Educar a população sobre a gravidade de reportar ocorrências falsas a um serviço de urgência se tornou um dos nortes dos Atendimentos Móveis de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Essa foi uma das saídas encontradas para a falta de punição aos autores de ligações inconvenientes e trotes que sufocam as linhas de emergência diariamente.
Duas leis já foram sancionadas por aqui para coibir esse tipo de atividade: uma municipal, em 2011, e outra, estadual, em 2012, mas até agora nenhuma foi regulamentada.
A lei municipal prevê multa de 20 UFMs (Unidades Financeiras Municipais), o que corresponde hoje a cerca de R$ 62. A multa para quem passar trote para um serviço de emergência do Estado é de 15 UPFs (Unidade Padrão Fiscal), o que seria em torno de R$ 205. Segundo as sanções, esses valores seriam cobrados direto na conta do telefone de quem passou o trote.
Segundo a Casa Civil do Estado, o impedimento para tirar essas leis do papel está na legislação federal: a competência para legislar sobre empresas de telefonia é da União. Sendo assim, leis municipais e estaduais não podem exigir o pagamento de multa através da conta telefônica do autor da chamada.
Aplicação de multas garantiria mais controle
Na primeira quinzena do mês de agosto, mais de 4,2 mil trotes foram registrados em ligações para a Brigada Militar, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros no Estado. O Coronel Antonio Scussel, diretor do Departamento de Comando e Controle Integrado da Secretaria de Segurança Pública do Estado, explica que os autores dos trotes podem ser responsabilizados penalmente, mas a aplicação de multas poderia ampliar o controle dessas ligações.
- Nós temos mecanismos para gerar responsabilidade penal, criminal quando nos é reportado um falso crime. Fazemos o registro e enviamos para o Poder Judiciário. Quando é apenas um inconveniente, como brincadeiras ou obscenidades, ou seja, quando não é reportado um falso crime, não temos como controlar. Aí poderia entrar a multa, que geraria uma responsabilidade civil.
A opção passou a ser acreditar em medidas educativas para combater os números expressivos de trotes no Estado. No Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) Estadual, que atende cerca de 250 municípios, os trotes representam 35% do total de ligações recebidas. Das quase 5 mil ligações que a central atende diariamente, mais de 1700 são brincadeiras, piadas ou ocorrências falsas.
No Samu de Porto Alegre, em 2010, foram registrados cerca de 137 mil trotes. O número caiu para 113 mil no ano seguinte, quando a lei que previa a aplicação de multas foi noticiada. Mas a falta de punição efetiva fez os números subirem novamente: em 2013, foram 133 mil ligações fraudulentas.
O cálculo mensal de trotes no Samu Municipal, que se manteve em 21% do total de chamadas recebidas no primeiro semestre de 2014, caiu para 18,63% no mês de agosto devido à identificação dos três campeões de chamadas falsas do Serviço: duas crianças e um homem de 39 anos - este último o autor de três mil ligações este ano.
Se a lei municipal fosse de fato aplicada no caso deste homem, por exemplo, ele teria desistido de passar trotes ao Serviço já nas primeiras ligações - ou então deveria cerca de R$ 186 mil em multas.
Samu aposta na conscientização
Agora, a briga é identificar os autores das chamadas de dois telefones públicos. O primeiro fica no bairro Navegantes, na Rua Lauro Muller, altura do número 571. Desde que o sistema de reconhecimento e gravação de chamadas foi instalado no Samu Municipal, em 2004, foram 619 ligações feitas deste orelhão - 137 só em a gosto.
O outro alvo do Serviço está no bairro Mário Quintana, na Rua Dezenove de Fevereiro, altura do número 330. Quase 700 ligações têm este telefone público como origem desde 2004. Em agosto, foram 68 chamadas.
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Segundo a coordenadora geral do Samu de Porto Alegre, Miriá Patines, a ideia é criar ações nos arredores desses orelhões para conscientizar a população da gravidade do assunto.
Segundo Miriá, o Serviço municipal nunca tentou cobrar essas multas em partes por acreditar na educação das pessoas, em partes por não entender bem como funcionaria essa cobrança.
- Eu ligo, me apresento, convido a pessoa a conhecer o nosso serviço, para que ela veja que os telefones realmente não param de tocar, com situações graves. É usado todo um processo de psicologia - explica a coordenadora. - Se existe a possibilidade de educar, a gente opta por ela antes de pensar em multa. Mas se a situação continua se repetindo, precisamos tomar uma atitude - conclui.