A Turquia celebrou nesta sexta-feira com grande pompa o centenário da batalha de Galípoli, uma cerimônia ofuscada pela polêmica envolvendo outro centenário, o do genocídio armênio.
Vinte líderes de todo o mundo inteiro, ex-beligerantes ou vizinhos, aceitaram o convite de Ancara para honrar a memória dos soldados do Império Otomano, do Império britânico e da França que caíram durante este mortífero episódio da Primeira Guerra Mundial.
O chefe de Estado turco, Recep Tayyip Erdogan, homenageou os soldados mortos e enviou uma mensagem de paz:
- Quero reiterar em nome de todos, ante a memória de centenas de milhares de jovens que descansam nesta pequena península, nossa determinação de assegurar a paz e a prosperidade no mundo.
E acrescentou:
- Espero que Canakkale (Dardanelos) sirva de exemplo para o mundo inteiro (...) para transformar nosso pesar comum em um instrumento de promoção da fraternidade, amor e paz.
O príncipe Charles, herdeiro da coroa britânica, declarou por sua vez:
- Devemos honrar o heroísmo dos combatentes de Galípoli de ambos os lados.
Autoridades islamitas-conservadoras iniciaram na quinta-feira celebrações que desejam converter em símbolo de paz e reconciliação.
- Todos os soldados que participaram desta batalha merecem ser lembrados com respeito e valentia - declarou o presidente turco.
- Fizemos a guerra há cem anos, mas aqui estamos reunidos para construir a paz juntos, rejeitando a retórica do ódio - acrescentou seu primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu.
A mensagem de paz dos dirigentes turcos foi, no entanto, ofuscada pelas críticas provocadas pela negativa em reconhecer o genocídio armênio.
Muitos chefes de Estado e de governo, incluindo os presidentes russo, Vladimir Putin, e francês, François Hollande, preferiram viajar a Yerevan para prestar homenagem aos centenas de milhares de armênios massacrados pelo Império Otomano a partir de 24 de abril de 1915.
Nos últimos dias, os turcos criticaram duramente todos os que exigiram que reconhecessem, após um século de negações, o caráter planejado deste massacre.
Depois do papa Francisco, o Parlamento austríaco e o presidente alemão, Joachim Gauck, foram os últimos a falar de genocídio, irritando Ancara.
Como fez Davutoglu no início da semana, Erdogan reconheceu na quinta-feira o sofrimento dos armênios do Império Otomano entre 1915 e 1917, mas voltou a negar a existência de um genocídio, reconhecido por vinte países.
- A questão armênia se converteu em instrumento de uma campanha de difamação contra a Turquia, o que rejeitamos - afirmou, inflexível.
Após a grande cerimônia internacional e ecumênica desta sexta-feira, os antigos beligerantes de 1915 honrarão os mortos na batalha de Dardanelos em atos que durarão até sábado.
Austrália e Nova Zelândia organizarão, por exemplo, a famosa "cerimônia do amanhecer" na manhã de 25 de abril, na hora exata do desembarque das primeiras tropas aliadas nas praias turcas.
A batalha de Dardanelos começou em fevereiro de 1915 quando uma flotilha franco-britânica tentou forçar o Estreito dos Dardanelos para se apoderar de Istambul, capital de um Império otomano então aliado da Alemanha.
Seu fracasso obrigou os aliados a desembarcar em Galípoli, dando início a uma guerra de trincheiras de nove meses que deixou mais de 400.000 mortos ou feridos nos dois lados, e terminou com uma retirada humilhante.
Apesar da derrota, o heroísmo dos jovens soldados australianos e neozelandeses, que viviam seu primeiro conflito, contribuiu para formar a identidade nacional dos dois países.
- Sua perseverança, sua entrega, sua valentia e sua compaixão nos definiram como nação - declarou o chefe de governo australiano, Tony Abbott.
Por sua vez, o Império Otomano acabou a guerra no grupo dos perdedores e foi desmantelado. Mas a Batalha de Galípoli se converteu em um símbolo da resistência que levou ao nascimento da moderna república turca em 1923.
A um mês das eleições legislativas turcas de 7 de junho, não há dúvida de que Erdogan tentará tocar nesta sexta-feira a fibra patriótica de seus cidadãos.