Há algum tempo, a noite santa-mariense passa por transformações. Após a tragédia da Kiss, bares e casas noturnas fecharam provisoriamente para se adequar às exigências da legislação contra incêndios. Alguns, nunca reabriram. Mas apesar da redução no número de opções de diversão na noite, empresários reclamam da falta de clientes. Reflexo da mudança de comportamento do público, que está mais seletivo e econômico na balada.
Para a administradora de empresas Taís Drehmer Stein, 21 anos, o valor cobrado pelas casas influencia o movimento.
- Qualquer festa cobra um valor médio entre R$ 15 e R$ 20 só para entrada. Fora as bebidas, que tiveram uma alta nos preços também - argumenta Taís.
Os boletins do Índice do Custo de Vida de Santa Maria (ICVSM), divulgados entre maio de 2006 e julho de 2014 comprovam a teoria de Taís. O preço da cerveja consumida em bar teve um aumento de 164% em oito anos. Hoje, a tipo premium custa em média R$ 9 nos bares, enquanto nos mercados sai por R$ 5,69. De 2007 a 2015, a entrada de um popular bar da cidade saltou de R$ 4 para R$ 12. Comer um petisco pode ser salgado: na noite, uma porção de batata frita custa, em média, R$ 13, enquanto pratos como filé na chapa podem ser encontrados por mais de R$ 40.
A mestranda em Farmácia Laís Scheeren, 25 anos, costuma sair ao menos uma vez por semana e diz não ter notado queda no movimento. Porém, admite que, na hora de escolher a festa, dá preferência a "lugares com entrada livre ou mais baratos".
A escolha por diversões mais em conta por parte da clientela já faz alguns empresários chiarem. Marcelo Guidolin, dono do Muzeo Pub, diz que a casa tem capacidade para 304 pessoas, mas vem recebendo entre 150 e 180 clientes por noite. Para ele, isso é reflexo da "concorrência desleal" das festas promovidas pelos cursos da UFSM. O empresário argumenta que essas baladas são mais baratas porque não envolvem custos com funcionários, impostos e taxas:
- Hoje é mais fácil eu fechar o Muzeo, alugar um galpão, retirar na prefeitura um alvará provisório, liberar um PPCI temporário e fazer um evento por mês do que abrir a casa quatro vezes por semana.
UFSM exige documentação para festas
Diretor do Centro de Eventos da UFSM, o professor Rudiney Pereira afirma que a realização das festas no local costuma ocorrer junto com o reinício das aulas. Os eventos são feitos mediante agendamento, com corresponsabilidade de um servidor e exigência de documentos - como um contrato de prestação de serviços (quando há venda de alimentos e bebidas, alcóolicas ou não). E mesmo que o local tenha alvará específico para festas, os festeiros precisam apresentar um temporário.
- Há configurações diferentes no interior do pavilhão que requerem adaptações de acordo com o evento - diz.
É preciso entender o público
Em relação ao movimento flutuante da clientela, Mila Rios, dona do Zeppelin, é mais otimista que Guidolin. Ela acredita que o pior já passou. Na avaliação da empresária, o movimento na noite santa-mariense caiu entre dezembro e março. Ela, inclusive, aproveita esses meses para dar férias aos seus funcionários.
Mila também credita a queda de clientela ao período "financeiramente difícil", e aos primeiros meses do ano, tradicionalmente reservados ao pagamento de impostos pesados, entre outros custos.
- Março é um mês em que a população volta pagando muito imposto. Tem IPVA, IPTU, volta às aulas. Quem tem pequena empresa trabalha só para não fechar - explica.
Se os estabelecimentos do Centro da cidade sentem a flutuação de volume e hábitos de seu público, o mesmo não ocorre no "arrasta-pé da Serra". Conforme Régis Freitas, um dos sócios do Corujão, mesmo no período de férias, não foi sentida a queda no movimento da casa. O empresário diz ainda que a área VIP chega a receber reservas com 15 dias de antecedência.
Freitas atribui o desempenho de fazer inveja à concorrência a tudo o que a casa oferece aos clientes em termos de segurança e conforto:
- Temos uma ambulância com socorrista, hamburgueria e dois lounges. Só para que tenham uma ideia, no último fimde semana doe março, que é sempre mais fraco, colocamos 1,3 mil pessoas na casa.
A mestranda Laís Scheeren concorda que, se houver diferencial na casa e no serviço, vale a pena gastar mais.
- As entradas estão caras, bem como a comida e a bebida. Apesar disso, há lugares que compensam o custo com a qualidade dos produtos e do atendimento - afirma Laís.
O comerciante Tomás Ceretta, 35 anos, diz que a noite de Santa Maria evoluiu pouco desde o tempo em que estava na faculdade:
- As pessoas abriam uma portinha, colocavam música e cobravam entrada. Quando você é jovem, você até paga para ir ao lugar da moda. Quando a gente fica mais velho, quer ter mesa, atendimento cordial e sem filas. Em Santa Maria, um estabelecimento só dura se proceder dessa forma.
Reorganização do consumo
Em recente entrevista ao "Diário", o professor de sociologia da Unifra Guilherme Howes disse que a tragédia na boate Kiss se configura como um evento determinante na história social de Santa Maria nos próximos cem anos.
Passados apenas dois, percebe-se que a cidade continua se reorganizando ao mesmo tempo em que tenta entender as novas formas de produção e de consumo de entretenimento.
Com uma população de quase 300 mil habitantes - com cerca de 74 mil pessoas entre 15 e 29 anos e 35 mil universitários - sabe-se que há público. Como fisgá-lo e fidelizá-lo, talvez, seja a pergunta a ser respondida.