Durante décadas, incontáveis réus foram para a cadeia pelo pulso firme do juiz Francisco Eclache Filho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Quatro anos após se aposentar e longe dos tribunais mineiros, o magistrado é quem foi para atrás das grades.
Eclache Filho está preso preventivamente no Palácio da Polícia Civil, em Porto Alegre, acusado de matar com quatro tiros a companheira, a economista Madalena Dotto Nogara, ex-secretária de Finanças e da Indústria de Restinga Seca, na região central do Estado, a 277 quilômetros da Capital.
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O assassinato que sacudiu a cidade de 16,3 mil moradores ocorreu em 22 de julho, 54 dias após o casal oficializar a união estável, fruto de um flerte pela internet. O motivo do crime: uma suposta crise de ciúmes que ele sentia em relação a ela, 10 anos mais jovem.
Aos 65 anos, o juiz é um dos 13 ocupantes (outros 10 policiais civis e dois agentes penitenciários) da carceragem da Polícia Civil. Aparenta tranquilidade, fala pouco e evita entrevistas. Dorme em um alojamento individual, assim como os demais presos. Tem de arrumar a cama e lavar a própria roupa em um tanque. Recebe a mesma comida dos outros presos, fornecida pelo Estado e preparada por um dos policiais detidos. Tem acesso a livros, revistas, jornais e TV.
Os caminhos de Eclache Filho e de Madalena se cruzaram virtualmente em meados de 2013. Aposentada, mãe - deixou uma filha de 32 anos - e avó, ela dedicou seu tempo ao trabalho e à família. Aos 55 anos, sem jamais ter se casado, Madalena sentia falta de um companheiro. E encontrou Eclache Filho - divorciado, dois casamentos - por uma rede social. O namoro era por câmeras de vídeo distantes 2 mil quilômetros - o juiz morava em Manhumirim, pequena cidade na Zona da Mata, em Minas Gerais. Conheceram-se em outubro e, em janeiro, Eclache Filho desembarcou as malas em Restinga Seca. Um mês antes do crime, buscou em Minas um revólver calibre 38 - uma das 14 armas registradas no nome dele.
Advogado sustenta legítima defesa
Na versão sustentada por Ramon D'Avila Prottes Soares, um dos advogados do juiz, o assassinato de Madalena teria sido uma reação em legítima defesa.
O criminalista evita discorrer sobre sua tese, alegando questões éticas, mas garante que o magistrado não teve intenção de matar a mulher. Afirma que o juiz não bebia em exagero e também não sentia ciúmes da mulher, como afirma o inquérito policial.
- Ele está muito abalado, tentando entender o que aconteceu - resume Prottes Soares.
O advogado assegura que não houve premeditação e que seu cliente não estaria fugindo do local do crime quando se acidentou na BR-101, em Capão da Canoa, no Litoral Norte:
- Ele estava com receio de se apresentar em Restinga Seca e decidiu se entregar ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Nesse ínterim, sofreu um acidente.
- Francisco Eclache Filho sentiria ciúme doentio de Madalena Dotto Nogara
Fotos: Arquivo pessoal/Reprodução
Na semana passada, Eclache se negou a participar de uma reconstituição do crime, e o Tribunal de Justiça do Estado já rejeitou dois pedidos de habeas corpus para libertá-lo.
Presentes, ciúme e "quatro tiros acidentais"
O juiz aposentado Francisco Eclache Filho não economizou para agradar Madalena Dotto Nogara. Para que ela esquecesse um Fusca velho, presenteou-a com um Uno Vivace novo.
Mandou reformar a casa da família e comprou um terreno em Restinga Seca para construir uma nova moradia. Em 29 de maio, o casal celebrou a união estável em um cartório diante de duas testemunhas. Culto e educado, Eclache Filho conquistava a comunidade. Na intimidade, contudo, nutria forte ciúme, embalado pelo consumo de álcool, segundo o inquérito policial.
- A situação se agravou em razão da ingestão de bebidas. Tinha sentimento de posse em relação à vítima, restringiu contatos com pessoas e a obrigou a excluir o perfil no Facebook - afirma o promotor Sandro Marones, autor da denúncia à Justiça por homicídio triplamente qualificado.
Em 9 de julho, Madalena comemorou 55 anos, em casa, sem festa. Na noite do crime, 22 de julho, a relação estaria estremecida. Conforme denúncia do Ministério Público, o juiz tomou providências para evitar receber visitas - teria pego as chaves do portão eletrônico da garagem da casa da filha de Madalena, impedindo que ela saísse de casa, distante 10 quadras.
Com um revólver calibre 38, ele disparou quatro vezes em Madalena - na cabeça, peito e costas. Chovia forte. No quarto ao lado, a mãe da vítima, de 92 anos, acamada, e com problemas de audição, nada percebeu.
Depois, o juiz teria arrancado fios do telefone, pegado o Uno e fugido. Pretendia ir para Minas, mas por volta das 7h do dia seguinte, caiu em um barranco na BR-101, em Capão da Canoa, no Litoral Norte. Um morador da região apareceu, chamou a Polícia Rodoviária Federal e atendeu ao celular do juiz. Ouviu alguém dizer que o juiz tinha matado uma mulher e avisou os policiais rodoviários.
Na Delegacia da Polícia Civil de Osório, o juiz confessou o crime ao delegado Gustavo Brentano. Alegou que os tiros foram acidentais, enquanto ensinava a mulher a manusear o revólver, a pedido dela.
- Para o MP, essa versão é uma falácia. A não ser que a vítima fosse o próprio alvo - afirma o promotor Marones.
Surpresa em Minas Gerais
A prisão por assassinato do juiz aposentado Francisco Eclache Filho causou perplexidade entre amigos em Minas Gerais.
- Ele foi um dos melhores juízes que passou por aqui. Era correto, justo e imparcial, um sujeito muito respeitado - lembra o advogado João Carlos da Fonseca Chaves, de Conselheiro Lafaiete, cidade mineira da região do Alto Paraopeba, onde o juiz atuou por 14 anos.
Nascido em Arapoti, no norte do Paraná, Eclache Filho cursou Direito e advogou em São Paulo. Depois, mudou-se para Minas, onde foi promotor de Justiça, e logo ingressou na magistratura. Implacável contra a corrupção, condenou um prefeito por improbidade administrativa e, em outro momento, suspendeu o recolhimento de IPTU, ordenando a revisão do tributo.
- Foi uma tragédia. Ele tem uma vida profissional irrepreensível. Infelizmente, fora do trabalho, tinha problemas com o álcool - conta a advogada Rossana Nery, ex-aluna de Eclache Filho.