A decisão do governo paulista de adotar a internação compulsória de usuários de crack reacende o debate sobre o direito do dependente químico de aceitar ou não o tratamento.
Entre as críticas à medida extrema está o temor de que o procedimento se torne uma regra a despeito de outras possibilidades de tratamento de dependentes químicos. O principal alvo em São Paulo são os usuários da Cracolândia.
- É preciso dosar para não fazer do antídoto um veneno. Nem todo o dependente químico precisa ser internado involuntariamente. Nos casos certos, a medida pode ajudar, sim - comenta o psiquiatra forense Rogério Cardoso.
O médico lembra que a internação involuntária por decisão judicial já existe no Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul, sendo adotada em caso pontuais onde o médico avalia a incapacidade do dependente de decidir por si próprio. A diferença, na sua visão, é que agora se estuda a padronização do procedimento, o que exige atenção:
- A avaliação não pode ser feita apenas se ouvindo o dependente, que geralmente minimiza seu problema. O ideal é se ouvir a família. O histórico é muito importante.
O psiquiatra se une ao coro dos especialistas que defendem o investimento em Centros de Atenção Psicossocial para álcool e drogas (CAPs), ainda em número insuficiente no país. O serviço teria como vantagem atender a pacientes em fases menos agudas da dependência, sem a necessidade de internação prolongada. Ao optar pelo tratamento intermediário, se evitaria a alta reincidência de usuários internados contra a vontade.
Enquanto especialista debatem os prós e contras da medida, a implantação da internação compulsória, anunciada pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, deve ocorrer nos próximos dias. A ação conta com apoio do Tribunal de Justiça de São Paulo, do Ministério Público e a da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
- A internação compulsória pode ser usada em casos específicos, quando o dependente tem sua capacidade de discernimento prejudicada. Na falta de um familiar mais próximo, que é o caso, muitas vezes, de quem está na rua, o Estado pode assumir essa função. O temor é de que esse tipo de internação seja mal empregada, com outras intenções - pondera o psicólogo e professor universitário da Furg Lucas Neiva.
No projeto paulista, equipes de abordagem identificarão os usuários mais graves em área como a Cracolândia. Os dependentes serão levados para um centro de tratamento onde serão avaliados por junta médica. A decisão final será tomada em conjunto com promotores e juízes.
- O importante é saber a estrutura dessas equipes e seu número para atender a demanda. Isso porque o juiz estará determinando a internação de quem não está vendo, então que o trabalho dessa equipe é fundamental - diz o psicólogo.
A ideia não é nova. No Rio de Janeiro, crianças e adolescentes em situação de riscos e dependentes de crack já são abordados na rua por assistentes sociais e psicólogos há cerca de um ano. Atualmente, mais de 100 estão internadas compulsoriamente, por decisão judicial em unidades de tratamento.