À medida que os copos de cerveja vão sendo esvaziados, aumenta não só a vontade de fazer xixi - mas, também, a falta de educação. Se a invasão dos bares na Cidade Baixa deixou o sono de alguns moradores mais curto, outros enfrentam diariamente um vilão que não tem som, mas que incomoda pelo cheiro forte: a urina. É ao abrir a janela ao amanhecer que os vizinhos recebem a certeza de quem alguém passou por ali e aliviou-se dos litros de bebida da noite anterior. E foi este problema crônico que motivou uma intervenção de seis estudantes no bairro na semana passada.
Enquanto colava cartazes com os dizeres "Isto não é um mictório" em paredes da Lima e Silva e da João Alfredo, o sexteto recebia aplausos e incentivos de quem passava pelas ruas. Houve até quem dissesse que elas estavam perfumando a cidade. É que a beleza da juventude de Luisa Jazyk, Maria Augusta Vargas, Patrícia Petry, Manoela Guaraglia, Julia Pimentel e Victória Leite até chama a atenção, mas é a iniciativa que impressiona.
Luisa Jazyk, Maria Augusta Vargas, Victoria Leite (em cima, da esq. para a dir.), Manoela Guariglia, Patrícia Petry e Julia Pimentel (embaixo, da esq. para a dir.) colaram os cartazes pelo bairro
- Foi muito legal porque conseguimos impactar as pessoas de imediato. Enquanto prendíamos os cartazes, teve gente pedindo para que colássemos na sua casa e na dos vizinhos - recorda Manoela.
Alunas do curso de Publicidade e Propaganda da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), as seis gurias encontraram na mistura de René Magritte (artista surrealista eternizado pela obra Isto não é um cachimbo) e de Marcel Duchamp (francês que teve o nome repercutido ao redor do mundo pela escultura A fonte, que tinha forma de um mictório) a resposta para a provocação do professor da cadeira de Produção Gráfica. Batizado de Guerrilha Social, o trabalho consistia em produzir uma peça que, de fato, fosse voltada para a cidade e envolvesse as pessoas de alguma forma. Elas ainda não receberam a nota final, mas, se depender do apoio dos moradores, já têm certeza de que passaram por média.
- Tem dias que, quando o sol bate, o cheiro fica insuportável. Chegam a ficar poças de urina no cordão da calçada e até dentro da porta dos fundos. Volta e meia limpo com mangueira, mas mesmo assim fica sujo. De madrugada, quando passo por aqui, dá pra ver o paredão: um fazendo xixi do lado do outro. Não tem o que fazer - desabafa a comerciante Marinês de Vargas, 49 anos, proprietária de um brique na esquina da João Alfredo com a José do Patrocínio há três décadas.
Ela foi uma das moradores que cedeu o muro para que o grupo colasse os cartazes. Ao ver a cena, a aposentada Aida Pagano, 60 anos, pediu algumas impressões para pôr no portão do prédio onde mora - que afirma já estar corroendo em função da quantidade de urina despejada por lá. E há, inclusive, quem tenha mudado os hábitos em função da má educação de poucos.
- Na Joaquim Nabuco, a situação também é deprimente, já cheguei a pensar até em me mudar. Chegam a fazer xixi no portão e para dentro do pátio. Sempre que chego em casa, tiro o sapato para lavá-lo - conta a aposentada Francisca Ramos, 86 anos.
Campanha nova para um problema antigo
Xixi fora do lugar não é uma perturbação nova e nem exclusiva à Cidade Baixa. No Rio de Janeiro, a prefeitura já decretou guerra contra a urina durante o carnaval de rua. Teve até campanha divulgada em rede nacional de televisão, na qual cantores famosos entoavam a marchinha: "tá com vontade de fazer xixi / não faz aqui / não faz aqui". Mesmo com a ampliação do número de banheiros químicos, houve gente que desrespeitou a norma e foi detida durante a folia acusada de ato obsceno ou dano ao patrimônio público.
Responsável pelo policiamento do bairro, o comandante da 2ª Companhia do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM), major Luís Ulisses, garante que ligações ao 190 denunciando a situação não são recorrentes. Segundo ele, o delito social não chega a se caracterizar um ato criminal - mas, se a pessoa estiver voltada para a rua, pode ser enquadrada em infrações como atentado violento ao pudor ou ato obsceno. Portanto, fica a dica: lugar de xixi é no banheiro.
Não faz aqui!
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Grupo de alunas da ESPM fez de trabalho da faculdade uma iniciativa para combater o problema que atormenta moradores do bairro
Débora Ely
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