Meio avião, meio chave de novos negócios. A partir do próximo ano, será possível começar a ver, no Brasil, os efeitos do contrato assinado entre a Força Aérea Brasileira (FAB) e a empresa sueca Saab. Será quando devem começar os movimentos para a transferência de tecnologia prevista em contrato assinado em outubro.
Pelo menos seis empresas com unidades no Brasil serão beneficiadas por essa exigência do governo brasileiro para produzir, com montagem final no país, pela Embraer, 36 caças chamados Gripen. O nome, em sueco, significa grifo, animal mitológico com cabeça e asas de águia e corpo de leão. Resultado de décadas de busca de um novo avião, os modernos caças devem ser entregues à FAB a partir de 2019 - é um grifo meio sueco, meio brasileiro.
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Como a inspiração mitológica, o caça tem algumas peculiaridades. A mais notável é o fato de ser um monomotor, o que eleva o risco de uma aeronave de combate - se o único propulsor for atingido, o caça é abatido. Em compensação, custa quase a metade de um modelo com dois motores, o que faz sentido em países sem histórico de envolvimento em conflitos.
Outra característica do Gripen é ser multiúso - aplicado em combates aéreos, alvos terrestres e combate noturnos, como interceptador. Embora não tenha sido criado para ser "invisível" (indetectável em radares), tem equipamentos sofisticados da chamada "guerra eletrônica" que permitem voos silenciosos (sem que o inimigo perceba).
De integrantes da força aérea sueca a engenheiros da Saab que trabalharam no desenvolvimento do novo modelo do caça, o que sempre se ouve como característica da aeronave é a versatilidade e a simplicidade de operação. Pode operar em rodovias - não precisa de bases ou aeroportos -, pousar, ser reabastecido e decolar novamente em 10 minutos.
Ulf Nilsson, chefe do Gripen/Suécia, destaca que a nova geração de caças "quebrou a curva de custos", que vinha sendo marcada por aeronaves maiores, mais sofisticadas e mais caras.
Dois anos para montagem final
O engenheiro Björn Johansson, que comandou o projeto, detalhou que a decisão de atualizar a aeronave se baseou em duas diretrizes: baixo custo e menor volume de testes. Externamente, a principal diferença será a maior largura da base e o menor comprimento da asa.
- Dentro da carcaça, é uma aeronave totalmente diferente - avisa Johansson.
Em Linköping, no sul da Suécia, fica a fábrica do Gripen, que produz os modelos C e D e passará a fazer a nova geração, a E. Entre a fabricação de pequenas partes - são 23 mil, ao todo, incluindo 30 quilômetros de fios - e a montagem final, cada aeronave consome dois anos. São 700 funcionários - 500 na produção e 200 na administração. A cada ano, saem entre 28 e 30 caças.
É com esse pacote que Suécia e Brasil pretendem disputar mercados. Saab e Embraer vão caçar oportunidades de venda para outros países estimadas em 3 mil aeronaves nos próximos 20 anos, com possibilidade de capturar pelo menos 10% a 15% dos contratos. A parceria tem na mira negócios que podem variar entre US$ 30 bilhões e US$ 45 bilhões.
Uma parceira com Nobel no portfólio
Pouco depois de começarem as primeiras consultas para o projeto brasileiro F-X, em 1993, que resultaria na compra de 36 aviões de caça para a Força Aérea Brasileira (FAB), a empresa privada sueca Saab comprou uma empresa emblemática: a Celsius/Bofors, fundada em 1646 e adquirida em 1894 por Alfred Nobel, cientista que dá nome ao prêmio internacional de maior prestígio.
Foi um dos movimentos que sinalizaram para a intenção de consolidar uma poderosa indústria de defesa na companhia que pertence a um grupo financeiro chamado Investor, controlador da empresa de construção pesada ABB à popular Electrolux.
A Saab passava por uma transformação provocada pela mudança de atitude de seu principal cliente, o governo sueco. Até então, a administração pública informava à Saab de suas necessidades, e a empresa produzia.
Além de consolidar internamente vários segmentos de defesa, que hoje cobrem de radares - vindos da aquisição da Ericsson Microwave - até submarinos - originados na compra da Kockmus -, a Saab começou a perseguir o mercado internacional.
Apesar das dificuldades do Brasil, o parceiro é considerado essencial pela Saab para dar acesso a mercados em que a empresa sueca não teria tanta influência.
Conforme executivos da Saab, essa estratégia de busca de mercados justificou uma iniciativa pouco comum nessa área - a transferência de tecnologia, que fez a diferença na hora de o Brasil escolher o fornecedor de 36 novos caças.
*A jornalista viajou a convite da Saab