Um inquérito civil que investigou a fiscalização em bares e lancherias da cidade, entre os quais a Kiss, está sendo usado pela defesa de um dos réus do processo criminal como base para um pedido de afastamento dos dois promotores que atuam no caso. O inquérito, instaurado em 2010, foi motivo de debate na última audiência do processo que tramita na Justiça Estadual em Santa Maria. Entre outras coisas, o procedimento apontou que a Kiss não tinha todos os alvarás, mas que se regularizou antes do fim da investigação.
São réus, por homicídio e tentativa de homicídio, os sócios da boate, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor de palco Luciano Bonilha Leão.
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Na petição, protocolada na 1ª Vara Criminal, na última terça-feira, o advogado Jader Marques, que defende Kiko, pede que os promotores Joel Dutra e Maurício Trevisan sejam afastados do caso. Até a tarde desta quarta-feira, o juiz Ulysses Fonseca Louzada, que conduz o processo, não tinha analisado o pedido.
O defensor alega que a Polícia Civil pediu à promotoria de Santa Maria, em 29 de janeiro de 2013, dois dias depois do incêndio, todos os documentos relativos à Kiss existentes no Ministério Público (MP), mas que os promotores não teriam entregue um inquérito civil instaurado em 2010 que investigou a fiscalização em bares e lancherias da cidade, entre os quais a Kiss.
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No pedido de Marques, consta um ofício da Polícia Civil que pede "cópia integral de eventuais Termos de Ajustamento de Conduta e outros procedimentos que aportaram nessa Promotoria envolvendo a boate Kiss". Em resposta, no mesmo dia, o MP enviou ofício à polícia dizendo que estava remetendo "cópia integral dos documentos solicitados".
Em depoimento à Justiça, no último dia 23 de abril, o delegado Sandro Meinerz, que atuou no inquérito policial à época do incêndio, disse desconhecer a existência do procedimento, o que gerou discussão entre defesa e acusação.
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É preciso provar sonegação
O promotor Maurício Trevisan disse, na quarta-feira , que não tinha conhecimento oficial do pedido, mas que o MP deve se manifestar assim que solicitado pelo juiz Louzada.
O juiz aposentado Alfeu Bisaque Pereira acha muito difícil que o Louzada acolha o pedido do advogado.
_ Não basta ele dizer que o MP sonegou, ele tem de provar que houve sonegação dolosa. Demostrar que esse inquérito não foi mandado para atender a um interesse escuso. É muito difícil afastar promotores de um processo _ explica o juiz.
O advogado também pediu que o promotor Ricardo Lozza seja ouvido novamente e que o promotor aposentado João Marcos Adede y Castro seja chamado para prestar depoimento. Os dois trabalharam nos inquéritos que envolveram a Kiss antes do incêndio. Esses pedidos também ainda não foram avaliados pelo juiz.
O que revela a análise dos dois inquéritos
1) Após conseguir os alvarás pedidos no inquérito civil de 2010 (alvo do pedido feito terça-feira pelo advogado de Kiko), a Kiss não é mais citada. Esse inquérito tramitou em paralelo com o inquérito civil que resultou na assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), de 2009 a 2013. A Kiss foi objeto nos dois inquéritos por quase um ano, de 4/11/2010 a 25/10/2011
2) No inquérito do TAC, Lozza pergunta aos bombeiros se a Kiss tinha alvará, em 6/09/2011; os bombeiros respondem em 13/09/2011, dizendo que sim, o alvará tinha sido expedido em agosto. Mas, no inquérito de 2010, Adede pergunta aos bombeiros, em 4/10/2011, 20 dias depois, se a Kiss tinha conseguido o alvará
3) A Kiss deixa de ser objeto do inquérito de 2010 em 25/10/2011, comandado por Adede, um mês e três dias depois de Lozza receber ofício da prefeitura (em 22/09/2011) no inquérito do TAC, dizendo que a boate estava com a licença de operação (alvará ambiental) vencida
4) Adede preside o inquérito do TAC até 31/10/2010, Lozza assume em 1º/11/2010; Adede preside o inquérito de 2010, de 4/11/2010 até 12/2011, quando começam a entrar substitutos, primeiro Antonio Augusto Ramos de Moraes, e depois, Ricardo Lozza (2/03/2012 até pelo menos, 13/08/2012, data do último documento), Carlos Augusto Cardoso Moraes (16/10/2012 a 22/10/2012), César Augusto Pivetta Carlan (15/02/2013), Gustavo Ramos Vianna (22/04/2013 a 20/05/2013)
5) O inquérito de 2010 segue até depois da tragédia. Estabelecimentos foram fechados, outros se adequaram. Depois do incêndio, o MP instaurou Procedimento Administrativo sobre segurança pública e fiscalização em bares, boates e teatros que incorporou o inquérito de 2010. Foi instaurado inquérito civil próprio sobre a Kiss, que trata da improbidade administrativa, ainda em andamento. Com essas duas alegações, o inquérito de 2010 foi arquivado em 14/05/2013 e homologado pelo Conselho Superior do MP em 27/08/2013
6) O inquérito do TAC foi arquivado após o incêndio da Kiss, porque, segundo MP, não existia mais o objeto de investigação, a boate. A homologação pelo Conselho Superior do MP foi em 30/04/2013o feito pela promotoria (o arquivamento ocorre quase quatro meses depois do arquivamento do inquérito que resultou no TAC, que ocorreu em 30/04/2013)