Oito anos e duas leis depois - uma estadual e outra federal -, o controle do comércio de peças usadas pelos ferros-velhos se encaminha, finalmente, para funcionar na prática. Com objetivo de reduzir os ataques a veículos, uma lei estadual foi criada em 2007. De lá para cá, enquanto o credenciamento dos desmanches não avançou, a ação dos ladrões manteve ritmo acelerado - o primeiro semestre deste ano registrou aumento de 23,7% nos roubos de veículos no RS em relação ao mesmo período do ano passado.
Nesta quarta-feira, a Lei Nacional dos Desmanches entrou em vigor com prazos para ações dos Estados e adequações das empresas. A expectativa de autoridades e comerciantes é de que agora a regra não vá ficar apenas no papel - tudo vai depender de que os órgãos governamentais envolvidos façam a sua parte.
De autoria do ex-deputado Adroaldo Loureiro, atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, a norma estadual ficou engavetada até a regulamentação, em 2011. A partir daí, a Companhia de Processamento de Dados do Estado iniciou a elaboração do sistema informatizado para registro dos estoques (GDI Desmanches), mas a ferramenta só começou a ser testada em agosto de 2013.
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Empresários também enfrentavam burocracia para obter licenças, alvarás e cadastro para emissão de nota fiscal eletrônica. Resultado: dos 317 ferros-velhos que pediram credenciamento no Departamento Estadual de Trânsito (Detran), apenas 12 se transformaram em Centro de Desmanche Veicular (CDV), com inclusão no Portal dos Desmanches, lançado no final de 2014. Conforme a diretora técnica do Detran, Carla Badaraco, a sanção da lei nacional, no ano passado, exigiu novas adequações.
- Assumi em janeiro deste ano com a determinação de colocar em prática (a norma) e tomamos todas as providências para que isso aconteça - diz Carla.
Na semana passada, foram publicadas duas portarias reabrindo credenciamento para os ferros-velhos. A partir disso, o desmanche recebe status de "registrado operacional", e tem um ano para cumprir as exigências e se transformar em CDV.
- Fizemos e seguiremos fazendo nossa parte. Precisamos que as autoridades façam a delas, cerceando as empresas ilegais - avalia Dagoberto Generoso Pereira, presidente do Sindicato dos CDVs do RS.
No Departamento Estadual de Investigações Criminais, o delegado Luciano Peringer, titular da Delegacia de Roubos de Veículos, calcula que entre 20% e 30% dos veículos roubados e furtados têm os desmanches como destino. O controle rigoroso da origem das peças deve reduzir as ocorrências:
- Hoje, só podemos checar a procedência nas peças com numeração de fábrica. Com o novo sistema, tudo será etiquetado e vamos saber de onde veio e para onde foi. Isso dificulta o repasse de material pelos criminosos - diz Peringer.
Em São Paulo, onde lei semelhante já está em vigor, os roubos de veículo na Capital baixaram 25,6% e os furtos caíram 7,2% no primeiro trimestre em comparação ao mesmo período de 2014.
O acompanhamento dos credenciados será realizado pelo Detran. A fiscalização dos desmanches irregulares fica a cargo das prefeituras. Segundo Roberson Cardoso, assessor técnico da área de trânsito da Federação das Associações de Municípios do RS, os Executivos municipais têm condições e interesse em manter fiscalização efetiva tão logo os prazos para regularização se encerrem:
- O registro legal se reverte tanto na redução da criminalidade quanto em arrecadação.
Porto Alegre tem só um credenciado
Na Capital, Luiz Paulo Coelho da Silva, proprietário do CDV Oficina da Moto, foi o único a finalizar o processo e ter a empresa incluída no Portal dos Desmanches do Detran. O comerciante acompanhou desde o início a criação de regras e teve de lutar contra a burocracia para obter o credenciamento.
- Levei três anos para conseguir toda a documentação. Perdi as contas de quantas vezes fui aos bombeiros e à Secretaria do Meio Ambiente - conta.
Silva também precisou abrir mão da retificadora, do comércio de peças novas e da oficina que mantinha junto do ferro-velho, com perda de 40% no faturamento, conforme seus cálculos - os CDVs são proibidos de manter atividades paralelas. O comerciante acredita que, a longo prazo, a legalização vai recuperar a perda e aumentar a receita de seu negócio.
- Sabes a imagem que tem ferro-velho, o pessoal coloca tudo no mesmo balaio da marginalidade. O meu sonho era ter a firma legalizada, correta e poder ganhar com isso - diz Silva.
Com mais de 1 milhão de peças na loja, o comerciante deve contratar pelo menos mais quatro funcionários para dar conta do serviço: um para realizar a descontaminação e desmontagem dos veículos, outro para operar o sistema de cadastro de peças e mais dois estoquistas. Na avaliação de Silva, a entrada em vigor da legislação nacional renova o ânimo e tem tudo para fazer o sistema avançar:
- Traz segurança para o empresário e para o consumidor por não se envolver com peça roubada. Mas para isso, precisa fechar as empresas ilegais. Se não, a concorrência é desleal.
Os prazos
Desde 2007, 317 ferros-velhos se cadastraram para realizar o credenciamento no Detran como Centro de Desmanches de Veículos (CDV). Até agora, 12 haviam finalizado o processo, mas precisarão fazer adequações.
20/8/2015
Data-limite para que os ferros-velhos façam o cadastro no Detran após a entrada em vigor da lei federal. Aqueles que não encaminharem cadastro no prazo, ficam sujeitos a interdição por parte da fiscalização municipal.
20/8/2016
Término do prazo para que os desmanches cadastrados estejam adequados às novas exigências da lei e concluam o credenciamento.
Como vai funcionar
O sistema
O Detran controlará o comércio de autopeças, gerenciando o credenciamento de empresas habilitadas para o serviço.
Os desmanches irão alimentar um banco de dados com a movimentação de compra e venda das peças de veículos usadas.
O credenciamento dos ferros-velhos terá validade de um ano, na primeira vez, e cinco anos, a partir da primeira renovação.
O cadastro
Para cada veículo comprado para desmanche, o estabelecimento deverá emitir nota fiscal de entrada no ato de ingresso.
A empresa terá cinco dias úteis para solicitar ao Detran a baixa do registro do veículo. Somente depois dessa etapa poderá desmontá-lo totalmente, com prazo máximo de 10 dias úteis.
A etiquetagem
Após a desmontagem do veículo, as peças devem ser registradas no banco de dados do Detran em até cinco dias úteis, recebendo etiquetas com código de barras.
Os consumidores poderão consultar as peças no Portal dos Desmanches: detran.rs.gov.br/portal-desmanches.
O arquivo
A empresa deverá manter em arquivo, pelo prazo de 10 anos, os documentos e certidões dos veículos desmontados no local.
A nota fiscal
A cada venda de peça deve ser emitida nota fiscal eletrônica da transação para registro no Detran.
A reciclagem
Peças sem aproveitamento terão de ir para sucata em até 20 dias, respeitando todos os cuidados e regras previstos na legislação ambiental.