Há cerca de 10 anos, descobriu-se que as células-tronco existentes no cordão umbilical de um bebê podem ser utilizadas para fins terapêuticos, em especial, no tratamento de doenças genéticas e do sangue, como a leucemia.
O tema divide posições: de um lado, bancos privados que oferecem o serviço e agem com propaganda agressiva, explorando as famílias no momento vulnerável do parto. De outro, defensores dos bancos públicos, como a professora da Faculdade de Farmácia e pesquisadora do Instituto de Pesquisa de Células Tronco da UFRGS, Patrícia Prank, que publicou artigo em ZH no último domingo considerando desnecessário o congelamento particular e taxando esse mercado como exploratório.
A polêmica é tamanha que chegou até a Câmara Federal, onde tramita projeto de lei do deputado Henrique Fontana (PT/RS) que quer tornar obrigatório o caráter público dos bancos de sangue de cordão umbilical e placentas. A proposta é evitar o aspecto comercial do tratamento oferecido pela rede pública. Pelo projeto, seriam barradas inclusive propagandas. Frases como "aproveite a única chance de congelar o sangue de cordão de seu filho, ele pode ter uma doença no futuro e você irá se arrepender se não o fizer"é como alguns bancos vendem a ideia.
- É um convencimento oportunista - diz a coordenadora da Câmara Técnica de Hematologia do Conselho Federal de Medicina, Marta Rinaldi Müller.
Ela conta que o preço - de R$ 3 mil a R$ 5 mil - é justificado pela ideia de que o congelamento pode curar doenças, mas, na maioria das vezes, nem a mãe nem o bebê usam as células.
Presidente da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, Cármino de Souza acha que os bancos privados vendem ilusões:
- O que está colocado ali é um uso potencial sem substrato científico. Somos obrigados a alertar a comunidade para que não se rasgue o dinheiro e invista em algo mais importante.
Na visão de Patrícia Pranke, há três razões principais para dizer que o congelamento privado é desnecessário: é melhor usar células frescas, há mais abundância de células-tronco na medula óssea e o sangue do cordão é pobre em células mesenquimais - aquelas que conseguem dar origem a quase todas as outras células do corpo.
- Somos uma fábrica de células-tronco, e, caso falte, o SUS disponibiliza em grande quantidade - garante a pesquisadora.
Hoje, há cerca de 3 milhões de doadores cadastrados na rede pública brasileira - Brasil Cord. Quando um cidadão precisa de sangue para transplante, a rede é acionada e é feita a localização de onde há o tipo compatível.
Já prevendo um futuro conturbado para o segmento, Karolyn Sassi Ogliari, diretora de um banco privado de Porto Alegre, diz que estuda uma relação de parceria com os bancos públicos para a questão da logística, já que seu estabelecimento conta com uma boa estrutura.
O principal argumento do seu negócio é de que a sobrevida de um paciente pode ser dobrada quando recebe o sangue de um parente e que o acesso ao sangue é mais rápido. Diz ainda que o sangue do cordão é mais compatível que o da medula óssea porque tem baixa imunogenicidade (menos defesas desenvolvidas e, portanto, menor chance de rejeição).
Uma das maiores especialistas do Brasil em células-tronco, a professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) Lygia da Veiga afirma que é preciso tratar o tema de maneira equilibrada. Ela compara o congelamento a um serviço extra do seguro de saúde, cuja única limitação seria a financeira:
- A chance de precisar existe, é pequena, mas pagar por isso vai depender de motivações pessoais, como nível de vida, paranoia, histórico familiar e custo que vai representar no orçamento.
Os bancos e a lei
Autólogo: bancos privados, para o próprio uso da criança que doa.
Públicos halogênicos: bancos públicos, nos quais é usado o sangue de cordão umbilical de pessoas desconhecidas, sem parentesco.
Familiares de doação direta: quando a mãe opta por ter outro filho para usar o sangue do cordão umbilical para um filho doente.
No Brasil não há legislação que trate do assunto. Também não há fiscalização sobre o armazenamento privado das células-tronco. Entretanto, o governo permite colher o sangue de um recém-nascido que tenha um familiar doente para o tratamento. Nestes casos, o armazenamento é feito em bancos públicos, mas o material coletado será usado necessariamente para a criança doente da família.