No Estado brasileiro recorde em locais utilizados para violações dos direitos humanos no período investigado pela Comissão Nacional da Verdade (1946-1985), existem, pelo menos, 78 locais públicos, entre endereços e escolas, que homenageiam presidentes da ditadura militar (1964-1985).
Levantamento feito por Zero Hora com base no cadastro dos Correios revelou que há 33 logradouros (ruas, avenidas, travessas e praças) no Rio Grande do Sul cujos nomes fazem referência a pelo menos um dos cinco governantes do período - Humberto Castello Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo (ficaram fora da conta os ministros da junta que chefiou o país de agosto a outubro de 1969).
Entre as escolas, o número é ainda maior: 45, conforme busca no acervo digital da Secretaria Estadual de Educação. A maioria delas (29 instituições) é municipal. Há ainda 14 estaduais e duas, particulares. Em mapa no fim da reportagem, veja em quais municípios ficam os locais.
Baseada no relatório da Comissão da Verdade, prefeitura remove estátua de Costa e Silva
Conheça a rede de repressão montada pela ditadura no Rio Grande do Sul
Criado há 30 anos para preservar a memória do período da ditadura e lutar contra a tortura e a favor dos direitos humanos, o Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, encabeça uma campanha no território fluminense para mudar essa realidade. Os ativistas se mobilizam para combater o que consideram "falta de vontade política" e convencer os legisladores a rebatizar espaços que homenageiam ditadores - a modificação do nome de uma rua, por exemplo, precisa passar pela Câmara de Vereadores.
- Não podemos continuar colocando como herói quem nem presidente foi em nenhum lugar do país, pois eles não foram eleitos. Eles são ditadores, responsáveis por manter o país nas trevas e fazer terrorismo por 21 anos, o que deixou consequências seriíssimas para o Brasil, sendo a principal a falta de memória - defende a presidente do grupo, Victória Grabois Olímpio.
Mudança como a defendida pelo Tortura Nunca Mais ocorreu em Porto Alegre no final do ano passado: a Avenida Castelo Branco, principal entrada da capital gaúcha, teve o nome modificado para Avenida da Legalidade e da Democracia.
A posição é polêmica. O historiador Sérgio da Costa Franco, um dos maiores pesquisadores da história de Porto Alegre, é defensor de uma segunda visão.
- A escolha do nome de uma rua é fruto de um momento histórico, reflete a consciência de uma determinada época. As ruas contam a nossa história, não podemos simplesmente apagar isso - justifica Franco.
O historiador observa contradições nesse movimento de revisão. Ele cita o exemplo de Porto Alegre, que retirou o nome de Castelo Branco da entrada da cidade, mas ainda mantém um monumento do mesmo presidente no Parque Moinhos de Ventos (Parcão).
VÍDEO: como funcionavam os centros de tortura em Porto Alegre
Como um mafioso siciliano foi parar no Dops durante a ditadura militar no Brasil
Compartilhando da mesma opinião, a vereadora de Porto Alegre Mônica Leal afirma que um grupo de vereadores ingressou com dois processos na Justiça - um para anular a mudança do nome e outra de inconstitucionalidade -, que ainda não tiveram desfecho.
- A história existe, sou radicalmente contra mudá-la. Por mais polêmicos que possam ter sido (os ditadores), eles existiram, não podem ser substituídos _ defende Mônica, ex-secretária estadual da Cultura e filha de militar.
Presidente e fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke rebate os argumentos.
- A história deve contar a realidade. O nome destes senhores em lugares públicos é uma homenagem, quando, na verdade, eles usurparam o poder. A adoção destes nomes é fruto da ilegalidade - afirma.
Para Krischke, mais grave que os ditadores nomearem ruas é o fato de ainda estarem no título de escolas.
- Escola é coisa séria, é quase um templo. O nome dessas pessoas em uma delas macula o ensino - defende.
Com base em um levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que indicou que há 976 escolas públicas no país com nomes de presidentes da ditadura, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) lançou, em abril, a campanha "Mude o Nome da Sua Escola". Em uma página na internet, a entidade indica, inclusive, como a própria comunidade pode solicitar a mudança. Clique aqui para ler mais.
MAPA: clique nos municípios para ver os locais nomeados com ditadores