As duas linhas de ônibus que enlutaram gaúchos e catarinenses em janeiro foram revistas por repórteres de Zero Hora nesta semana. O propósito foi conferir as condições de segurança, o conforto dos veículos e a situação emocional de passageiros e motoristas que seguem viajando pelos mesmos trajetos.
Na noite de quarta-feira, ZH embarcou na linha entre Passo Fundo e Florianópolis da Reunidas, três dias depois do acidente que deixou nove mortos (seis dos 33 feridos continuam hospitalizados). A viagem durou 12 horas e cinco minutos, duas horas a mais do que o previsto - devido aos engarrafamentos no litoral catarinense e à cautela do condutor, que seguiu à risca o limite de velocidade.
Ao meio-dia de quinta-feira, foi a vez de avaliar a linha Porto Alegre-Tramandaí, pela estrada RS-030, onde um desastre com o ônibus da Unesul provocou oito mortes, no dia 6, no município de Glorinha. A jornada se estendeu por quatro horas, com mais de 10 paradas para embarque e desembarque de passageiros. Se fosse pela freeway, levaria cerca de 1h30min.
Em ambas as viagens, percebeu-se que foram redobradas as medidas de segurança. Tanto por parte de motoristas, que ficaram no limite da velocidade, ainda que atrasando as viagens, quanto pelos passageiros, que estavam mais atentos ao uso do cinto de segurança. No trajeto noturno Passo Fundo-Florianópolis, a maior parte sequer fechou a cortina das janelas, o que facilitaria o sono, como se desejasse ficar em vigília contra algo desconhecido.
Não houve qualquer susto nas duas linhas onde embarcaram os repórteres de ZH - como sempre acontece logo depois de grandes traumas, em função do reforço nos procedimentos de segurança. No entanto, foi possível ouvir queixas sobre pequenos desconfortos. Consumidores que são, os passageiros pagam por serviços de qualidade abaixo da esperada.
No ônibus da Unesul, velocidade reduzida na curva da morte
Antes de dar a partida, o condutor pede um minuto de atenção. Fornece detalhes sobre o trajeto até Tramandaí, mostra as saídas de emergência, explica com minúcias como operar a alavanca nas janelas em caso de acidente e pede que os passageiros usem os cintos.
- Faremos o trajeto com todo o cuidado, mas nunca se sabe o que esperar da estrada - suspira.
A rodoviária de Porto Alegre está cheia, mas não para aquela viagem, pouco concorrida. São 12h de quinta-feira. Faz nove dias que um ônibus da mesma empresa, a Unesul, tombou ao fazer o mesmo trajeto, deixando oito mortos.
Talvez ressabiados com as recentes fatalidades, os cinco passageiros prontamente afivelam os cintos.
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Silencioso, com ar condicionado e poltronas bem conservados, o coletivo oferece o conforto necessário para que os viajantes aturem as quatro horas até o litoral, trajeto picotado por quase duas dezenas de paradas.
A condução cautelosa do motorista, mantendo-se sempre abaixo da velocidade máxima permitida, traz sensação de segurança, em particular em um asfalto escorregadio em razão das chuvas nos últimos dias. Em todo o trajeto, o ônibus da Unesul não faz uma ultrapassagem sequer.
- Hoje está bom de viajar. Há uns motoristas que sentam o pé. Dá vontade de descer antes - diz um senhor sentado ao fundo do ônibus.
De fato, nem todas viagens da Unesul são serenas. Foram cinco acidentes envolvendo a empresa desde o início de dezembro, deixando nove mortos e quase 40 feridos. A transportadora é uma das mais mencionadas em seu setor no site Reclame Aqui, um dos principais portais de queixas na internet. São 31 protestos, a maior parte por direção perigosa ou más condições dos veículos.
Mas na quinta-feira, ao vencer as sinuosas curvas da RS-030 em Glorinha, local do acidente na semana anterior, o motorista baixa a velocidade para 50 km/h. Àquela altura, o ônibus está quase lotado - muitos passageiros haviam embarcado em Gravataí e Taquara.
- O pessoal parece que descobriu o cinto depois dos acidentes - diz o mesmo senhor, que faz o trecho diariamente ao retornar do trabalho, em Porto Alegre, para Glorinha.
Na verdade, nem todos os usuários descobriram os cintos. Em um levantamento rápido, verifica-se que metade dos passageiros renunciaram ao acessório. Uma passageira se queixou para a amiga do aperto - as opções eram elásticas, sem possibilidade de ajuste.
Se o ônibus era confortável, o mesmo não se pode dizer das rodoviárias e paradas, muitas à margem da estrada. Passageiros precisavam pular poças de água suja, formadas nas crateras no acostamento da RS-030. As estações careciam de limpeza nos banheiros. A parada final, em Tramandaí, só é possível após o ônibus desviar dos enormes buracos da rodoviária.
No coletivo da Reunidas, passageiros apreensivos
Nenhum passageiro se benze ao embarcar no ônibus da empresa Reunidas, às 22h35min de quarta-feira, na estação rodoviária de Passo Fundo, quando transcorrem três dias desde o acidente que deixou nove mortos na cidade de Alfredo Wagner, próximo a Florianópolis. Os semblantes não demonstram nervosismo, não de forma aparente.
Mas se nota um maior apego à cautela, a começar pelo motorista. Ao se apresentar a bordo, enfatiza que será substituído durante a jornada por outro condutor, descansado. Pede - na verdade, insiste - para que todos afivelem o cinto de segurança. A partida já conta oito minutos de atraso, mas ele concede mais dois minutos para que os passageiros se organizem. Depois, percorre o corredor do ônibus e verifica cada poltrona. Encerrado o procedimento, declara, um tanto solene:
- Espero que façam uma boa viagem, quem vai a trabalho ou a passeio.
Até então atarefados em se acomodar e ajustar o cinto de segurança, os viajantes se manifestam.
- Amém! - diz a mulher da poltrona 30.
- E vai com calma, motorista - recomenda a que ocupa o assento 36.
O veículo número 28.206, que cumpre o trajeto Passo Fundo-Florianópolis, está com lotação completa. É um ônibus convencional, com sinais de uso intenso. O tecido azul da poltrona, com detalhes em vermelho e amarelo, está gasto, mas limpo. O ruído do motor, um "vrum-vrum" constante, é audível demais para quem viaja na traseira.
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Poucos dos sentados à janela decidem fechar as cortinas. A luz dos postes dos perímetros urbanos e dos faróis dos carros em sentido contrário mantém o interior do ônibus iluminado, o que atrapalha quem deseja dormir. A intenção é clara: querem ficar atentos, não se encapsular na escuridão.
A julgar pelo ronco do motor, a velocidade é regular, como se acionada por piloto automático - equipamento inexistente. O coletivo entra suave nas curvas. Mais da metade dos passageiros está calada, a restante manuseia freneticamente os celulares.
O que incomoda é o ar-condicionado. Nos bancos da frente, as pessoas estão enroladas em cobertores, indicando que o aparelho funciona e proporciona aquele friozinho aconchegante. Na traseira, porém, predomina um bafo. A temperatura é desigual, além de oscilar.
Não ocorre nenhum imprevisto que sobressalte os passageiros. No entanto, os estreantes que não trouxeram água mineral suficiente ou esqueceram de bolachas para roer no caminho podem se lamentar da imprevidência. É que não há serviço de bordo, sequer a tradicional caixa de isopor com bebidas pagas.
Depois de cinco horas de viagem, tem início uma série de paradas. A primeira é em Lages, para um lanche na estação rodoviária. Um imenso painel recepciona os visitantes com uma homenagem aos lageanos que aderiram à Revolução Farroupilha (1835-1845), chamados de "Bois de Bota" pelo destemor nos breves confrontos contra as forças imperiais.
Já na madrugada de quinta-feira, bate uma inquietação. Não é por temor a acidentes, mas pelas filas de caminhões que entopem as rodovias na região de Blumenau.
- Ih, vai atrasar - prevê o passageiro da poltrona 35.
O ônibus vai em marcha lenta - uma lombada eletrônica marca 27 km/h, enquanto o limite é de 50 km/h -, espremido entre carretas e bitrens. A distância lateral, entre os pesados veículos, é de menos de um metro. Quando o trânsito parece fluir, começa uma sucessão de paradas. Em Ascurra, para o café da manhã. Em Itajaí, Balneário Camboriú e Itapema, para o desembarque pingado de viajantes.
Às 10h50min, chega-se à rodoviária de Florianópolis, com 2h20min de atraso em relação à previsão inicial. A culpa é dos congestionamentos. Mas os clientes mais assíduos da linha da Reunidas comentam que o condutor foi mais vagaroso do que de costume.
Na descida dos cinco passageiros que restaram, o motorista segue gentil e prestativo. Entrega as malas, despede-se com um sorriso de alívio pela missão cumprida. Mas fica a impressão de que a Reunidas deveria, para uma viagem de no mínimo 10 horas de duração, utilizar um veículo mais moderno. Além de tresnoitadas, algumas pessoas estão suadas, irritadiças.
- Não acredito que consegui sair deste ônibus ... - queixa-se uma jovem, falando baixo para que o motorista não ouça.
Avaliação da viagem da Reunidas:
Condições do veículo (poltronas, cortinas, piso, janelas, bagageiro): surrado, mas limpo
Sensação de velocidade: constante, dentro do limite.
Ar-condicionado: a temperatura oscila.
Itens de segurança (cinto, saídas de emergências): perfeitos.
Barulhos estranhos: nenhum.
Banheiros: limpos no início. Nem tanto ao final, mas por culpa de alguns passageiros.
Pontualidade: 10 minutos de atraso na partida e 2h20min à chegada.
Lotação do veículo: completa, sem ninguém de pé.
Estações rodoviárias: a de Passo Fundo tem apenas uma opção de lanches. A de Florianópolis é bem equipada.
Avaliação da viagem pela Unesul:
Condições do veículo (poltronas, cortinas, piso, janelas, bagageiro): Usado, mas limpo
Sensação de velocidade: constante, abaixo do limite
Ar-condicionado: temperatura agradável
Itens de segurança (cinto, saídas de emergências): perfeitos
Barulhos estranhos: nenhum
Banheiros: não havia
Pontualidade: oito minutos de atraso na partida e uma hora na chegada
Lotação do veículo: quase completa, sem ninguém de pé