Foram necessários mais de 50 anos para que Cidadão Kane (1941) perdesse o posto de melhor filme de todos os tempos na tradicional pesquisa do British Film Institute. A partir desta sexta-feira, o longa que o desbancou pode ser visto na programação do Espaço Itaú, em Porto Alegre.
Um Corpo que Cai (1958), de Alfred Hitchcock, é o primeiro de uma série de clássicos restaurados que foram convertidos para o sistema DCP (Digital Cinema Package), o suporte digital de alta definição escolhido por Hollywood para substituir o filme de 35mm, que será distribuído no Brasil pela Espaço Filmes. Ao longo de 2014, estão previstos os relançamentos de Os Pássaros (1963), também de Hitchcock, e Fome de Viver (1983), de Tony Scott, entre outros títulos.
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No caso de Um Corpo que Cai, o trabalho de restauro foi realizado nos anos 1990 e consumiu mais de US$ 1 milhão. O filme foi rodado no sistema VistaVision, um negativo de 70mm que a Paramount criou para concorrer com o Cinemascope que a Fox desenvolvera pouco antes, em 1953. Para recuperá-lo, a Universal (que se uniu à Paramount na década de 1970) chamou Robert Harris e James Katz, a mesma dupla que reformou para sempre (ou quase isso, visto que o arquivo digital não se deteriora tanto quanto a película) Spartacus (1960), Lawrence da Arábia (1962) e My Fair Lady (1964).
A textura do filme de 35mm, com suas charmosas ranhuras e a organicidade das cores, não estará mais lá, mas a qualidade do DCP é indiscutível. Harris e Katz visitaram as locações originais do filme para se manterem fiéis ao que fora concebido por Hitchcock e sua equipe, aí incluída a trilha sonora espetacular de Bernard Herrmann (o mesmo de Cidadão Kane e Psicose, entre outros). Só de reviver o clima de mistério da jornada de Kim Novak e James Stewart pelas ruas e pelos pontos turísticos das redondezas de San Francisco, na tela grande e com o sistema de som adequado, o cinéfilo já pode se sentir um privilegiado.
Na trama, Stewart é um detetive aposentado que sofre com medo de altura. Ao aceitar o pedido de um amigo para vigiar sua mulher (papel de Novak), ele revisita traumas advindos de sua fobia. Há muito mais por (re)descobrir, inclusive as dúvidas que Hitchcock instaura na cabeça do espectador - o que, por exemplo, é real entre a dupla personalidade da mulher e a loucura do homem? Um Corpo que Cai já foi descrito como um ensaio sobre a idealização do amor, mas até isso talvez seja pouco para sua riqueza.
Quem nunca viu que esteja preparado para o impacto.