Com bons títulos como o chileno No, de Pablo Larraín, e o argentino O Último Elvis, de Armando Bo, o cinema latino-americano tem sido um ponto alto da 9ª Seleção de Filmes, em cartaz até quinta-feira nos cinemas dos shoppings Bourbon de Porto Alegre, Novo Hamburgo e São Leopoldo.
Figura de destaque da produção do continente desde os anos 1980, quando assinou filmes como Homem Mirando ao Sudeste (1986), o argentino Eliseo Subiela comenta nesta segunda-feira a primeira sessão de seu Paisagens Devoradas no evento - o longa também passa nesta terça, às 19h30min, no Espaço Itaú.
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Trata-se de um falso documentário no qual três jovens cineastas vão a um manicômio registrar a vida de um misterioso homem que diz ser cineasta e cujo perfil coincide com o de um diretor da década de 1960 que está desaparecido. Fernando Birri, o lendário diretor de Tire Dié (1960), filme-fundador do cinema novo argentino, é quem interpreta este cineasta veterano.
No hotel em que está hospedado na Capital, Subiela recebeu com ZH e falou sobre sua relação com Birri, a "nueva onda" do cinema de seu país e a opção por trabalhar na fronteira entre ficção e não ficção - ressaltando sua reprovação a um certo cinema contemporâneo responsável pelo que ele chama de "tédio-metragem":
Zero Hora - Paisagens Devoradas é protagonizado pelo lendário cineasta Fernando Birri. Vocês já haviam trabalhado juntos antes? Você escreveu este papel para ele?
Eliseo Subiela - Não. Nos conhecemos quando fomos professores na Universidade de Stanford, Califórnia, em 2002, mas nunca fomos muito próximos. Eu não tinha ideia de quem poderia interpretar este papel até que, certo dia, me veio aquela imagem peculiar dele, com barba longa, encarnando o personagem. Era algo que combinava muito. Ele mora em Roma, mas, como andava pela Argentina filmando El Fausto Criollo (que Birri finalizou em 2011), topou fazer o filme.
ZH - Há algo de fabular, às vezes fantástico, em alguns dos seus longas mais conhecidos. Por que a opção por algo assim diferente, na fronteira entre ficção e documentário?
Subiela - Difícil dizer. No fundo, sempre falo das mesmas coisas, vida, morte, amor e loucura. A abordagem naturalmente tem de ser diferente de um projeto para o outro. O documentário tem uma abordagem própria, há diretores que a dominam muito melhor do que eu. O cineasta, na condição de alguém que engana o espectador com suas histórias fictícias, é uma espécie de impostor. Eu sou mais ainda ao tentar fazer um filme como este.
ZH - As fronteiras entre ficção e documentário estão embaralhadas, há muitos filmes situados sobre ela ultimamente. A que o senhor atribui este movimento?
Subiela - Eu não usaria a palavra movimento. Há uma tendência, uma moda. Um recurso que os cineastas têm usado para fazer aquilo em que são especialistas, que é enganar o espectador. À medida que o público demonstra ter atenção especial às imagens mais realistas, que falam sobre as vidas privadas, o cinema acaba naturalmente incorporando esse tipo de imagem às suas narrativas.
ZH - O que tem chamado a sua atenção em meio ao trabalho das novas gerações de realizadores argentinos, da chamada "nueva onda"?
Subiela - Há filmes bons e outros nem tanto, e nisso não há nada de novo. Mas algo me incomoda na produção mais recente: o fato de haver muitas histórias vazias, de dramaturgia pobre, que não contam nada interessante. Eu sou um entusiasta das novas tecnologias, sempre discuto, brincando, com o Ripsten (Arturo, cineasta mexicano), qual de nós dois foi o primeiro diretor latino-americano a usar o vídeo digital, se ele em Así Es la Vida ou eu em Las Aventuras de Diós, ambos de 2000. Mas é fato que o acesso às novas tecnologias, como as câmeras portáteis, e essa aproximação com o real, o naturalismo exacerbado, tem levado o cinema a algo preocupante, que eu chamaria de "tédio-metragem". As séries norte-americanas de televisão, para mim as melhores aulas de dramaturgia que há atualmente, demonstram a importância de construir personagens e narrativas complexas. Não podemos deixar isso de lado.