"Eu tinha um namorado que me passava confiança. Então essa pessoa mandou uma foto para mim e pediu para que eu também enviasse uma. Pensei que não teria nada de mal de fazer isso. Passado um tempo, para onde eu olhava, as pessoas estavam dando risada. Me senti a pior pessoa do mundo."
O trecho acima é parte de um relato de uma menina de 13 anos, que tentou o suicídio após ter fotos, de quando ainda tinha 12, divulgadas no grupo de WhatsApp Ousadia e Putaria, que reúne dezenas de garotos de Encantado. O texto foi lido, de forma anônima, por uma professora da menina nesta quinta-feira, em um encontro promovido pela Assembleia Legislativa gaúcha no município. Leia mais trechos desse e de outros relatos no fim da reportagem.
A ida de deputados, membros da Comissão de Direitos Humanos (CCDH), à cidade de 20,5 mil habitantes do Vale do Taquari foi "simbólica", mas representa o início de uma força-tarefa que pretende tornar mais claros e rígidos os regramentos de crimes virtuais.
Além disso, para muitos moradores de Encantado, as meninas expostas não eram vítimas e estariam pagando por não terem se valorizado - inclusive, isso chegou a ser dito pelo dono de um jornal local no Facebook.
- Fomos para demonstrar que o parlamento tem lado e está mobilizado para construir uma política efetiva. Queremos que o caso de Encantado se torne uma referência para o país - apontou o deputado Catarina Paladini (PSB), presidente da CCDH.
A audiência reuniu autoridades locais, policiais, professores, alunos e familiares das vítimas. Embora nenhum parente da menina de 13 anos, que está hospitalizada, tenha comparecido, os familiares de outra vítima, que tem 17 anos, estavam lá. Além de apoio dentro de casa, a adolescente buscou ajuda da polícia. No entanto, o estagiário da delegacia fazia parte do grupo do WhatsApp, e uma reprodução do boletim de ocorrência foi parar no Ousadia e Putaria.
- Assim que soubemos, no dia seguinte, o menino, estudante do Ensino Médio de 17 anos, foi demitido. A polícia não admite preconceito - garante o delegado de Encantado, João Antônio Merten Peixoto.
Conforme ele, apenas duas ocorrências foram registradas na Polícia Civil - uma de uma adolescente e outra de uma maior de idade. Os investigadores ainda estão tentando identificar os envolvidos no vazamento das fotos e também no compartilhamento delas - já que ambos os crimes podem render de três a seis anos de prisão. Em seguida, a polícia deve começar a ouvir os suspeitos, além de testemunhas e vítimas.
Próximos passos da Assembleia
Para as 14h de segunda-feira, no Plenarinho da AL, está marcada uma audiência pública sobre o pacto de enfrentamento à violência contra a mulher e sobre a rede Lilás, ambas atribuições do Estado. A Comissão de Direitos Humanos vai sugerir que o governo acolha as denúncias das meninas de Encantado e ajude no atendimento delas.
Além disso, na reunião da CCDH da próxima quarta-feira, deve ser feito um relato sobre a incursão a Encantado e deve ser iniciada a discussão para construir um cronograma de atuação dos deputados. O resultado final deve ser o esboço de um projeto a ser levado para a Câmara Federal, que tem competência para legislar sobre crimes de internet.
Um dos primeiros passos que os deputados devem dar é quanto a um levantamento dos casos de vazamento no Estado. Um dos emblemáticos foi o de uma adolescente de 16 anos de Veranópolis que se suicidou após ter fotos íntimas divulgadas na internet.
Veja trechos dos relatos lidos durante a audiência em Encantado: