Propinas de até 10% dos contratos milionários, divisão de tarefas para os pagamentos ilícitos, compra de notas fiscais frias de empresas com indícios de serem de pessoas fantasmas ou laranjas a fim de justificar saques e caixa dois.
Essas são as suspeitas da Operação Lava-Jato que recaem contra a empresa catarinense Arxo, de Balneário Piçarras, no litoral Norte, a fabricante de tanques de combustíveis que mantinha contratos milionários com a BR Distribuidora (subsidiária da Petrobras) e que teve três dos seus principais donos e executivos presos na última quinta-feira e sexta-feira, em Santa Catarina.
O teor da investigação da Polícia Federal tornou-se público nesta sexta-feira depois que o juiz da Justiça Federal em Curitiba responsável pela Lava-Jato, Sérgio Moro, decretou o fim do sigilo sobre as apurações.
Na decisão, constam as razões pelas quais o magistrado decretou as 62 ordens judiciais da nona etapa da ação, entre prisões e as buscas na Arxo - além dela, outra empresa com sede em Santa Catarina, a Transportes Cenedese, de Palmitos, no Oeste, teve buscas na operação e ela tem como sócio majoritário um diretor da própria Arxo.
As informações têm como base principal o depoimento de uma testemunha-chave no caso, Cintia Provesi Francisco, ex-funcionária que foi gerente financeira da empresa entre 2013 e 2014.
Ela revelou ao Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba que constatou saques em espécie no caixa da empresa de até R$ 7 milhões para pagamentos suspeitos na BR Distribuidora.
Para fazer o elo da Arxo com a BR Distribuidora nas propinas, a empresa catarinense contaria com a atuação do operador Mário Góes, do Rio de Janeiro, que teve a prisão preventiva decretada.
Segundo o MPF, Góes atuou como operador financeiro em nome de várias empresas e/ou consórcios de empresas contratadas pela Petrobras e tratava do pagamento de propinas. É ele quem levaria informações privilegiadas à Arxo, condição que garantiria a exclusividade no fornecimento de tanques à BR Distribuidora.
Depoimentos ao MPF indicam que Góes seria o operador financeiro da Arxo e levaria as propinas, entre 5% a 10% dos contratos a empregados da BR Distribuidora. O dinheiro seria entregue a Góes a cada dois ou três meses na própria sede da Arxo, em Piçarras, ou no Rio de Janeiro.
A testemunha-chave relatou que os sócios da empresa, Gilson João Pereira e João Gualberto Pereira Neto, que foram presos, não só tinham conhecimento sobre o pagamento da propina como coordenavam a atividade.
Para disfarçar os pagamentos, destaca a testemunha, a empresa compraria notas fiscais frias de empresas de terceiros, "algumas delas com endereços inexistentes".
Por meio da quebra de sigilo fiscal de algumas fornecedores das notas fiscais, a Receita Federal constatou indícios de irregularidades em pelo menos três delas, como a disparidade entre o capital social e o volume de vendas, e a movimentação financeira incompatível com o volume de venda. Para a Receita, isso evidenciaria que elas serviriam apenas para acobertar suposto caixa dois da Arxo.
As apurações indicariam que as referidas empresas serviriam apenas para emitir notas fiscais para a Arxo, acobertando o caixa dois da empresa ou o pagamento de propina, dando consistência ao depoimento da testemunha.
"Seriam as chamadas "noteiras", aquelas empresas usadas para atender interesses em esquemas de fraudes relacionadas a diversos ilícitos (roubo de carga, corrupção, lavagem de dinheiro, etc), as quais se sucedem no tempo, com vida curta, e normalmente apresentam quadro societário composto por supostos 'fantasmas', 'laranjas' ou 'testas de ferro", diz o despacho do juiz.
PROPINA À BR AVIATION
Na decisão do juiz, consta a informação de negociação recente de pagamento de propina em contrato da Petrobras Aviation com a Arxo, aparentemente ainda em curso de pagamento - em outubro do ano passado, a Arxo firmou contrato de R$ 85 milhões com a BR Aviation. Esse foi uma das razões pela quais a Justiça decretou o bloqueio de valores nas contas dos presos em até R$ 20 milhões.
PROSTÍBULOS
A testemunha também citou ao MPF ainda que um avião da Arxo foi usado para buscar empregados da BR Distribuidora no Rio de Janeiro para passear e que eles eram levados para "boates e prostíbulos", onde eram discutidos negócios da Arxo e o pagamento de propinas.
O DC obteve o telefone celular da ex-funcionária da Arxo, Cintia Provesi Francisco. Houve tentativas de contato por ligações, mensagens de texto e via aplicativo Whatsapp na tarde e noite de sexta, mas ela não retornou. A reportagem também foi até a casa de Cintia, que mora na região metropolitana de Curitiba (PR), mas ela não estava na residência.
A reportagem do DC conseguiu ainda localizar uma das advogadas de Cintia, Gisele Pakulski Oliveira de Ramos. Ela informou que não trabalha com questões criminais e não poderia comentar o caso por desconhecer qualquer envolvimento da cliente com a Operação Lava-Jato.
O QUE DIZ A ARXO
Em novo comunicado emitido nesta sexta-feira, a Arxo diz que "as informações declaradas pela ex-gerente e responsável da área financeira e contábil são infundadas". De acordo com a empresa, Cintia foi demitida em novembro de 2014, quando foi instaurada uma auditoria interna para apurar indícios de desvio de valores que podem ultrapassar R$ 1 milhão por parte da ex-gerente.
A nota da Arxo acrescenta que as apurações apontam que Cintia usava empresas de terceiros para recebimento dos valores, incluindo uma das companhias citadas pela ex-funcionária na denúncia. "A Arxo está tomando todas providências legais para indicação dos envolvidos", segue o texto.
O comunicado reafirma ainda que "nenhum membro da diretoria ou colaborador da empresa teve qualquer ligação com tratativa ou pagamento de propina à Petrobras" e termina assegurando que "todos desconhecem o citado Mário Góes".
O QUE DIZ A BR DISTRIBUIDORA
Por meio de nota, a BR Distribuidora informou que "está encaminhando aos responsáveis pelas investigações os documentos referentes à relação comercial com a Arxo Industrial do Brasil Ltda". A empresa também reafirmou o compromisso de colaborar com as autoridades.
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