Os passos em direção à agua aparentemente mansa deram lugar à correria no sentido contrário quando a primeira onda cor de chocolate atingiu as 42 crianças e adultos do projeto social da Tia Lolô que conheceram o mar, na manhã de quinta-feira desta semana. Temendo a velocidade da maré, os moradores da Vila Orieta, em Viamão, se assustaram com a recepção do mar de Balneário Santa Rita, em Quintão, distante 110km. Depois, aproveitaram o passeio coordenado por Losângela Ferreira Soares,
48 anos, a Tia Lolô, e proporcionado por uma empresa de turismo. O DG acompanhou esta aventura. Confira:
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Chinelos de presente
Tia Lolô, que mantém um projeto social há 20 anos na vila onde mora, acalentou por dez anos o desejo de levar as crianças ao mar. A vontade era tanta, que ela passou os últimos três anos comprando chinelos para quando conseguisse realizar o sonho. Ontem, antes de saírem de Viamão, cada criança ganhou o seu na cor azul.
- Eu fui comprando os pares com cada dinheirinho que sobrava. Durante todo este tempo, tentei com agências de turismo um passeio para eles. Mas ninguém me atendia. Até que surgiu esta abençoada parceria (com a RSC Tur, de Viamão) - contou Lolô, emocionada, que nos quatro dias anteriores quase não dormiu por euforia.
Tia Lolô comemora 20 anos a serviço da criançada
Buzina de alerta
Para controlar a turma, com idades entre dois e 15 anos, Lolô contou com a ajuda de outros quatro adultos e de um acessório que deveria aliviar as chamadas mais fortes: uma buzina.
Antes de liberar a gurizada na areia, Lolô fez a última chamada com o auxílio da buzina. Não foi preciso duas vezes. Logo no primeiro soar, o grupo silenciou e ouviu com atenção as recomendações de Losângela. A principal: entrar no mar só até onde a água batesse no joelho.
Surpresa com o mar
De mochila nas costas e casaco de moletom, João Vitor da Silva, cinco anos, perguntou baixinho à repórter enquanto caminhava pela Rua Pompéia em direção à orla:
- Ô, tia. A água do laguinho tá limpa?
Já na beira do mar, João Vitor foi dos primeiros a entrar e voltar correndo à margem. Inicialmente, teve medo. Mas bastaram cinco minutos até ele entender como a água se movimentava.
- Não tá suja - garantiu.
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Presente para a família
Maria Elisa (de maiô preto), com os filhos e netos curtindo a areia. Foto: Mateus Bruxel
Aos 44 anos, a diarista Maria Elisa Vieira da Silva, a mais velha do grupo, colocou maiô e short para encarar a água fria do mar pela primeira vez. E não foi sozinha: levou cinco filhos e cinco netos. Todos eram estreantes no oceano. Entre eles, João Vitor, que pegou numa das mãos da mãe até tornar-se íntimo das marolas.
- A gente vê pela tevê, mas não tem ideia do tamanho de tudo isso. É muito mais bonito de perto - contemplava Maria Elisa da areia, com a neta Louise, dois anos, no colo.
Rolando de faceiro
Filho de Maria Elisa, Carlos Eduardo da Silva, 15 anos, era a expressão de felicidade. Depois de correr mar adentro sem temer, o guri rolou na margem de um lado para o outro. Convicto, garantiu que só deixaria a água na hora de ir embora. Mas acabou saindo antes para ser enterrado pelos amigos até o pescoço, durante mais uma brincadeira da turma nas areias do balneário.
- Faz tempo que quero tomar um banho de mar. Dias desses, fui numa lagoa perto de casa, mas tinha um cavalo morto dentro e não deu para tomar banho. Estou matando a minha vontade. Bom demais! - comemorou, faceiro.
"Prefiro a Paquetá"
Deitada na areia, enquanto outras duas crianças brincavam sobre as costas dela, a estudante do sétimo ano Letícia Rodrigues Ferreira, 12 anos, parecia desinteressada pelas ondas que quebravam a cerca de 50m dali. Junto com duas irmãs, de sete e nove anos, Letícia passou as últimas duas semanas esperando pelo momento de ver o mar de perto. Porém, molhou-se e logo saiu para aproveitar o sol.
- A água é salgada e muito forte. Prefiro a Paquetá (praia em Canoas) porque é mais calma e posso brincar sem a onda ficar batendo - explicou, com um sorriso largo no rosto.
Choro de alegria
Visivelmente emocionada, Lolô enxugava as lágrimas a cada nova comemoração das crianças. Inclusive, nas piruetas em grupo na areia. Nem o vestido longo que usava, a buzina numa das mãos e a bolsa no ombro a impediram de entrar na água com as crianças. Há dois anos ela também não visitava a praia, onde tem uma casa. O envolvimento com o projeto social a acaba afastando das atividades em família.
- Não existem palavras para expressar a minha felicidade. Por isso, choro. Mas estou chorando de alegria, pode ter certeza - tratou de alertar.
Faltaram oito
Apesar da satisfação de Tia Lolô, uma parte do coração dela havia ficado na Vila Orieta. Oito crianças, com idades entre seis e 12 anos, não puderam ir ao passeio, mesmo selecionadas. Apesar de ter à disposição uma van, dois carros e um micro-ônibus, faltaram mais veículos.
Lolô conversou por mais de 30 minutos com os que ficariam de fora. Apesar de tristes, ela garante que compreenderam a situação.
- Infelizmente, precisei escolher mais uma vez. Doeu muito ter que deixá-los depois de tanta espera. Mas não desistirei: vou atrás de ajuda para realizar o sonho deles também - afirmou.