Na contramão de uma nova geração ansiosa e de um mercado cada vez mais dinâmico, profissionais que constroem e consolidam sua carreira em uma só empresa estão cada vez mais escassos. No dia dedicado ao trabalhador, o Diário Gaúcho traz histórias e lições a nova geração de um perfil de profissional que virou artigo de luxo nas companhias.
Esta, aliás, é uma das mudanças mais percebidas nos últimos anos, segundo a diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RS), Solange Azambuja: os profissionais que têm mais de 30 anos na mesma empresa estão desaparecendo. Solange considera que estamos frente a uma geração que pede demissão com maior facilidade. Não gostou do chefe? Está insatisfeito com a função? A promoção não veio? É hora de sair. Estes e outros motivos instigam o jovem a pular de empresa para empresa com uma velocidade jamais vista por seus pais e avós.
- As pessoas mais novas não se desenvolvem muito na empresa, não tem tempo para esperar. Não dá para sair no primeiro momento de dificuldade, ficar pipocando é péssimo, não passa credibilidade - analisa a especialista em Gestão de Pessoas e coordenadora do Espaço Estágio Emprego da Estácio, Elenice Pereira da Silva.
Leia outras notícias do Espaço do Trabalhador
Especialmente neste momento, a economia do país não é a ideal para quem quer se aventurar a deixar sua função. A taxa de desemprego em março deste ano chegou a 6,5%, no mesmo período do ano passado era de 5%. Embora pareça tímido, o aumento do índice já preocupa o professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP) Hélio Zylberstajn. Segundo ele, as perspectivas futuras apontam para um cenário favorável a demissão.
- Logo teremos muita gente procurando emprego com menos vagas disponíveis. Portanto, não é hora de se precipitar e sair da empresa, é preciso fazer a lição de casa e se dedicar.
Leia outras notícias do dia
Empresas também tem seu papel
Cabe também às empresas uma parcela de culpa pela dificuldade de fidelizar o empregado na opinião das especialistas consultadas pelo DG. Estabilidade e segurança é o que faz o profissional fortalecer seus vínculos com o empregador. Para Solange, os valores da empresa precisam estar sintonizados com os valores do profissional e um precisa fazer a diferença na vida do outro.
Rio Grande do Sul tem o terceiro maior índice de acidentes de trabalho no país
- A empresa precisa fornecer aprendizado, diversidade de funções, crescimento para que o profissional se sinta feliz ali dentro. A empresa tem que agregar valor na vida do empregador e eu agregar valor para a empresa. Se ambos estiverem felizes e satisfeitos, funciona como um casamento - diz Solange.
- Tu precisa sentir que a empresa aposta nas pessoas, ver o modo como ela lida com seus colaboradores e mediante a outras empresas, como gere seus negócios - sugere Elenice.
Há 43 anos alegria em acordar e ir trabalhar
Seu Valdemar Jorge Villela Dias, 61 anos, não foi escolhido por acaso para ser o motorista oficial da Fábrica da Felicidade, da Vonpar, em Porto Alegre. Depois de quatro décadas atuando como motorista-vendedor, com passagens também pela produção da fábrica, conduz desde setembro do ano passado visitantes da portaria da empresa até o pórtico da Fábrica da Felicidade em um ônibus Ford de modelo School Bus de1987, totalmente adaptado ao estilo "retrô". O carinho como seu Valdemar se refere ao seu trabalho justifica porque ele segue com brilho no olho depois de 43 anos de empresa.
- Em primeiro lugar a gente deve gostar do que se faz, essa é a magia. Com a minha idade e 43 anos de empresa, ainda me sinto feliz em levantar de manhã e saber que vou chegar na empresa.
Conhecido de todos na Vonpar, seu Valdemar faz o tipo bonachão, comprimenta todo mundo, é chamado para dar pitaco nas reuniões e está sempre pensando em como agradar quem visita a fábrica. Ele é o tipo de profissional que pensa que "sempre dá para fazer mais alguma coisa", é pontual, se dispõe a ficar além do horário se precisar e se compromete com o trabalho.
- As vezes eu penso "será que vale a pena"? Mas isso aqui me faz falta, falar com os colegas, faz falta trabalhar, estar na ativa.
CONSELHO DO SEU VALDEMAR: "O segredo é estar sempre se reinventando. Estou sempre tento ideias, tentando descobrir mais facilidades, dando sugestões."
Entrou como temporária e está a 35 anos
Vera Keller, 66 anos, ingressou no Senac-RS como professora temporária, atuou como docente, coordenadora técnica e hoje é especialista do Núcleo de Consultoria Pedagógica para o Rio Grande do Sul. Tem 35 anos de casa e só vai parar no dia que de "desapaixonar" pelo que faz. Nunca arredou pé da empresa por um fator que para ela sempre foi fundamental:
- Sou movida a paixão e feliz no que faço. Encontrei uma organização que pratica princípios semelhantes aos que eu adotei para minha vida.
A santa-mariense que vive em Porto Alegre desde que iniciou sua carreira no Senac se aposentou em 2009 mas nem cogitou em parar. Definida pelas filhas como uma "raça em extinção" por se fidelizar a empresa dessa forma, se considera uma pessoa estável nas relações, mas não acomodada.
- Não suporto trabalhar com tédio, tenho liberdade para criar. As empresas precisam de pessoas que estejam disponíveis a fazer o diferente mas me preocupa um pouco a baixa tolerância da nova geração que não sabe dar um devido tempo para que as coisas amadurecem, não adianta esperar uma promoção em três meses.
Vera Keller começou como professora temporária do Senac e está há 35 anos na empresa
Foto: Félix Zucco/Agência RBS
CONSELHO DA VERA: "O fundamental é se encontrar, se tiver infeliz sai do trabalho, tu nunca vai ser um bom profissional se estiver infeliz."
Daison esperou sua hora chegar
Daison Rogério Lopes passou mais da metade dos seus 41 anos trabalhando na Unimed. Entrou aos 17, como office boy e hoje é assistente da frota de 50 veículos. Acredita que foi sua perseverança em não esmorecer frente aos desafios que o fez chegar aos 24 anos de empresa.
- Nas dificuldades sempre procurei me adequar, quem faz a empresa são as pessoas, considero a minha o meu porto seguro, minha segunda casa - diz, orgulhoso.
Embora tenha ingressado jovem na empresa, garante que nunca teve pressa nem foi afoito. Para ele, vale mais seguir a regra de que "minha hora vai chegar".
- Eu sou o tipo de pessoa que sempre tem esperança que tudo vai melhorar, temos que ter paciência porque uma hora as coisas viram a nossa favor. Hoje acho que falta comprometimento de ambas as partes, tanto das empresas como dos empregados.
Ele defende também que trabalhar no que se gosta é fundamental e que ser proativo frente às adversidades faz com que o profissional se diferencie.
- Você não pode ficar insatisfeito, sentar em cima do problema e esperar as coisas acontecerem.
Há 24 anos na Unimed, Daison trabalha como assistente de frota
Foto: Tadeu Vilani/Agência RBS
CONSELHO DE DAISON: "Sempre corra atrás dos seus objetivos, mesmo nas dificuldades, as empresas têm altos e baixos, nunca desista."
Dicas dos especialistas
- Faça o que goste, esse é o primeiro passo para ter êxito na sua profissão.
- Pense que além de buscar bons salários e promoções, você precisa criar uma estabilidade na empresa em que atua. E isso depende de tempo. Para as empresas, é complicado contratar quem tem histórico de passagens rápidas pelas empresas.
- Quer crescer na empresa em que está? Pegue pessoas com experiência como referência e siga seus passos. Seja persistente.
- Em sua carreira suba os degraus um a um e tenha ética em todo esse percurso. Seja cauteloso, tenha prudência e analise as oportunidades.
- Cada empresa tem seu tempo. É preciso entendê-lo e respeitar seu nível hierárquico. A menos que esteja em uma empresa familiar, você não chegará a cargos de gerência imediatamente.
- Pensa em deixar a empresa? Faça uma análise de mercado, veja como ela está posicionada, como atua e o que te oferece.
- Se a empresa não te oferece possibilidade de crescimento mas você não tem experiência ou qualificação específica, vale permanecer para obter experiência. Você já pensou no que pode oferecer a ela?
Curta nossa página no Facebook