Apenas duas das 46 localidades candidatas a se emancipar no Rio Grande do Sul teriam condições de se transformar em município, segundo levantamento feito por Zero Hora.
Situadas em Viamão, Águas Claras e Itapuã são as únicas que atendem a exigência mínima de 12 mil habitantes estabelecida por lei aprovada pelo Congresso, que aguarda sanção da presidente Dilma Rousseff.
Como os dados foram informados pelos representantes das comunidades e prefeituras, ainda podem variar conforme a pesquisa oficial que deverá ser feita caso a localidade siga com o pedido de emancipação.
Mas se Águas Claras e Itapuã, em Viamão, superam a barreira, a situação de Lomba Grande, em Novo Hamburgo, é diferente. Enquanto a comissão diz haver mais de 12 mil moradores, a prefeitura conta 10,5 mil.
Ainda há outros critérios que podem dificultar, como eleitorado igual ou superior a 50% dos moradores e aprovação em plebiscito - com votação na localidade e no município-mãe.
O objetivo da lei foi barrar uma farra emancipacionista. Levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo com auxílio do IBGE mostra que a maioria dos 595 municípios criados desde 1997 nasceu com baixa qualidade de vida e sofre com isso até hoje.
- É uma lei totalmente fora da realidade do Estado e discriminatória - reclama Ederaldo de Araújo, presidente da Associação Gaúcha de Áreas Emancipandas e Anexandas (Agaea).
Segundo a entidade, quase 90% dos municípios gaúchos têm até 10 mil habitantes. Para Araújo, o ideal é que o mínimo fosse 6 mil, como fixado para as regiões Centro-Oeste e Norte. Estudos de viabilidade e audiências públicas devem ser feitos, ainda, para verificar o impacto das emancipações. Enquanto isso, entidades tentam sensibilizar o governo a vetar a lei. Caso contrário, prometem buscar a Justiça.
- O mais importante não é o número de habitantes, mas a viabilidade econômica - defende o presidente da Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia, José Sperotto (PTB).
Especialista em administração pública e professor da UFRGS, Luis Roque Klering acredita que a emancipação de localidades bem estruturadas melhoraria a vida dos moradores e, nesse sentido, os gastos extras com criação de cargos não seriam empecilho para o desenvolvimento.
Viamão pode perder 15,6% da população
Situadas em Viamão, as localidades de Itapuã - 15 mil habitantes - e Águas Claras - 24 mil - estão confiantes na chance de se emancipar. A mudança, porém, reduziria em 15,6% a população do município-mãe, estimada em 250 mil pelo IBGE, além de representar perda de 70% da área.
Como Águas Claras sedia atividades de mineração e extração de areia, produção pecuária e uma indústria de bebidas, e Itapuã é responsável por 70% da produção de leite e abriga o parque estadual que é um dos principais pontos turísticos do município, a emancipação pode impactar na arrecadação de Viamão. Segundo a prefeitura, as localidades representam cerca de 30% do ICMS.
- Seria uma perda muito grande. Para evitar isso, estamos reorganizando o plano diretor do município, para dar mais autonomia e estrutura para essas regiões - destaca o prefeito de Viamão, Valdir Bonatto (PSDB).
A ideia da prefeitura é reunir Águas Claras e Itapuã a outras áreas e, a partir disso, formar dois grandes distritos. Cada um deles teria uma estrutura administrativa própria, incluindo maquinário e garantia de investimentos.
Com oito escolas e hospital, Monte Alverne adiaria sonho
- É uma minicidade, tem tudo.
É assim que o presidente da comissão emancipacionista de Monte Alverne, Alceu Crestani, resume o distrito de Santa Cruz do Sul. Segundo ele, a localidade de cinco mil moradores está desanimada com a possibilidade de ver, mais uma vez, o sonho da emancipação ser adiado.
O movimento pela separação começou em 1991. Mais de duas décadas depois, a localidade distante 30 quilômetros da sede tem acesso asfaltado pela ERS-418, oito escolas, posto de saúde, hospital com médicos próprios e mais de 40 leitos, posto da Brigada Militar, hotel, agência dos Correios, bancos, cartório, postos de gasolina, restaurantes, lojas de artigos variados e supermercados.
- Temos o sonho da independência, de poder investir aqui o que se arrecada - argumenta Crestani.
Enclausurada no encontro de três municípios na Região Central, Capão do Valo, distrito de Candelária, tem dois mil moradores. Somado a outros 10 povoados da redondeza, que pertencem a Cachoeira do Sul e Rio Pardo, o novo município teria mais de seis mil habitantes, ainda assim insuficiente para se emancipar.
- Fiquei muito chateada, porque vai barrar a possibilidade de termos progresso - lamenta a professora Iara Gewehr, 42 anos.
Na área estimada em 541 quilômetros quadrados, há duas cooperativas, dois mercados e dois postos de gasolina, mas nenhum posto de saúde - o mais próximo fica a cerca 21 quilômetros.
- Ficaremos nessa encruzilhada, mas não vamos desistir - diz o advogado Lauro Corrêa, presidente da comissão emancipacionista local.
Entrevista - Luis Roque Klering, especialista em administração pública
"Os municípios novos não representam gastos adicionais"
Pós-doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela UFSC e professor nos cursos de Graduação e Pós-Graduação da Escola de Administração da UFRGS, Luis Roque Klering se dedica, há três décadas, à pesquisa do desenvolvimento dos municípios gaúchos e, há 25 anos, atua junto à Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa. Defensor das emancipações, ele acredita que a fragmentação dos municípios beneficia tanto a nova cidade, que passa a acessar mais facilmente recursos e acelera seu desenvolvimento, quanto os municípios-mãe, que passam, muitas vezes, a serem polos regionais.
Zero Hora - O senhor é a favor das emancipações. Por quê?
Luis Roque Klering - Sim, pois os municípios novos geram mais dinamismo neles mesmos como também nos municípios ao redor, inclusive, nos seus municípios-mãe. Por exemplo, cidades que se desmembraram gerando outros novas, como São Sebastião do Caí, Feliz, Lajeado e Santa Cruz do Sul, se revigoraram após as emancipações, porque passam a realizar o papel de polos locais ou regionais, especialmente em termos de comércio e serviços. Áreas ou municípios que não se fragmentaram nas últimas décadas no RS, especialmente na região da Campanha, onde existem municípios com vários milhares de quilômetros quadrados de área, ficaram estagnados economicamente, porque as distâncias para os cidadãos buscarem serviços, atendimento, educação etc, tornam-se grandes e custosos demais. Além disso, o atendimento da prefeitura a comunidades do interior muito distantes (às vezes a mais de 100 quilômetros de distância) torna-se caro demais, para o deslocamento de veículos, máquinas, pessoas.
ZH - Novos municípios não representam mais gastos públicos para o Estado?
Klering - Os municípios novos não representam gastos adicionais ao Estado e à União, porque eles continuam repassando os mesmos recursos, apenas para uma quantidade maior de municípios. Alguns gastos adicionais podem ocorrer em função da instalação de algum posto púbico adicional (normalmente algum posto policial, Emater ou posto de arrecadação); os demais gastos são bancados pelos próprios municípios novos, da receita que passam a auferir. Obviamente que esta receita é oriunda da partilha que o novo município passa a fazer com a receita original do município-mãe.
ZH - Os municípios conseguem suprir os gastos com as receitas que eles geram no próprio município?
Klering - Os municípios têm, em geral, quatro principais fontes de receita: próprias (principalmente IPTU e ISS), de transferências do Estado (principalmente ICMS e IPVA), de transferências da União (principalmente FPM) e voluntárias-legais (por convênios, SUS, Fundeb, royalties e outros). Os municípios novos e pequenos são geralmente de perfil rural, por isso, pouco arrecadam de IPTU, ISS, ICMS e impostos. O que produzem gera impostos adiante na cadeia, ou seja, na fase da industrialização e comercialização, que normalmente ocorrem em municípios maiores. Quando os municípios pequenos crescem, eles aumentam sua produção industrial e os serviços, passando a terem maiores arrecadações de ICMS e outros impostos. Até se organizarem e se desenvolverem mais, eles recebem maior volume de transferências (até 60%) do que arrecadam.
ZH - Qual sua avaliação sobre os novos municípios recentemente criados? Eles tiveram sucesso?
Klering - É provável que todos os municípios emancipados tenham atualmente uma condição atual melhor do que teriam se não tivessem se emancipado. Uma expressiva parcela teve grande sucesso, conforme pode ser observado pelo aumento dos seus PIBs, e dos seus bons indicadores de gestão, especialmente nas áreas de saúde e educação. Observa-se que a maioria dos municípios melhor classificados tem porte pequeno e, também, que muitos municípios pequenos aumentaram em várias vezes seus PIBs desde que se emanciparam, contribuindo desta forma para o aumento do PIB e da qualidade de vida do RS.
ZH - Existe algum processo que faça que o município que não der certo volte a ser distrito?
Klering - Um município que não desse certo poderia voltar a ser distrito ou ser anexado a outro. Todavia, não se conhece caso do tipo e as populações de todos os emancipados nunca quiseram voltar atrás nas suas condições de municípios. Não se conhece caso de município que tenha se arrependido da sua emancipação.
ZH - Qual sua opinião sobre as novas regras do Senado? Fazem jus à realidade do RS?
Klering - Do ponto de vista científico, os municípios pequenos emancipados nas décadas de 80 e 90 no RS que mais progrediram são os que têm entre 2 mil e 4 mil habitantes. A população exigida pela nova lei do Congresso Nacional é demasiadamente exigente, certamente esse número será revisto no futuro. Mais de 80% dos municípios do RS não têm 12 mil habitantes atualmente e não preencheriam atualmente o critério populacional para se emanciparem. Além disso, a exigência de que 20% da população dos municípios de origem das áreas com interesse em se emancipar tenham que aprovar a emancipação (para ela ocorrer) fará com que não saiam emancipações em municípios mais populosos (tais como Caxias do Sul), porque as áreas desses municípios com interesse em se emancipar dificilmente terão o apoio de 20% das populações totais (municípios-mãe e áreas emancipandas); será mais fácil dividir o que já está mais dividido, ou seja, dividir novamente municípios que já são pequenos, porque ali a proporção das populações com interesse em se emancipar é maior, com mais probabilidade de conseguirem 20% de aprovação das populações totais.