Duas jovens de Encantado tiveram sua intimidade exposta nas últimas semanas. Fotos e vídeos feitos em momentos íntimos foram divulgados e espalhados nas redes sociais.
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Segundo apurou o jornal Opinião, de Encantado, um grupo de WhatsApp chamado "Ousadia & Putaria", composto por cem jovens da região compartilhou as imagens e vídeos. Segundo relatos, algumas das meninas que tiveram suas fotos expostas eram menores de idade.
Uma das vítimas conta que o material era de quatro anos atrás e diz não saber como o grupo de WhatsApp teve acesso a elas.
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- Essas fotos foram tiradas com meu ex-namorado num momento íntimo, entre quatro paredes. Quando teve o vazamento, eu nem lembrava desse material. Liguei para ele e indaguei o por que de ele não ter apagado o material. Ele me respondeu que tinha salvo em seu HD externo, e que também não fazia ideia de como elas chegaram em outras pessoas e viralizaram - diz a jovem de 24 anos.
A menina conta que sua família a apoiou após o escândalo e que após a exposição permaneceu em casa por muitos dias.
- Foi destruidor, o que me segurou foi o apoio da minha família. No final de semana, muitos carros ficaram rondando em frente a minha casa. Foi constrangedor ter que me esconder - confessa a vítima.
"A sociedade julga a vítima do crime, não o criminoso covarde"
Os casos estão sendo investigados pela polícia. A maior de idade prestou queixa na Delegacia da Mulher de Lajeado. No caso da menor de idade, a responsável é a Delegacia Regional de Polícia do mesmo município.
- Ainda estamos investigando. Os autores podem ser processados por divulgação de material pornográfico envolvendo menores por meios telemáticos. A pena vai de 3 a 6 anos de reclusão - explica o delegado João Antônio Merten Peixoto.
Mais polêmica
O caso ficou mais polêmico após uma postagem feita no dia 23 de abril pelo fotógrafo e proprietário do jornal Antena, Juremir Versetti. No Facebook, ele criticou as jovens dizendo que "essas moças não se valorizam. Alguém me disse que elas precisariam de um acompanhamento psicológico. Tem remédio sim, uma boa cinta de couro de búfalo com uma fivela de metal fundido, isso sim ajudaria e muito no psicológico delas", afirmou.
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Nesta quarta pela manhã, o fotógrafo se retratou através de nova postagem. Nela, Versetti afirma que ficou revoltado após falar com as famílias das vítimas e ver o seu sofrimento. O post termina, dizendo: "Espero, sinceramente, que os culpados pela divulgação das imagens sejam punidos por quem de direito. Mais uma vez, minhas sinceras desculpas pelas expressões que utilizei, não foi essa a minha intenção".
Com intuito de repudiar a primeira postagem de Versetti e apoiar as vítimas, um grupo de mulheres de Encantado se reuniu para criar um coletivo feminista.
- Os casos desse tipo são muitos na região, não temos como contabilizar. Criamos o grupo para apoiar essas meninas e conscientizar as pessoas - conta uma das integrantes.
O Coletivo lançou uma carta aberta de repúdio ao episódio:
- Esse crime tem vitimado, humilhado e perseguido mulheres, levando algumas delas ao suicídio. Enviar imagens sensuais requer uma relação de confiança e em nenhum momento acreditamos que o crime está no envio das mídias, mas sim, na QUEBRA DESSA CONFIANÇA e na DIVULGAÇÃO SEM A PERMISSÃO delas. Portanto, se existe um CULPADO pela viralização das mídias, é tão somente o responsável por difundi-las", declaram na nota postada no Facebook.
O grupo planeja fazer uma reunião e uma marcha no próximo final de semana na praça da Bandeira às 9h, em Encantado, para demonstrar solidariedade às meninas e pedir a responsibilização dos culpados.
Machismo na internet
Amanda Luz é editora do site MdeMulher e, este ano, apresentou no SXSW, evento que acontece nos EUA para apresentar e discutir tendências e temas relevantes, a palestra "Por que a internet odeia a mulher".
Para a jornalista, a internet é um espaço público e, logo, reproduz questões sociais da rua, ela afirma que a violência contra a mulher na internet não é um problema tecnológico, é um problema social. Na web, essa violência tem implicações próprias, como um alcance mais amplo do que na "vida offline" e uma maior dificuldade de apagar os danos causados, pois tudo fica gravado.
- A Lei Maria da Penha foi revolucionária porque ela reconheceu pela primeira vez que a violência domestica era uma questão pública, não privada. Agora precisamos lutar para que a violência contra a mulher na internet também seja tratada como uma questão pública e não particular. Divulgar fotos íntimas é crime - defende a editora.
Para a jovem que foi vítima em Encantado, é preciso que a sociedade se questione antes de culpabilizar a vítima:
- O problema não é se deixar gravar. Não é deixar de fazer o que a gente quer dentro de quatro paredes. As meninas não são culpadas. A sociedade aprova o menino que sai numa noite e pega várias, mas se uma menina quer se soltar na presença de um namorado, ela tá errada. Por que esse machismo? É o que nós precisamos nos perguntar.