A seca que atinge o Rio Jaguari, em São Paulo, fez reaparecer as ruínas de uma cidade que estava submersa desde março de 1969, quando começou a construção dos reservatórios usados na geração de energia para a região do Vale do Paraíba e do Sistema Cantareira.
No fundo de uma represa, que está 30 metros abaixo do nível normal, entre Joanópolis e São José dos Campos, no interior paulista, a igreja matriz, a praça e a rua principal da Igaratá Velha ressurgiram e se transformaram em ponto turístico.
Os dois mil moradores do antigo povoado de Igaratá Velha, formado em meados de 1865 em uma confluência dos Rios Jaguari e do Peixe, foram removidos para uma nova cidade homônima um século depois. Criada em dezembro de 1969 a três quilômetros da antiga cidade, a nova Igaratá nasceu em um terreno da antiga Centrais Elétricas de São Paulo (Cesp), doado aos moradores. Hoje, o município tem cerca de nove mil habitantes.
Em São Paulo, moradores pegam água do meio-fio
GRÁFICO: quanta água é necessária para fazer o que você consome
O reaparecimento das ruínas da Igreja Nossa Senhora do Patrocínio emociona quem viveu no antigo povoado. Um grupo colocou uma nova cruz onde ficava a igreja.
- O pessoal mais velho vem e passa o domingo rezando em volta da cruz. Não querem que a água cubra de volta a igreja - diz o agricultor Edilson Cardoso, de 32 anos.
Com um quadro da Igaratá Velha debaixo dos braços, o pescador José Carlos de Almeida, de 50 anos, cobra R$ 5 para levar turistas de canoa até as ruínas do antigo grupo escolar, no meio da represa:
- Se a represa baixar os 10 metros que faltam, vai reaparecer a cidade inteira.
A prefeitura de Igaratá também fez melhorias na pista de terra que dá acesso às ruínas, para facilitar a visitação.
- Uma pena não ter dinheiro para fazer a preservação das peças encontradas. Muita coisa as pessoas já levaram embora - diz o secretário de Obras de Igaratá, Emerson Rodrigues, de 35 anos.
Não há decisão sobre rodízio de água em SP, diz Geraldo Alckmin
Hidrelétricas acendem alerta vermelho após queda nos reservatórios
Enchentes
Na época da remoção promovida pela Cesp, a maior parte dos moradores concordava com a mudança.
- Era muita enchente. No período das chuvas todo mundo tinha de sair de casa. Só os mais antigos não queriam mudar - recorda José Rodrigues, de 72 anos.
ZH Explica: Como a Grande São Paulo chegou à escassez de água
Leia as últimas notícias de Zero Hora
Na nova Igaratá, a emoção pelo ressurgimento da antiga igreja parece ter anestesiado a preocupação com a seca. Mesmo entre os mais jovens a curiosidade é grande. Muitos querem descobrir onde ficava a casa da avó, da tia que morreu, do prefeito.
Telhas dos anos 1940, escadarias, tanques de lavar roupa e restos das cadeiras da praça podem ser observados sobre o solo seco. No meio da represa estão estacas das casas demolidas na época da inundação.
- Toda semana aparece uma coisa nova. Muito velhinho vem aqui e se emociona, chora mesmo - conta Fabio Saltonato, de 28 anos.
Mas a seca derrubou o turismo, principal atividade econômica de Igaratá. Na beira da represa, dezenas de chácaras e sítios de veraneio estão à venda. Pontos que funcionavam como marinas estão vazios.
- Com essa transposição de água da represa, a cidade vai 'morrer' economicamente. Esse é nosso medo - diz o secretário de Obras.