Responsável por gerar acirramentos políticos históricos e discussões apaixonadas, o programa estadual de pedágios, assinado em 1998 pelo então governador Antônio Britto, chega ao final nos últimos dias de dezembro.
No balanço após 15 anos de concessões, empresas, usuários e autoridades avaliam os prós e contras do programa e manifestam a opinião de que, no atual cenário, pedágio se tornou necessidade. A discussão é sobre o melhor modelo.
Nesta segunda-feira, serão extintos os polos de Gramado, Carazinho, Vacaria e Metropolitano. Antes, já haviam sido encerrados os de Caxias do Sul, Lajeado e Santa Cruz do Sul.
De acordo com a Agência Reguladora dos Serviços Delegados do RS (Agergs), as empresas arrecadaram, em valores atualizados, R$ 5,5 bilhões em 15 anos. Do total, R$ 3,06 bilhões foram para investimentos em estradas. O restante - R$ 2,44 bilhões - se divide entre gastos com pessoal, impostos, equipamentos e lucro.
Uma das críticas ao programa é de que tinha tarifas elevadas, com previsão de poucos investimentos e praticamente nenhuma obra de ampliação de fluxo, como duplicações. Já a taxa interna de retorno (TIR) das empresas, que mede o índice de rentabilidade, variou entre 17% e 23%.
- Há pontos positivos, mas, no final das contas, a concessão acabou sendo desastrosa por culpa do acirramento político e ideológico, do momento desfavorável da economia no ato de assinatura das concessões, o que acabou gerando uma TIR alta, e de diretrizes regulatórias frouxas - analisa Carlos Martins, presidente da Agergs, responsável por fiscalizar os contratos, mas sem poder para aplicar multas diante de descumprimentos de índices de qualidade.
As empresas rebatem. Dizem que deram segurança e qualidade a rodovias antes "intransitáveis", citam a prestação de serviços de guincho e ambulância e os programas de desconto no pedágio para quem reside nos arrabaldes de uma praça.
Afirmam que a tarifa não foi mais barata por três motivos: a concessão perdurou 15 anos - enquanto outras diluem valores ao longo de 30 anos de contrato -, as motocicletas não pagam e a licitação, feita em 1996, não selecionou o consórcio que ofertou a menor tarifa, mas sim aquele que aceitou incluir no seu polo a maior quilometragem de rodovias.
- Em 1998, quando assinamos os contratos, a Selic era de 29%. E a TIR ficou entre 17% e 23%, abaixo da taxa de juros. Só na reta final do contrato é que os juros caíram para 8,5% a 9%, ficando abaixo da TIR. É o risco do negócio. Se os juros crescessem, as empresas não teriam o direito de subir a TIR - afirma Egon Schunck Júnior, presidente da Associação Gaúcha de Concessionárias de Rodovias (AGCR).
ENTREVISTA - Luiz Carlos Bertotto, presidente da EGR
"Buscamos investir 80% do arrecadado"
Diretor-presidente da EGR, Luiz Carlos Bertotto diz que as estradas serão devolvidas em más condições ao Estado pelas concessionárias. Ele ainda promete elevar os investimentos da estatal, hoje inferiores aos das empresas privadas.
Zero Hora - Qual a sua análise sobre o fim das concessões?
Luiz Carlos Bertotto - Não tenho o acompanhamento de todos os anos, mas percebemos que, pelo volume de arrecadação, não houve nenhum investimento mais volumoso nas rodovias. Poderiam ter sido feitos mais investimentos, principalmente se fizermos a comparação com os antigos pedágios comunitários do Daer, que tinham tarifa mais barata e conseguiram gerar duplicações.
ZH - Em que condições a EGR receberá as estradas estaduais que hoje estão nos polos de Gramado e Metropolitano?
Bertotto - Estamos pegando rodovias com uma estrutura de asfalto muito ruim. Elas até parecem ser estradas boas, com pintura e camadas novas de microasfalto. Mas estragam na primeira chuva. Por baixo, na estrutura, há uma defasagem muito grande. O levantamento da Dynatest (consultoria contratada pelo governo) já mostrava que temos um percentual de rodovias em más condições, com trincamentos e outros problemas.
ZH - O senhor acredita que as empresas quebram o contrato ao entregar rodovias sem período mais longo de vida útil?
Bertotto - Aí é uma questão contratual entre o Daer (que assinou como poder concedente em 1998) e as concessionárias, com a fiscalização da Agergs. Não posso dizer se houve quebra de contrato.
ZH - As empresas investiram 55% da arrecadação em estradas. A EGR aportou menos do que isso. Na praça de Portão, por exemplo, apenas 34,8% da arrecadação resultou em investimentos nas rodovias. Como avalia?
Bertotto - A EGR tem recurso em caixa e buscamos, no futuro próximo, investir até 80% do arrecadado nas rodovias. Temos de entender que a EGR é uma empresa pública, que precisa de tempo para fazer as suas contratações de serviços e gastos. Com certeza vamos superar os aportes das empresas.
ZH - A EGR mantém a decisão de apostar nas pequenas obras em detrimento de duplicações?
Bertotto - Temos projetos de duplicação em andamento, alguns já estão prontos. Às vezes, achamos que as pequenas obras são supérfluas, mas uma passarela, por exemplo, é fundamental para a segurança dos pedestres.
ZH - Haverá aumento de tarifas em 2014?
Bertotto - Não. Fizemos um cálculo igual para todas as praças de pedágio, mas precisamos ter pelo menos um ano de operação para saber se os recursos são suficientes diante das demandas da população. Vamos discutir isso com as comunidades e com os conselhos comunitários.
ZH - A EGR está preparada para receber mais cinco praças a partir do início de janeiro?
Bertotto - As empresas de arrecadação, roçada, tapa-buraco, pintura e colocação de placas já estão contratadas para todas as rodovias. Conforme são agregadas novas praças, basta dar a ordem de serviço para iniciar a operação.
Disputa segue na Justiça
Se o polêmico programa de pedágios se despede da rotina da população, nos tribunais ele ainda terá vida longa. As concessionárias ingressaram com ações judiciais cobrando do governo estadual um suposto passivo de R$ 3 bilhões.
A dívida teria se formado, sobretudo, pelo contingenciamento de reajustes tarifários previstos em contrato e a existência de rotas de fuga no entorno das praças. Advogados das concessionárias anexaram aos processos documentos oficiais reconhecendo os supostos débitos.
- Há um passivo, mas não sei para qual dos lados. É fácil descobrir quanto custou o reajuste de tarifa não concedido. Mas é mais difícil quanto os investimentos não realizados representaram de prejuízo ao interesse público - avalia Carlos Martins, presidente da Agergs.
Por entender que as empresas negligenciaram a manutenção das rodovias, o governo acredita que há um desequilíbrio em favor do Estado, que teria direito a indenização. O Piratini acusa as concessionárias de devolverem as estradas em más condições, sem tempo de vida útil.
Presidente da AGCR, Egon Schunck Júnior nega. Diz que o termo aditivo 1 (TA1) livrou as empresas de responsabilidade:
- No volume 5 do TA1, as concessionárias ficaram expressamente excluídas das obrigações relacionadas ao índice de sobrevida do pavimento, que girava em torno de sete a oito anos. Esse índice de sobrevida passou para zero.
O destino dos trechos federais
- As rodovias federais que integram os polos estão sendo devolvidas à União. Inicialmente, não haverá cobrança de pedágio nesses trechos. Ao todo, são 983 quilômetros de estradas federais.
- O Dnit deverá contratar empresas para fazer a manutenção da rodovia. No entanto, devido a atrasos, algumas estradas começam a apresentar desgaste. É o caso da BR-386, que pertencia ao polo de Lajeado. Nas estradas federais, não existirá mais o serviço de guincho e ambulância.
- Três das estradas federais já estão sob responsabilidade do Dnit: são 59,1 quilômetros da BR-471, 134,8 quilômetros da BR-386 e 106,7 quilômetros da BR-116.
- O Dnit ainda não conseguiu finalizar as contratações de empresas de manutenção. Na 471, foi feita a licitação, indicando a contratação da Conterra. O momento é de avaliação do resultado. Na 386, o processo está em fase de licitação, na etapa de análise da contratação. Já na 116, a empresa Pavia está em procedimento de contratação.