Taís durante a procissão, ao lado de Plínio Rodrigues e Ana Albuquerque
Foto: Bruno Maestrini, Agência RBS
Depois, morro acima e sob o sol, a tímida estreante sai de cena para dar lugar à mulher do povo, que segue Jesus carregando a cruz até o monte para o sacrifício. Então, é detrás da lente que acontece o mistério maior de recontar a Paixão de Cristo.
Sou devota, mas sou tímida. Meu calvário era ter de subir no palco diante da multidão de fiéis.
No camarim improvisado no salão paroquial da Igreja São José do Murialdo, as atrizes Ariane Guerra e Mariane Sobrosa começam a me passar o roteiro, enquanto Ana Albuquerque, responsável pela divulgação do espetáculo, separa meu figurino.
- Pega uma túnica verde, para combinar com os olhos! - sugere Ana.
Acabo com uma veste azul, mas pouco importava a combinação, pois o que me garantiu vaga no elenco foi um "terceiro olho". Participei de toda a Via Sacra no Morro da Cruz com uma câmera pendurada no peito. A ideia era transmitir "de dentro" a encenação da história mais contada de todos os tempos.
Passada a tensão de sair do backstage para encarar o olhar expressivo do jovem ator Wagner dos Santos, 15 anos, que fez o leproso a quem a samaritana dá de beber no primeiro ato, ainda era preciso ser batizada por João Batista, interpretado por Flávio Silveira. Na minha última cena, eu teria um encontro com Jesus, vivido pela mais uma vez pelo deputado estadual Aldacir Oliboni, quando ele é saudado pelo povo em Jerusalém.
Até ali, a mística de cada passagem bíblica se confunde com a preocupação de que o roteiro do espetáculo seja seguido - apesar das minhas unhas pintadas de roxo, para desespero da produção.
- Tocante a cena da Maria, né? - compartilha o diretor, Camilo de Lélis, depois de abrir espaço entre os soldados romanos para que minha câmera pudesse alcançar as quedas de Jesus.
Plínio Marcos Rodrigues, que estava no palco como o sumo-sacerdote Anás e caminhou ao meu lado como homem do povo na procissão, concorda sem pestanejar. Ana admite que quase chorou. Silenciosamente, eu derramo uma lágrima.
Duvido a mãe e o filho que não tenham se arrepiado. Alguns, no meio da multidão, se abraçam, repetindo o gesto da atriz Elisa Lucas, a Maria, que acolhe o filho ensanguentado. Sentir-se um pouco Maria na dor, um pouco Judas na traição, um pouco Pedro na negação, um pouco Cirineu na solidariedade de ajudar a carregar a cruz, um pouco Verônica na piedade de secar a face de Cristo. Tudo isso não está no roteiro, mas faz parte do espetáculo.
A subida, cada vez mais íngreme, reúne cada vez mais gente em volta e até parece mesmo conduzir o povo para mais perto do céu. Provando que a mensagem de esperança da Páscoa não está na cruz, é com entusiasmo que o público vibra com a vitória do anjo Miguel sobre a morte e aplaude a ressurreição de Jesus.
Dançando, cantando e batendo palmas ao som de "Jesus Cristo, eu estou aqui", o elenco se abraça, tira fotos, comemora o sucesso de mais um espetáculo. No fim das contas, o segredo da boa atuação era mergulhar no espírito cristão. E aí, em um misto de euforia e reflexão, a gente desce o morro e volta para casa, ao encontro da cruz de cada dia, na esperança de que, como diz a música, Ele olhe para baixo.