Em meio a uma crise que vai da economia à institucionalidade, com a recente morte sinistra de um integrante do Ministério Público que investigava o governo, a Argentina se prepara para as eleições presidenciais de 25 de outubro. E o impasse se mostra até nos institutos de pesquisa. A análise dos resultados de 10 levantamentos de institutos diferentes entre fevereiro e março últimos fazem com que sobressaiam uma certeza e uma incerteza. A certeza: os candidatos mais competitivos são Sergio Massa (um ex-governista, que rompeu com a presidente Cristina Kirchner), Mauricio Macri (prefeito de Buenos Aires) e Daniel Scioli (governador da província de Buenos Aires e um kirchnerista, mas nem tanto). A incerteza: cada instituto mostra um favorito - três pesquisas mostram Scioli favorito, seis apontam Macri e um põe Massa em primeiro.
Os principais candidatos
Sergio Tomás Massa completa 43 anos no próximo dia 28. É advogado de formação e fundou a Frente Renovadora quando rompeu com a presidente Cristina Kirchner, de quem chegou a ser o chefe de gabinete (algo como ministro-chefe da Casa Civil), cargo de alta confiança. É deputado nacional pela província de Buenos Aires e corre por fora para chegar à presidência. Se diz a renovação política.
Mauricio Macri, 56 anos, é empresário, herdeiro de um dos grupos mais importantes da Argentina e, de formação, engenheiro civil. Tornou-se conhecido como presidente do Boca Junior, popular clube de futebol portenho. Lidera o PRO (Proposta Republicana, de linha liberal na economia) como um cacique sem pajés. Desde 2007, é prefeito da capital Buenos Aires e mantém relação conflituosa com Cristina.
Daniel Osvaldo Scioli, 58 anos, é empresário e desportista de renome no seu país. Chegou a ser vice-presidente de Néstor Kirchner. Governa a província (Estado) de Buenos Aires desde dezembro de 2007, tendo sido reeleito em 2011. Em 1989, perdeu o braço direito em competição de motonáutica. Com uma prótese, tornou-se oito vezes campeão mundial do esporte. Virou ídolo nacional e exemplo de superação.
Nos últimos meses, houve uma escalada de tensões: rebeliões policiais em dezembro de 2013, confronto com os credores chamados "fundos abutres", a morte do procurador Alberto Nisman poucas horas antes de ele ir ao Congresso fazer acusação grave contra a presidente e greves gerais promovidas por sindicatos opositores.
Cristina não teve a maioria necessária no Congresso para mudar a Constituição e garantir a "re-reeleição". O projeto de poder do kirchnerismo era de revezamento entre ela e seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner. Só que Kirchner morreu em outubro de 2010, e ela, com um governo centralizador, não preparou alternativa competitiva para substituí-la. Restou Scioli, que é visto com desconfiança pela presidente. A solução seria pôr, como candidato a vice, a própria Cristina, seu filho Máximo Kirchner ou, o mais provável, o ministro da Economia, Axel Kicillof, que teria contra si a resistência de Scioli e a inflação roçando os 40% anuais.
- Kicillof tem um objetivo político: ser candidato a vice-presidente em uma fórmula oficialista com Scioli, e a fórmula já teria até o aval do grupo La Cámpora (da base de sustentação social ao governo e liderado por Máximo Kirchner) - comenta o analista Marcelo Bonelli, articulista do jornal Clarín.
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Para agosto, as chapas terão de estar montadas. Os candidatos serão definidos pelas prévias, as Paso (primárias abertas simultâneas e obrigatórias), que costumam, além de definir os candidatos dos partidos, indicar a tendência do eleitorado. Pela Proposta Republicana (PRO, de centro-direita), o prefeito Macri, empresário e ex-presidente do Boca Juniors, já é dado como certo. O mesmo se dá em relação ao deputado Massa, da Frente Renovadora. A União Cívica Radical (UCR), um dos mais tradicionais, tenta se recuperar ainda de administrações impopulares, como a do ex-presidente Fernando de la Rúa (eleito em dezembro de 1999 e levado a renunciar pela grave crise econômica e pelas acusações de corrupção em 21 de dezembro de 2001). Por isso, entrará nessas eleições como coadjuvante, enquanto novas forças políticas se afirmam.
A falta de um sucessor confiável levou Cristina a uma declaração de impacto na última terça-feira:
- Espero que não precisem de mim em 2019, porque isso significaria que depois de mim veio alguém que tornou as coisas melhores e que o país não vai precisar de mim nem de ninguém. Esse é o país que eu quero - disse ela em rede nacional, deixando como mensagem o que se interpreta, que ela talvez tenha de voltar.
O analista Joaquín Morales Solá, do La Nación, aposta numa polarização entre Macri e Scioli.
- Os dois se conhecem há 30 anos, são filhos de empresários e se tornaram populares pela atuação esportiva, não pela vocação política. A ordem de favoritismo muda conforme as pesquisas, mas os dois estão muito próximos do antigo sonho de disputar uma presidência da república - diz Solá.
Já faz 12 anos que a Argentina está sob o projeto político kirchnerista. Néstor Kirchner governo entre 2003 e 2007, e Cristina está desde 2007 no poder. A próxima eleição tem o potencial para romper um modo de governar que os analistas entendem gerar paixões e críticas intensas. Além de eleger o novo presidente do país, os argentinos renovarão as vagas de 130 deputados e 24 senadores.