Confira as opiniões de alunos e professores do Colégio Estadual Florinda Tubino Sampaio, em Porto Alegre, sobre a nova rotina nas salas de aula e, a seguir, os comentários de Jose Clovis de Azevedo, secretário estadual da Educação, e de Nara Eunice Nörnberg, professora da Unisinos e doutora em Educação.
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ESTRUTURA FÍSICA INADEQUADA
"Com o aumento da carga horária, implantamos um turno extra no ano passado. Muitos alunos trabalham e não conseguiam comparecer, então trocamos o turno extra por cinco dias com seis períodos de aula cada um. O turno da manhã termina às 12h45min, e alguns vão direto para o trabalho. A escola não tem um refeitório para lanche ou almoço. Falta a estrutura física adequada para a mudança."
Élida Martini, vice-diretora
O que diz Jose Clovis de Azevedo, secretário estadual de Educação
"Pode faltar a estrutura para o lanche, mas não é esse o problema. Está faltando, talvez, um esclarecimento para a escola. Os alunos que trabalham podem realizar sua pesquisa com o conteúdo do próprio trabalho. Não precisaria a escola toda construir um sexto período. É ruim, é tempo contínuo demais na escola. A escola tem autonomia para organizar o seminário e não criar esse engessamento."
O que diz Nara Eunice Nörnberg, professora da Unisinos e doutora em Educação
"O projeto necessita de uma escola com estrutura. A escola precisa acolher o aluno, ou ele vai evadir. Um aluno trabalhador, enfrentando a adolescência, cheia de transformações, e com seis períodos por dia, provavelmente não dorme oito horas por noite. Ele tem chance significativa de evadir. Vai chegar à exaustão. Falta o governo lembrar que temos alunos trabalhadores. Isso passa, muitas vezes, batido."
FALTA DE ORIENTAÇÃO AOS PROFESSORES
"Gosto muito da ideia dos seminários integrados. Queremos um aluno mais autônomo, sem a necessidade de um professor transmitindo conhecimento o tempo todo. Mas criamos muito por nós mesmos, em tentativa e erro, estamos trocando o pneu com o carro andando. Faltou preparação. Criou-se uma coisa nova, mas deixar totalmente ao deus-dará é pedir para não dar certo."
Gabriel Goldmeier, professor de filosofia e seminário integrado
O que diz Jose Clovis de Azevedo, secretário estadual de Educação
"Estamos, permanentemente, oferecendo palestras e cursos aos professores. Um terço da carga horária é para estudo e planejamento, e a escola tem recursos para contratar assessoria nas universidades. A escola pode solicitar mais informações, e vamos atender prontamente. Não existe forma de implantar uma mudança em que as pessoas primeiro se preparem para depois enfrentá-la. Se isso acontecer, elas vão se preparar por muito tempo, e depois aquela formação não serve mais."
O que diz Nara Eunice Nörnberg, professora da Unisinos e doutora em Educação
"As coordenadorias regionais de educação (CREs) deveriam dar mais apoio pedagógico a essa mudança, que é radical, complexa. O apoio é insuficiente, dada a quantidade de escolas e o tamanho da reforma. Um consultor da CRE deveria acompanhar o processo mais de perto. O governo tem trabalhado com multiplicadores, e isso não funciona. Uma equipe da escola faz uma capacitação e na volta tem de replicar isso. É que nem brincar de telefone sem fio: chega lá na ponta com significado deturpado."
MAIS PERÍODOS DAS DISCIPLINAS TRADICIONAIS
"A proposta do politécnico é boa, mas foi implantada goela abaixo. Gostaria de ter mais períodos de outras matérias, como matemática, em vez de seminário integrado. Acho que aprenderia mais. A professora se esforça, mas ela acaba se perdendo, e a gente também."
Thalisson William da Silva, 15 anos, aluno do 2º ano
O que diz Jose Clovis de Azevedo, secretário estadual de Educação
"Os objetos de pesquisa do seminário têm de partir daquilo que é cotidiano da aula da disciplina tradicional, senão não tem sentido. Se o aluno prefere estudar mais matemática, ele vai escolher um objeto de estudo da matemática para pesquisar no seminário. Estamos em processo de construção e avanço dessa proposta. Tem escolas que avançaram muito, outras menos."
O que diz Nara Eunice Nörnberg, professora da Unisinos e doutora em Educação
"A grande competição entre as escolas é sobre quem vai melhor no Enem e quem consegue aprovar mais alunos no vestibular da UFRGS. O foco desse aluno não está na produção de conhecimento e na pesquisa, mas em passar no vestibular ou em um concurso. Não somos educados para ser curiosos ou intelectuais. São gerações e gerações com essa lógica. Vai demorar até que nossos alunos percebam que é a pesquisa que vai torná-los cidadãos do mundo."
SISTEMA DE AVALIAÇÃO CONFUSO
"A gente sempre foi acostumado a lidar com números, e agora são conceitos. Cada professor faz de um jeito. Em uma prova de 10 perguntas, tem um que dá CSA (Construção Satisfatória da Aprendizagem) para sete acertos e outro que dá CPA (Construção Parcial da Aprendizagem) para nove acertos. Não dá para entender."
Júlia Fernandes, 15 anos, aluna do 2º ano
O que diz Jose Clovis de Azevedo, secretário estadual de Educação
"Depende do peso que o professor dá a essas questões, mas o aluno tem que compreender isso. Temos de nos desligar dos números. O conhecimento não se mede, é uma convenção completamente antipedagógica transformar a construção do conhecimento em números. Você pode descrever o conhecimento a partir da produção do sujeito, mas não pode medi-lo. Tem diferenças na maneira como cada um processa o mesmo conteúdo. É uma mudança de paradigma, e o debate precisa ser aprofundado."
O que diz Nara Eunice Nörnberg, professora da Unisinos e doutora em Educação
"A avaliação por conceito possibilita ampliar a visão de todo o processo, eu não vejo só o momento. O número é muito estanque. Mas nós, professores, não estamos preparados para avaliar de forma que não seja por nota. O assunto carece de discussão teórica e de análise bem pontual. A troca foi feita, mas o professor ainda não consegue assimilar isso. Como eu, que fui avaliado a vida inteira por nota, agora passo a avaliar por conceito?"
AULAS DE REFORÇO NAS HORAS EXTRAS
"Estou gostando do seminário integrado, a gente trabalha argumentação, é bom para a redação do vestibular. Mas esses períodos poderiam ser para o reforço de outras disciplinas. A maioria dos alunos quer fazer concurso ou vestibular. Com o seminário, a gente não perde nada, mas também não acrescenta."
Maria Rachel Trojaner, 16 anos, aluna do 2º ano
O que diz Jose Clovis de Azevedo, secretário estadual de Educação
"A referência dos alunos sobre aprendizagem é ter uma listagem de conteúdos a deglutir, sem nenhuma relação com a vida real. A essência do seminário integrado é a introdução da pesquisa. Não é um mero estudo para determinado fim, mas para uma formação sólida, que vai servir para todos os fins que ele escolher. Se o seminário se reduzir a um debate aberto, ele não vai construir coisas novas. O aluno tem de ser orientado a se aprofundar, o que é um reforço também."
O que diz Nara Eunice Nörnberg, professora da Unisinos e doutora em Educação
"Eles não conseguem perceber a pesquisa como algo que mexe com o raciocínio lógico. Você passa a duvidar mais das coisas. É um processo bem complexo, precisa de maturação cognitiva e emocional. A gente está lidando com uma sociedade do imediato. Nos seminários, o aluno problematiza e retorna ao conteúdo da sala de aula. Claro que ele não consegue perceber isso porque está muito ligado ao ensino mnemônico, de decorar."
INTERDISCIPLINARIDADE NÃO FUNCIONA
"O seminário integrado foge muito da ideia original, que é a da interdisciplinaridade. Os professores não trabalham juntos. Estou pesquisando astrologia, e o certo seria integrar o tema com física, português, matemática."
Yan Borges, 15 anos, aluno do 2º ano
O que diz Jose Clovis de Azevedo, secretário estadual de Educação
"Sem que os professores trabalhem de forma coletiva, isso não vai progredir. Também não posso aqui julgar os professores. Eles adquiriram a experiência do trabalho individual. Hoje a ciência não aceita mais isso. Nenhum campo do conhecimento explica um fenômeno isoladamente. A interdisciplinaridade é uma necessidade, mas só há ensino interdisciplinar se os professores conversarem. Um terço da carga horária é para planejamento. Pode não ser suficiente, mas o tempo não está bem aproveitado."
O que diz Nara Eunice Nörnberg, professora da Unisinos e doutora em Educação
"O que ocorre é uma sobreposição de disciplinas, e não a interdisciplinaridade, que é uma conexão de saberes. Se os professores sentarem e observarem os conteúdos de cada área, podem perceber conexões. É difícil fazer isso, principalmente pela carga horária do professor, que passa por duas ou três escolas em um dia e tem pouco tempo para ter ideias e gerar um grupo em sinergia. Há também um excesso de burocracia, preenchimento de muito papel."