Arte do século 20, o cinema incorporou os vultos de seu tempo como jamais sucedera com qualquer outra linguagem artística. Hitler, por exemplo, foi personagem de pelo menos 350 filmes ou telefilmes desde 1935, conforme dados do Internet Movie Database, o mais completo e confiável banco de dados do cinema. Stalin, de mais de 140. JFK, de mais de 80. Mussolini, de mais de 50. Além de ter passado parte da vida preso ou à margem do poder, Nelson Mandela é originário de um país com tradição cinematográfica inferior. Pior: o medo da indústria, sobretudo de Hollywood, de tocar em um assunto delicado como o apartheid determinou que o líder sul-africano fosse representado pouco mais de 20 vezes no cinema.
Ainda assim, em algumas dessas ocasiões, por atores de primeiro time, como Danny Glover (em Mandela, de 1987), Sidney Poitier (À Margem da Lei, 1997) e Dennis Haysbert (Mandela - A Luta pela Liberdade, 2007). Este último, dirigido por Billie August (de A Casa dos Espíritos e As Melhores Intenções) e de passagem discreta pelos cinemas porto-alegrenses, conta de maneira sensível a história real da amizade do ex-presidente da África do Sul com um guarda da prisão na qual ele estava detido (Joseph Fiennes). Haysbert, que ganhou fama como o presidente Palmer do seriado 24 Horas, tornou-se ali provavelmente o rosto mais interessante de Mandela no cinema - mesmo que, logo depois, em 2009, Clint Eastwood dirigisse Invictus e Morgan Freeman fosse indicado ao Oscar por sua performance do líder sul-africano.
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Invictus é o filme ficcional mais badalado que tem o líder negro como personagem - os mais recentes são a produção sul-africana Winnie (2011) e Second Show (2012), ambos inéditos no circuito brasileiro. Eastwood vê o grande homem com generosidade, retratando-o como um obcecado pela paz e apresentando-o como um indivíduo capaz de superar eventuais desejos de vingança em nome do bem-estar das gerações futuras. É o que Invictus tem de melhor: traça esse perfil sem nunca simplificá-lo, mesmo que ele não seja exatamente o protagonista da trama.
Há ainda dezenas de documentários e séries de televisão internacionais produzidas sobre ele, assim como títulos nos quais ele aparece em imagens de arquivo. E mais uma curiosa e rápida participação especial, homenagem do cineasta Spike Lee, no longa Malcolm X (1992), em que Mandela ele próprio aparece como um professor de Soweto. É pouco, poderia - ou deveria - ser mais, mas está longe de ser algo insignificante ou que não honre o gigantismo de sua figura.