Se seguirem os prognósticos negativos de produtores e especialistas, a fruta que deu fama à cidade de Terra de Areia, no Litoral Norte, pode se tornar rara. Ou pior, acabar. Os números comprovam a diminuição da cultura do abacaxi variedade pérola no município de 9.978 habitantes, localizado a 152km da Capital, considerado o maior produtor da fruta no Estado. Em 2007, a área produtiva chegou a 343 hectares. Neste ano, parou em 260.
A quantidade de produtores também vem caindo. Há quatro anos, eram 130. Hoje, sem renovação da mão de obra, eles não passam de 90.
Para o gerente regional da Emater, o engenheiro agrônomo Volnei Wruch Leitzke, que foi técnico da Emater da cidade durante uma década, a grife "abacaxi de Terra de Areia" deve acabar em, no máximo, 20 anos. Três fatores estariam influenciando diretamente na queda: aumento da ocupação das áreas para habitação, melhoria nas condições econômicas da região que possibilitaram novos empregos e alternativas de culturas mais rápidas - o abacaxi leva dois anos para produzir pela primeira vez.
- A produção na cidade vem dando sinais de queda desde a década passada. O próprio nome já diz: Terra de Areia é uma área de areia, e só pode produzir abacaxi ou aipim. Para piorar, ainda há a limitação climática, são necessárias condições de clima muita específicas apenas para este tipo de plantação - ressalta Volnei.
Hoje, o famoso abacaxi é vendido no Litoral Norte e na Ceasa, em Porto Alegre. Há quem se aventure vendendo em feiras e margens das estradas, usando os próprios caminhões.
"É uma cultura em extinção"
Produtor de abacaxi há 25 anos e técnico em gestão ambiental da Fepagro, Alceu Santim, 62 anos, é ainda mais pessimista. Ele calcula que dentro de dez anos o abacaxi será uma raridade nas terras arenosas do Litoral Norte. Até 2006, Alceu colhia 60 mil frutas dos 6 hectares da família. Por conta da idade e da falta de mão de obra, porém, ele viu a produção e a área reduzirem pela metade. Mesmo pagando funcionários para auxiliar no plantio e na colheita, o agricultor reconhece que faz milagre para se manter na ativa.
- A mudança do clima, com calor intenso no verão, tem feito a produção cair consideravelmente. Uma hora de sol de 38ºC faz perder 20% da produção. Isso tem feito os produtores desistirem desta cultura. Se alguém continuar, terá que se adaptar - alerta Alceu.
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Terra de Areia e Itati, Gilberto de Ávila Vargas, reconhece que os agricultores especialistas na atividade estão envelhecendo e os filhos não estão dando continuidade à cultura que está no município há quase um século.
- Poucos continuarão e estes terão mais facilidade de procura e de venda. Não acredito em fim, mas numa diminuição muito grande. É uma cultura em extinção, não dá para negar - afirma.
Fruta vem de fora para ampliar vendas
O atual responsável pela Emater local, o técnico em agropecuária Wolnei Fenner, tenta minimizar a situação destacando que a área plantada aumentou na safra 2014/2015 em relação à anterior - passou de 230 para 260 hectares. Cada hectare produz, em média, 21 toneladas por ano.
Wolnei reconhece, porém, que a cultura é frágil, pois apenas Terra de Areia cultiva abacaxi na região. Wolnei reforça que a melhoria na logística de transporte e de produção (mecanizada) do abacaxi vindo de outros Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, também acaba influenciando na queda da produção local - ainda dependente da agricultura manual.
- Há produtores de Terra de Areia que não estão dando conta da produção e acabam comprando abacaxi de fora para ampliar as vendas - revela o técnico, sem citar nomes.
Lida árdua
Produtor de abacaxi desde os oito anos de idade, quando ajudava o pai na lida, o agricultor Agedy Espyndula, 63 anos, viu a lavoura de 8 hectares da família cair pela metade desde 2010. Quando a mulher aposentou-se, a filha decidiu ser comerciante e o filho optou por ter produção própria, Agedy viu-se obrigado a diminuir a área plantada.
- Isso também tem acontecido com outros agricultores da cidade. Os filhos não ficam mais na roça e vão para outro tipo de emprego. A produção não vai terminar, mas vai diminuir muito - sentencia o experiente Agedy.
Na solidão da lavoura, de onde chega a tirar 2 mil abacaxis por semana entre novembro e fevereiro, Agedy obriga-se a enfrentar chuva e sol com temperaturas que beiram os 40ºC nesta época do ano. Como o plantio e a colheita são totalmente manuais, são necessários chapéu, calças jeans, luvas e botas de borracha para se proteger das oscilações do clima e dos espinhos do pérola.
- O trabalho manual é a maior dificuldade porque a gente começa por volta das 7h e vai até enquanto enxergar abacaxi - comenta o agricultor.
Como se não bastasse a colheita, Agedy ainda tira dois dias da semana para atuar nas feiras de Atlântida Sul, nas sextas-feiras, e em Porto Alegre, aos sábados. Nestas datas, praticamente, não dorme na noite anterior porque precisa preparar o caminhão para as feiras. Produtor orgânico, Agedy vende o abacaxi a preços que vão de R$ 2 a R$ 5 a unidade. Mas não é o preço que o mantém na produção. É amor pela função que aprendeu ainda na infância.
- Vou continuar enquanto puder puxar uma enxada aí - emociona-se Agedy, com os olhos marejados.
As saídas para sobreviver
* Exclusividade: com a diminuição da produção, quem continuar poderá aumentar o preço de venda. Hoje, uma fruta acima de 600g é vendida pelo produtor por R$ 1,50.
* Especialização do abacaxi: a procura por produtos orgânicos fez crescer o valor da fruta orgânica. A produção é menor, mas o preço é melhor. O abacaxi de 100g é vendida pelo produtor entre R$ 2 e R$ 5 a unidade.
* Comércio: vender por conta própria, sem passar por atravessadores, pode ser a alternativa. As feiras aumentam exatamente na época de safra do abacaxi, entre novembro e fevereiro. Há linhas do Governo Federal que oferecem crédito para compra ou renovação da frota do agricultor - caminhão e caminhonetes.
* Associativismo: buscar como alternativa a associação a outros produtores pode ser a saída.