicente da Silva Filho, a ênfase no histórico das vítimas pode passar o recado de que o Estado ignora a matança entre bandidos.
- É uma afirmação irresponsável. As polícias têm obrigação de combater todo e qualquer tipo de crime para reduzir a sensação de insegurança - ressalta o coronel.
O doutor em sociologia Alex Niche Teixeira, integrante do grupo de pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acrescenta que toda a sociedade é penalizada, independentemente do perfil das vítimas.
- Pessoas e comunidades, que por condições sociais ou geográficas ocupam esses mesmos espaços (tomados pelo crime), acabam também excluídas - analisa Teixeira.