Enquanto boa parte da população vai encarar a preguiça e o tédio típicos de domingo à noite, funcionários da Celulose Riograndense estarão vivendo um momento tenso e cheio de expectativas. Dois anos e cinco meses depois da aprovação do projeto pelo conselho da acionista, a chilena CMPC, começa a operar a nova fábrica que deve quadruplicar a produção de celulose em Guaíba. A chave será girada às 19h de domingo.
Data e horário pouco usuais têm duas explicações: a definição do dia pelo presidente da empresa, Walter Lídio Nunes, sem saber que seria um fim de semana, e a logística que exige 48 horas de intervalo entre o início do processo - o cozimento da madeira picada - e a montagem de fardos de placas de celulose que serão enviadas ao Exterior.
Os números são superlativos. A começar pelo investimento: US$ 2,2 bilhões, valor superior a R$ 5 bilhões - a conversão não pode ser feita pela cotação mais recente porque a aplicação foi realizada ao longo de um ano e 10 meses - e considerado o maior da história na economia gaúcha. Enquanto a maioria das obras públicas no país enfrenta atrasos no cronograma, a ampliação foi concluída rigorosamente dentro do prazo. Não houve paralisação de operários um dia sequer, motivo de orgulho de Walter Lídio.
O parque industrial que será acionado foi integrado ao antigo, inaugurado em 1972, ainda como Borregaard, e aportará 1,3 milhão de toneladas de celulose, elevando a 1,8 milhão de toneladas a capacidade total instalada. A nova marca deve ser atingida em cerca de cinco meses. A partir daí, vão circular na área 480 caminhões por dia, trazendo toras de eucaliptos plantados em 59 municípios situados a oeste de Guaíba, em direção à fronteira.
A cidade, que viu suas ruas ocupadas nos últimos anos por milhares de trabalhadores de sotaques diferentes, vindos do Sudeste e Nordeste, agora vai desinflar. A quantidade de trabalhadores para a fase de operação é menos da metade da necessária no período de construção. Com a ampliação da fábrica, o número de empregos diretos passará de 2,8 mil para 4,1 mil. No pico da obra, a quantidade de operários chegou a 9,2 mil. Boa parte deve voltar para a terra natal, conforme estabelecido em contrato com as empreiteiras, explicou Walter Lídio.
Outras marcas que a ampliação deixa na cidade da Grande Porto Alegre devem perdurar. Desde 2012, Guaíba recebeu diversas filiais de lojas, que se instalaram no município de olho no aumento da clientela. Uma grande rede de hotel já anunciou instalação. O volume de lixo coletado diário aumentou de 1,4 tonelada para 2,2 toneladas e o número de atendimentos médicos subiu 30% - sinais de aumento de movimentação na cidade.
Para garantir que a futura produção de celulose chegue mais rápido aos clientes - 90% será vendido ao Exterior -, a empresa ampliou o terminal portuário instalado na fábrica, à beira do Guaíba, facilitando o escoamento fluvial até o porto de Rio Grande. Também servirá para receber troncos de eucalipto provenientes da metade sul do Estado (leia abaixo).
As embarcações circularão pelas hidrovias carregadas, seja de celulose, na ida, seja de madeira, na volta. O antigo armazém de celulose, com capacidade de 12 mil toneladas, foi totalmente demolido para dar lugar a uma nova estrutura com capacidade para 45,5 mil toneladas.
Porto de Pelotas deve ser utilizado
Além dos investimentos no terminal de Guaíba, a Celulose Riograndense aposta no terminal portuário de Pelotas para embarcar toras de madeira oriundas de áreas cultivadas da região sul do Estado e trazer até a fábrica. A utilização do porto reduziria custos e o impacto para rodovias e comunidades.
A empresa pretende usar, a partir de 2016, duas áreas para armazenar madeira e busca anuência da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) para operar no terminal, às margens do canal de São Gonçalo - via fluvial que faz a ligação entre a Lagoa Mirim e a dos Patos. O porto, que hoje se resume ao transporte de arroz, clinquer (cimento em fase básica) e fertilizantes, movimentando 396,2 mil toneladas, vai ampliar só com madeira mais 1,2 milhão de toneladas ao ano.
Ainda são necessárias obras de acesso rodoviário da BR-392. Atualmente, é preciso percorrer a área urbana, o que está descartado no plano da companhia devido ao impacto à comunidade. A obra, estimada em R$ 60 milhões, está prevista no orçamento do PAC2.
Veja como é o processo
Matéria-prima: em 59 municípios gaúchos são plantados os eucaliptos utilizados como matéria-prima para a produção de celulose. Diariamente, a Celulose Riograndense recebe 480 caminhões, cada um carregado com 37 toneladas de toras, chamadas de toretes.
Picador: os toretes ficam estocados no pátio. Guindastes colocam a madeira em um dos três picadores gigantes, de onde saem cavacos, formando uma montanha de cerca de 30 metros de altura cercada por uma tela para evitar que a fina serragem se espalhe.
Cozimento: esteiras levam os cavacos para digestores. Nessas panelas de pressão gigantes ocorre o cozimento do material para a liberação das fibras. O resultado é a chamada pasta marrom, celulose usada para produzir papelão.
Branqueamento: depois da produção da pasta marrom, o material passa por um processo de branqueamento. Em três estágios, substâncias químicas, como dióxido de cloro e água oxigenada, descolorem a celulose, que ainda está em formato líquido.
Secagem: por aquecimento, a água da celulose líquida é evaporada nas grandes chaminés - a maior tem 152 metros de altura -, deixando apenas uma película sólida. Após a secagem, a celulose é cortada e empacotada em fardos para armazenagem.
Exportação: como a maior parte da produção é exportada, os fardos são embarcados no terminal da fábrica e seguem para Rio Grande. Os destinos são América do Norte, Ásia e Europa onde a celulose será vira papel.
Fotos: Mateus Bruxel, Agência RBS