A reflexão, quando o vídeo mostra homens de avental laranja sendo decapitados ou incendiados em uma jaula, é recorrente: até onde vai isso? Não só pela crueldade. Também pela forma como grupos terroristas surgem e se disseminam.
Na última quinta-feira, relatório das Nações Unidas mostrou que mais de 25 mil estrangeiros se juntaram a grupos extremistas. Tal número desperta ainda outra preocupação: a brutalidade exposta em especial pelo Estado Islâmico nas cenas narradas acima ou pelo Boko Haram, ao sequestrar meninas e doá-las como escravas sexuais para saciar o desejo de tribos e perversamente arregimentar simpatizantes, atrai gente até no Ocidente - em sua maioria, jovens desajustados ao seu meio.
No mesmo dia em que as Nações Unidas divulgavam seu relatório sobre a adesão estrangeira a tais brutalidades, o Al-Shabbab atacou uma casa universitária no Quênia. Deixou 147 estudantes mortos. É recorrente. O terror agredindo um centro de saber - o Boko Haram tem no próprio nome uma breve carta de princípios: "a educação ocidental (ou não islâmica) é pecado".
- Esse avanço é recente. Não temos uma análise definitiva. O que costumo dizer em sala de aula é que isso se dá pela falência do Estado moderno. Passada a Guerra Fria, criou-se um vácuo de poder em algumas regiões que foram abandonadas pelas potências, antes interessadas em utilizá-las na disputa entre elas. Surgem formas de poder sem que haja projetos políticos organizados - explica a historiadora Analúcia Danilevicz Pereira, professora de Relações Internacionais da UFRGS.
Estilo se origina do 11 de setembro
A ausência de uma análise definitiva a que se refere Analúcia está na essência dos principais temores que o avanço do terror desperta. Grupos antes desconhecidos se disseminam. Estado Islâmico e Boko Haram eram, até recentemente, nomes desconhecidos. A historiadora vê um período impreciso de décadas para cessar esse ciclo inédito de crueldades.
Em defesa de mestrado na Universidade de Brasília (UnB), Alexandre Amorim abordou "A globalização do radicalismo islâmico".
Partindo do "choque de civilizações" consagrado pelo americano Samuel Huntington, Santos diz que, até a década de 1990, o terror era localizado, tornando-se ameaça global após os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, pela Al-Qaeda. Em uma retrospectiva, ele relata o terror anarquista do fim do século 19, o nacionalista, nas décadas de 1960 e 1970, "até o terror religioso do Hamas". Agora, a Al-Qaeda e seus seguidores.
- Pode-se observar nitidamente o enfoque do ódio ao inimigo ocidental: do "nós" contra "eles" -diz.
- A fim de concretizar a comunidade islâmica, era necessário lutar uma guerra civilizacional, em que o campo de batalha seria o mundo inteiro.
Conclusão: a A-Qaeda "globalizou o terrorismo", montou uma "coalizão", costurou alianças e propagou a causa extremista.
Aliança macabra
Há um mês, foi formada aliança entre os dois grupos que mais assombram o mundo na atualidade. O EI, do Oriente Médio, e o Boko Haram, da África, uniram-se. Ambos tentam instalar regimes baseados na interpretação totalitária que têm do livro sagrado dos muçulmanos. O pacto foi firmado via internet.
NOMES DO HORROR GLOBAL
Alguns grupos extremistas atuam em várias regiões do mundo. Perpetram até 20 atentados por dia, muitos sem grande expressão e repercussão. Saiba quais são alguns deles.
Estado Islâmico (EI)
Resulta do vazio de poder nos últimos quatro anos de guerra síria. Domina campos de petróleo, de onde se financiam. Algo como 30% da Síria e cidades importantes do Iraque estão em seu poder. Muçulmanos sunitas, matam xiitas, impõem a conversão a cristãos e escravizam mulheres. Meta: criar um "califado" para todos os muçulmanos professarem a religião conforme seus preceitos. Adotam práticas cruéis (como decapitações e incêndios de pessoas) e as divulgam em vídeos, para propagá-las. Tem 200 mil homens e armamentos de alta tecnologia.
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Boko Haram ("educação ocidental é pecado")
Assim como o EI, adotou o objetivo de criar um "califado". E se utiliza também de barbáries que chocam. A base é a Nigéria (20% sob seu domínio), país rico em petróleo, a maior economia africana. A desigualdade, porém, impõe pobreza extrema à maioria da população, no norte do país, onde o grupo quer governar sob rígidas normas islâmicas. Além do norte da Nigéria, o Boko Haram também atua em Camarões, Chade e Níger.
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Al-Qaeda ("a base")
Origina-se em 1988 e é considerada a responsável pela internacionalização do terror, a partir do mais impressionante atentado já ocorrido - contra as Torres Gêmeas e o Pentágono, em 11 de setembro de 2001, sob a liderança do saudita Osama Bin Laden. Estima-se que tem, hoje, 20 mil integrantes.
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Al-Qaeda do Iêmen
Surgiu no atentado ao destroyer americano USS Cole, em outubro de 2000, com 17 marinheiros mortos, ainda antes do 11 de Setembro. Não é mais célula da Al-Qaeda. Fecha escolas e influencia o terror no Afeganistão, na Arábia Saudita e na Somália.
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Talibãs
Com base em Kandahar (Afeganistão), deu apoio à Al-Qaeda no 11 de Setembro. Mas é anterior a ela. Chegou a governar o Afeganistão entre 1996 e 2001. Mantém influência forte no Afeganistão e no noroeste do Paquistão. Nos dois países, tem campos de treinamento para terroristas.
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Al-Shabaab ("jovem guerreiro")
Filiado à A-Qaeda, atua na Somália, mas também no vizinho Quênia (onde matou 147 em uma universidade na semana passada). Controla grande parte da capital somali, Mogadíscio, e partes do centro e do sul do país. Fundado em 2004, tem 3 mil integrantes.