Lançadas em 2007 com a ambição de acabar com os efeitos da estiagem que afetam a Metade Sul de forma cíclica, as barragens de Taquarembó, em Dom Pedrito, e Jaguari, em São Gabriel, já consumiram R$ 143,5 milhões em recursos públicos. Para que fiquem prontas, ainda faltam R$ 147 milhões.
Alvos de investigações por suposta tentativa de fraude em licitações, paralisação determinada por falta de estudo ambiental e críticas quanto à capacidade de resolver o problema, as obras, no momento, não têm data para serem retomadas e concluídas.
Além dos recursos já gastos nas obras sem que fosse irrigado um hectare, especialistas criticam erros de planejamento, que não consideraram desde o início a necessidade de canais para levar a água até as lavouras, e a real validade dos empreendimentos, que não teriam os efeitos esperados para amenizar a situação de seca na Metade Sul.
Consultor na área de recursos hídricos, Antônio Eduardo Lanna salienta que os municípios beneficiados (São Gabriel, Lavras do Sul, Rosário do Sul e Dom Pedrito) já têm outras fontes que fornecem água para consumo humano e para as propriedades, e defende maior investimento na Região Norte do Estado e em municípios da Metade Sul que carecem de água por determinados períodos.
- A maior necessidade de barragem está em Bagé, que sempre tem problemas de racionamento - afirma Lanna.
Ex-secretário de Irrigação do Estado que comandou o início dos trabalhos, Rogério Porto diz que estudos foram feitos ainda nos anos 1980, no governo Pedro Simon, quando as obras foram consideradas prioritárias para a bacia do Rio Santa Maria, o que teria sido confirmado por novos levantamentos realizados por uma consultoria espanhola nos anos 2000. Porto diz que obras complementares e canais não faziam parte do acordo assinado inicialmente com o Ministério da Integração Nacional.
- A construção dos canais ficou condicionada ao final da execução das barragens e não poderia ser alvo de convênio anterior - explica Porto.
Paralisada desde março de 2011, a obra de Taquarembó emperrou na falta de recursos. O contrato com a construtora Odebrecht, responsável pelo trabalho, foi encerrado pelo governo estadual. Conforme o secretário de Obras Públicas e Irrigação, Luiz Carlos Busato, se os trabalhos continuassem com a mesma empresa, seria ultrapassado o valor firmado em contrato repassado a uma mesma construtora, o que poderia gerar questionamentos do Tribunal de Contas.
Na barragem de Jaguari, obra interrompida em janeiro de 2012, o problema foi a falta de argila, matéria-prima para a construção do maciço, como são chamados os diques de contenção da água.
- A jazida mais próxima fica a 14 quilômetros da barragem. Isso implica mais custos para transporte e indenização ao proprietário do terreno - afirma Busato.
Por meio da assessoria de imprensa, a Odebrecht, que não esteve envolvida na suspeita de tentativa de fraude de licitações, informou que não vai se manifestar sobre o assunto.
Para produtores, solução ao longe
Enquanto passa o tempo e as indefinições sobre as obras continuam, agricultores que seriam beneficiados cobram uma solução. Em São Gabriel, José Francisco Chiappetta, produtor de arroz e soja, é um dos 27 donos de terras que terão áreas desapropriadas para o curso dágua chegar até a barragem de Jaguari e abastecer as plantações. Reclama do preço oferecido pelos 186 hectares que perderá de área produtiva, Conforme o produtor, o valor ofertado é de R$ 5,1 mil por hectare por terras avaliadas em pelo menos R$ 8 mil.
- A obra beneficiará muita gente, não sou contra, mas estão me tirando a melhor parte das terras por um preço muito abaixo do que vale - lamenta Chiapetta.
Procuradoria avalia caso
Oito pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal, em fevereiro de 2012, por tentativa de fraudar a concorrência para as obras das duas barragens. Na lista, estão autoridades como o deputado federal Eliseu Padilha (PMDB) e o ex-secretário de Irrigação do Estado Rogério Porto. As licitações de Jaguari e Taquarembó foram alvo de investigação derivada da Operação Solidária, iniciada em 2007 e deflagrada no final do ano seguinte, que apurou suspeitas de fraudes em obras de infraestrutura no Estado.
O caso está em análise na Procuradoria-geral da República (PGR), porque entre o início das investigações e o indiciamento, Padilha retornou à Câmara dos Deputados, em agosto de 2011. Ao reassumir o mandato de deputado federal, retomou o direito a foro privilegiado. Por isso, a competência de decidir sobre o caso passou para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Conforme Aldronei Rodrigues, delegado da Unidade de Repressão a Desvio de Recursos Públicos da Polícia Federal, caso a STF autorize, a PGR poderá tomar três caminhos: arquivar o pedido, solicitar novas diligências ou oferecer denúncia.
O que dizem os envolvidos
Eliseu Padilha, deputado federal:
"Trata-se de notícia publicada em 2008. O fato do qual sou acusado não existe. A MAC Engenharia foi desclassificada em tais licitações, então não participou. Até hoje só existe a investigação. Não existe qualquer processo sobre o tema, e tenho convicção de que nunca haverá, pois o ato de que sou acusado nunca existiu."
Rogério Porto, ex-secretário da Irrigação do Rio Grande do Sul.
O que diz João Olímpio de Souza Filho, advogado de Rogério Porto:
"O ex-secretário Rogério Porto fez um dossiê exemplificando toda a sua participação e entregou para os magistrados e para o Ministério Público Federal esclarecendo que não há nada que vincule ele a qualquer problema. Foi um extensivo de mais de 200 páginas contando toda a operacionalidade, toda a lisura da operação e que ele foi referido em um telefonema de que ele não tem nada a ver com o problema. A participação dele foi meramente circunstancial por ser o secretário da época. Até hoje não houve denúncia porque a lisura dos seus atos está comprovado neste dossiê."
Marco Antônio Camino, dono da MAC Engenharia.
O que diz Felipe Pozzebon, advogado da MAC Engenharia e de Marco Antônio Camino:
"A declaração da MAC Engenharia, empresa de Marco Antônio Camino, é de que foi desclassificada do certame licitatório na primeira fase e não possui nenhum vínculo contratual com o Estado do Rio Grande do Sul que a relacione com as barragens de Jaguari e Taquarembó."
Neide Viana Bernardes, identificada como funcionária ligada à Magna Engenharia.
O que diz Felipe Cardoso Moreira de Oliveira, advogado de Neide Bernardes:
"Esse inquérito está rolando desde 2008, mais de quatro anos sem conclusão e sem que o Ministério Público tenha oferecido denúncia, o que demonstra total impropriedade em relação à minha cliente. Iniciou no ano de 2008 e até hoje não tem denúncia oferecida, o que demonstra a fragilidade da imputação do inquérito. Se tivesse elementos mínimos, o Ministério Público já o teria feito."
Athos Cordeiro, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplenagem no Estado do Rio Grande do Sul (na época era presidente da entidade).
O que diz Alexandre Wunderlich, advogado de Athos Cordeiro:
"Não temos conhecimento da investigação e o que temos atinente a Athos Cordeiro foi arquivado no Rio Grande do Sul. O que dizia respeito a ele, pelo que acompanhei, foi arquivado, e não temos ciência de nenhuma outra investigação sobre ele."
Orgel Carvalho, funcionário da Magna Engenharia.
O que diz Gustavo Nagelstein, advogado de Orgel Carvalho:
"Em relação a Orgel, não há denúncia oferecida, não temos nenhuma acusação e nem indiciamento. Fomos à delegacia há um ano e meio, quando ele foi convidado para prestar esclarecimentos, sem ir na condição de testemunha, indiciado ou réu. Não temos nenhuma acusação. Como não há denúncia, sequer indiciamento, não há como fazer um contraponto porque não tem nada contra ele."
Rosi Bernardes, ex-secretária adjunta de Obras do Rio Grande do Sul:
l Por meio de sua secretária, o advogado Ademir Canali, representante de Rosi Bernardes, informou que não tem interesse em se manifestar sobre o caso.
Edgar Cândia, sócio da Magna Engenharia:
l Zero Hora tentou por três vezes contato com Amir Sarti, advogado de Edgar Cândia, e deixou recado com a secretária. Até o fechamento da edição, não houve retorno.
RAIO X DAS OBRAS
Barragem de Taquarembó
l Localização: Dom Pedrito (sub-bacia do Arroio Taquarembó, na bacia hidrográfica do Rio Santa Maria)
l Cidades beneficiadas: Dom Pedrito, Lavras do Sul e Rosário do Sul
l Paralisação das obras: março de 2011
l Andamento da obra: 86%
l Recursos gastos: R$ 71,92 milhões
l Recursos solicitados para conclusão da obra: R$ 83 milhões
l Captação de água: 638 quilômetros quadrados
l Volume acumulado de água: 116 milhões de metros cúbicos
l Área beneficiada: 16,7 mil hectares de arroz
Barragem de Jaguari
l Localização: São Gabriel (sub-bacia do Arroio Jaguari, na bacia hidrográfica do Rio Santa Maria)
l Cidades beneficiadas: São Gabriel, Lavras do Sul e Rosário do Sul
l Paralisação das obras: janeiro de 2012
l Andamento da obra: 67%
l Recursos gastos: R$ 71,62 milhões
l Recursos solicitados para conclusão da obra: R$ 64 milhões
l Captação de água: 532 km2
l Volume acumulado de água: 159 milhões de metros cúbicos
l Área beneficiada: 17 mil hectares de arroz
Fonte: Secretaria de Obras Públicas e Irrigação do RS
CRONOLOGIA
Abril de 2007
l O governo estadual e o Ministério da Integração Nacional assinam convênio para construção das barragens de Taquarembó e Jaguari, com a expectativa de beneficiar pelo menos
80 mil hectares de terras.
Novembro de 2007
l A Polícia Federal apura irregularidades em obras de infraestrutura na Grande Porto Alegre. Contatos telefônicos revelavam tentativa de favorecimento em licitações para as barragens de Taquarembó e Jaguari.
Maio de 2008
l Abertas as licitações. O investimento previsto sobe para R$ 165 milhões com a promessa de que os empreendimentos estariam em funcionamento em dezembro de 2009.
Novembro de 2008
l É dada a ordem para a construção.
Fevereiro de 2010
l A Justiça de Lavras do Sul manda paralisar as obras por falta de estudo completo de impacto ambiental. No mesmo mês, libera de novo.
Março de 2011
l Obras de Taquarembó são paralisadas depois que a verba acabou, faltando 14% para a conclusão dos trabalhos.
Janeiro de 2012
l Barragem de Jaguari tem os trabalhos interrompidos por falta de argila, matéria-prima para a obra.