Robocop, um filme transparente
Por Gustavo Brigatti
José Padilha é um cineasta do tipo engajado. Seus filmes não podem - ou não devem - ser vistos sem levar em consideração que há, sempre, um viés político. Padilha, assim como o Capitão Nascimento, não brinca em serviço. Nessa gana, ele às vezes se deixa cegar (Tropa de Elite), às vezes consegue enxergar além (Tropa de Elite 2). Em RoboCop, o diretor decidiu pôr óculos de raio-x. E se saiu muito bem.
Os propalados US$ 130 milhões foram usados para entregar um filme que discute, de maneira clara e objetiva, temas caros aos EUA como país e sociedade - desde sua duvidosa maneira de fazer política externa ao ufanismo belicista, passando pela mídia declaradamente parcial, a globalização de sua indústria e a alegre privatização de quase tudo. Dá para entender por que a crítica americana torceu tanto o nariz.
Para completar, Padilha mete ainda mais o dedo na ferida ao dissecar essas questões da mesma maneira impiedosa e fria com que literalmente monta e desmonta seu RoboCop - cenas que fazem o coração do mais plácido espectador tentar sair pela boca e cujo impacto visual nada deve ao original de Paul Verhoeven.
A comparação, embora inevitável, é desnecessária: o ciborgue do brasileiro foi criado numa época em que o ritmo dos videogames dá a tônica dos filmes de ação. Logo, RoboCop deixa de ser um cowboy que gira a pistola e faz pose quando atira para cair matando em cima dos inimigos da maneira mais impiedosa e eficiente possível. E ao som de rock clássico - quer dizer, não tem como não funcionar.
O único traço de hesitação aparece quando Alex Murphy, o homem dentro da máquina, decide lutar contra a programação imposta pelo sistema - e louvada pela massa. Mas, mesmo aí, não há muito o que se discutir: o policial redefine suas prioridades e sai à caça dos malfeitores a toda velocidade. Missão dada é missão cumprida. E ele ainda se diverte com isso.
Robocop, um filme hesitante
Por Daniel Feix
Ao que consta, a releitura de José Padilha para o RoboCop (1987) de Paul Verhoeven foi proposta pelo diretor aos executivos da Sony. Se é verdade, e o filme, assim sendo, possui algo de autoral em sua concepção, pode-se dizer que a estreia do cineasta brasileiro em Hollywood é duplamente problemática: por um lado, suas reflexões são rasas e sua forma, na comparação com o original, é careta; por outro, está longe de ser um blockbuster capaz de mobilizar multidões - demorou quase três semanas após sua estreia nos EUA para conseguir arrecadação superior ao seu custo total (US$ 130 milhões), o que, para os padrões da indústria, é sinal de que algo não deu certo. Afinal, para quem (e por que) se fez este filme?
Este problema existencial não tira os méritos do projeto. As sequências de ação são bem filmadas, ainda que assépticas (há tiros em excesso e zero sangue), a concepção visual do herói é das mais felizes (as cenas que detalham sua armadura impressionam) e sua visão do futuro, das mais realistas (simbologias como a dos interesses por trás dos serviços públicos e a do sensacionalismo midiático conservador estão muito próximas da realidade atual). O que compromete o novo RoboCop é sua indefinição: a adrenalina às vezes dá lugar ao drama familiar, que sai para uma reflexão social, mas coisa rápida, porque é preciso voltar à ação, que, afinal, é o que mais dá dinheiro em Hollywood.
O RoboCop de Padilha é hesitante. Parece ficar sempre no meio do caminho. Pior: lançando ideias interessantes, mas sem aprofundá-las. Isso somado ao culto ao longa original (que é um tantinho exagerado, convenhamos) pode resultar em decepção. Embora, nesse caso, o problema seja mais do espectador - acreditar que um blockbuster de 2014 pode repetir a experiência de uma ficção científica oitentista com pegada irônica é sinal de inocência.
Mas nem assim diretor e produtores estão livres da culpa: quem não se decidiu entre o que fazer e a quem agradar foram a Sony e José Padilha.
Duas visões
Afinal, "Robocop" é bom ou não?
Jornalistas do Segundo Caderno escrevem sobre o blockbuster do diretor José Padilha
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