Há pelo menos duas décadas que os italianos Paolo e Vittorio Taviani não apareciam no circuito brasileiro. A volta dos irmãos veteranos (81 e 83 anos, respectivamente) não podia ser melhor: em César Deve Morrer, que estreia nesta sexta-feira em Porto Alegre, eles voltam a um clássico (entre as matrizes de seus filmes estão Goethe, Tolstói, Dumas e Pirandello), mas não para uma simples adaptação, e sim para uma "desconstrução" - termo usado por Vittorio no Festival de Berlim do ano passado, de onde a dupla saiu com o Urso de Ouro.
César Deve Morrer acompanha a encenação de um espetáculo teatral numa penitenciária de segurança máxima dos arredores de Roma. Na trama, o espectador vê os detentos sendo selecionados, depois ensaiando e, por fim, apresentando uma montagem de Júlio César, de Shakespeare. Tudo sob o comando do diretor Fabio Cavalli, responsável por outras peças encenadas antes na prisão de Rebibbia, entre elas A Divina Comédia, de Dante.
A aproximação do real faz pensar, por vezes, que se trata de um documentário sobre a descoberta da arte, sobre o reencontro com emoções reprimidas possibilitado pelos exercícios de sensibilização implementados por Cavalli. Nos bastidores do espetáculo, os Taviani optaram pelo preto e branco. No palco, o filme ganha cores - o que ressalta uma ideia de encontro com a luz.
- Um dos presidiários me disse que, quando atua, parece que pode se perdoar, porque aquilo toca em emoções profundas - contou o mesmo Vittorio ao receber o prêmio máximo da Berlinale.
Em grande parte, aqueles condenados têm ligações com a máfia do país - e alguns assassinatos no currículo. Com aguçada capacidade de observação, os diretores de grandes filmes como Pai Patrão (1977) e A Noite de São Lourenço (1982) conseguem captar sua súbita iluminação. Em certas sequências, ampliam o plano de observação, pondo em foco, por exemplo, as reações dos carcereiros diante dos ensaios. O impacto, no espectador, tem a ver com o que se sente diante daqueles documentários que se constroem sobre o acaso dos encontros mais surpreendentes. Mas é ficção. Um tipo de ficção essencialmente contemporânea, moldada na aproximação com o real.
Entre o que poderia ser um reality show de cadeia e um documentário sobre um projeto de social de reeducação por meio da cultura, os Taviani fizeram um filmaço sobre a jornada transformadora de vidas que até setores menos retrógrados da sociedade já davam como perdidas.
César Deve Morrer
(Cesare Deve Morire)
De Paolo e Vittorio Taviani. Com Cosimo Rega, Salvatore Striano, Giovanni Arcuri e Fabio Cavalli.
Drama, Itália, 2012. Duração: 76 minutos. Classificação: livre.
Em cartaz em Porto Alegre a partir desta sexta-feira, em sessões no Instituto NT.
Cotação: 4 de 5 estrelas.