O lugar que acolheu Keli Cristina Motta durante os muitos anos de abandono é hoje a escola de Eduardo.
Mãe e filho representam a transformação da Aldeia da Fraternidade, instituição para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social que está completando 50 anos em 2013.
Na década de 1990, a entidade substituiu o regime de abrigo, quando hospedava crianças desamparadas, pelo atendimento em meio aberto, promovendo o fortalecimento dos vínculos dentro das residências de cada uma delas. Keli, hoje com 28 anos, viveu na sede do bairro Tristeza, em Porto Alegre, dos quatro aos nove e dos 13 aos 18 anos, resguardando-se da escassez de condições financeiras e emocionais de um lar desfeito. É apenas uma das personagens em um histórico repleto de ausências: a mãe e as irmãs de Keli também cresceram ali. Aos quatro anos, frequentando as aulas da escola de Educação Infantil que funciona na Aldeia, Eduardo é, portanto, o representante da terceira geração a se beneficiar dos serviços. Com uma saudável diferença: ao final do dia, depois de brincar e fazer quatro refeições, o menino retorna para o convívio dos pais. Keli exercita com ele as práticas corriqueiras que lhe faltaram na infância:
- Procuro dar atenção, contar historinhas, perguntar como foi o dia na creche.
Auxiliar de serviços gerais desempregada, Keli não concluiu o Ensino Médio. Eduardo vem descobrindo o gosto pelos livros - sempre pede para ouvir a fábula A Raposa e as Uvas, sua preferida.
- Quero que ele trabalhe e estude, que não siga o caminho das drogas, que seja um homem de bem - planeja.
A Aldeia recebe cerca de 300 crianças e adolescentes de zero a 18 anos - em geral, oriundos de famílias de baixa renda, desestruturadas, sem a presença do pai ou da mãe e com frequentes problemas de drogadição. Apesar da pouca idade, muitos têm responsabilidades de adultos: cuidam dos irmãos e cumprem tarefas domésticas, como lavar louça e cozinhar. Além da Educação Infantil, a organização oferece atividades recreativas para preencher o turno inverso daqueles que estão matriculados em outras escolas e oficinas preparatórias para o mercado de trabalho. Assistente social e psicólogo estão à disposição dos familiares. O orçamento é composto por verba pública e doações. Professores e funcionários percebem em uma reação típica dos finais de turno a importância do trabalho que desenvolvem: na hora de ir embora, diversos alunos choram. Não querem partir.
- A gente tenta oferecer vivências que eles não teriam se não fosse aqui. Queremos mostrar que a vida tem possibilidades de superação. Independentemente do sofrimento, a gente está aqui para oferecer algo bom - diz a pedagoga Bianca Pereira Rodrigues.
Entidade busca aproximação com a sociedade
Na presidência da Aldeia da Fraternidade desde o início do ano, o publicitário Alfredo Fedrizzi está empenhado em um plano de renovação. Com um novo site e página no Facebook, a entidade tenta se aproximar da sociedade, conquistando mais parceiros e doadores e incrementando o quadro de funcionários e voluntários.
- Com o passar do tempo, a Aldeia foi envelhecendo, ficando muito ensimesmada, um pouco "caseira". A gente está procurando "subir a régua": aumentar o nível de exigência e qualificação. Acredito que o futuro da instituição é virar um centro de criatividade - prevê Fedrizzi, exemplificando a meta com o caso de um aluno com grande habilidade para o desenho que será encaminhado a um curso de design de moda.
Começa a ser implementado um projeto de rastreabilidade para acompanhamento das crianças que passam pela casa. O objetivo é visualizar, de maneira ampla, o impacto das ações da Aldeia na trajetória de cada uma.
- Queremos ver de onde elas vêm, o que aprenderam, e continuar acompanhando por alguns anos depois que saírem. Essas crianças realmente superaram alguns traumas? Caíram nas drogas? Viraram cidadãos do bem? Estão felizes? Ninguém sabe o que acontece depois - explica o presidente.
PARA DOAR E PARTICIPAR
- Roupas, calçados, bolsas, bijuterias e acessórios, novos ou usados, podem ser encaminhados para o Bazar da Aldeia, que comercializa itens novos e usados, como roupas, calçados, bolsas, bijuterias e acessórios diversos.
- Aceitam-se também doações em dinheiro e alimentos de todos os tipos para o preparo das refeições.
- Profissionais de música, dança, teatro e artes plásticas, além das áreas ligadas à sustentabilidade (para atividades em horta, composteira, jardim etc.), podem se tornar voluntários.
- Mais informações na sede da Aldeia da Fraternidade (Rua Dona Paulina, 700, Tristeza, Porto Alegre), pelo telefone (51) 3268-3313 e pelo e-mail contato@aldeiadafraternidade.org.br.