Pela cultura brasileira, também mundial, crianças estão sempre em primeiro lugar. Para alimenta-las, os pais passam fome. Mas não. Nem sempre é assim. No Haiti, país em que 80% da população vive abaixo da linha da pobreza, e a fome e a sede machucam o corpo e roubam a dignidade, os pequenos entram em briga de gente grande.
Muitas vezes, quando os pais conseguem alimentos, primeiro os adultos. Se sobrar, a criança come. Aos poucos a cultura muda. Devagar, quase parando. Além disso, é comum que bebês sejam rejeitados e abandonados.
Na tarde de quarta-feira, estivemos em um orfanato com 70 crianças e adolescentes. Parte perdeu os pais no terremoto de 2010. Outra, foi deixada no portão da casa que as acolhe. Três brasileiras são voluntárias. Deixaram tudo no Brasil para ajudarem essas crianças.
Elas contam que, em um dos casos, a mãe teve dois filhos de um casamento. Até que se separou do marido e conheceu outro homem. O novo companheiro não aceitou os dois. Os pequenos, então, foram deixados pela mãe. Eles estão nesse orfanato de Porto Príncipe.
Quando chegamos ao local, enquanto Claudio gravava e fotografava, as crianças, algumas da altura do meu joelho, outras batendo na cintura, vieram dar as mãos e me abraçar. Não soltavam mais. Queriam caminhar grudadas na gente e nos militares que acompanhávamos para uma reportagem.
A cada passo, pares de olhos atentos em nossa direção. Pegavam o microfone, tocavam nas câmeras. Mas com uma das mãos dadas conosco. Pulavam no colo de soldados, sargentos e tenentes. Carência afetiva em suas proporções máximas.
Crianças subnutridas, sem pai nem mãe, criadas por brasileiras, haitianas e um argentino (quem abriga os pequenos). Voluntários que diante da pobreza escolheram lutar para dar saúde, educação e infância à elas. Se não fossem eles, sabe-se lá onde estariam.
Mas hoje nós sabemos! Estão alimentadas e alegres. Recebem a todos de braços abertos, com um carinho difícil de mensurar em palavras, e doces sorrisos. São expressões dizendo que o futuro do Haiti está sendo bem preparado.
A série
O repórter Bernardo Bortolotto da RBS TV e o cinegrafista e fotógrafo, do Diário de Santa Maria, Claudio Vaz estão em Porto Príncipe, no Haiti, para acompanhar os militares brasileiros que fazem parte da Missão das Nações Unidas para estabilização e manutenção da paz (Minustah).
Atualmente, o 21º Batalhão de Infantaria (Brabat) é formado por 1,2 mil homens. Cerca de 800 são gaúchos e mais de 500 são dos quartéis de Santa Maria. Eles embarcaram rumo ao país caribenho em novembro de 2014 e podem desmobilizar parte do batalhão e retornar para o Rio Grande do Sul em março.
A equipe acompanha o dia-a-dia dos militares e registra fatos que chamam a atenção durante os cinco dias que permanecerem na capital haitiana.