De olho em uma fatia do lucrativo mercado do jogo do bicho, banqueiros da contravenção do Rio ameaçam desafetos e eliminam rivais no Rio Grande do Sul. Este é o primeiro capítulo de uma série de reportagens que começa neste domingo e se estende até terça e revela ainda a corrupção entranhada nas forças policiais e o montante arrecadado pelo milionário mundo das apostas.
Bicheiros cariocas e gaúchos estão em guerra no pampa. O palco desta disputa sangrenta, marcada por ameaças, execuções e prática de dumping, é a Serra e o Planalto Médio. Mas os reflexos, que alteram a dinâmica das apostas clandestinas no Estado, ecoam pelo Rio Grande.
Em site especial, entenda como funciona a dinâmica das apostas
Com a tecnologia de quem inventou o jogo do bicho 120 anos atrás, Os Cariocas - como são conhecidos os representantes da Banca Esperança - começaram a explorar caça-níqueis em Caxias do Sul. Deslocaram-se para municípios vizinhos como Bento Gonçalves, Vacaria e Lagoa Vermelha, e esticaram seus tentáculos até Passo Fundo, eliminando concorrentes e espancando desafetos.
Até agora, os bastidores deste conflito permaneciam desconhecidos. Cruzando informações de episódios isolados, Zero Hora descobriu a existência da conexão entre eles. O mais novo episódio desta guerra acontece na Região Metropolitana.
O que está em disputa não é o velho e tradicional jogo do bicho, com suas cadernetas obsoletas e métodos precários de arrecadação. O mercado hoje se reinventou. O bicheiro, além de manter seus pontos de apostas com apontadores avulsos, ele também se infiltrou em shoppings. Nestes estabelecimentos, o jogo é pago com cartão de crédito e a aposta é digitada online. É o chamado "bicho online".
O outro braço do contraventor são os caça-níqueis: uma diversificação econômica que multiplica triplica os lucros. No Estado, o bicho e as máquinas pertencem, quase sempre, a banqueiros do jogo do bicho - ou funcionam mediante sua autorização.
Símbolos de uma época como Rubens Hoffmeister, ex-presidente da Federação Gaúcha de Futebol, e Luiz Carlos Festugatto, ex-deputado estadual do PDT, não deixaram herdeiros.
Os novos expoentes são discretos e violentos. Figuras como Jorge Fontela Liscano, o Mão Branca, um menino pobre nascido em São Borja que construiu um império a partir da Região Metropolitana, do Litoral Norte e da Fronteira Oeste, e cuja história será contata no último dia da série, sintetizam o bicheiro contemporâneo.
Fortalezas deram lugar a escritórios
Pioneiros na corrupção policial, os bicheiros do século XXI aperfeiçoam suas práticas. Mão Branca e seus colegas ampliaram a propina a policiais. Outros, ainda mais ousados, associam-se a chefes de investigação ou tentam cooptar um pelotão inteiro de PMs, incluindo um oficial.
As antigas fortalezas, onde prêmios eram apurados e o dinheiro, contabilizado, foram substituídas por escritórios em bairros nobres. Vanderlei Gonçalves Nogueira, o VGN, 51 anos, um dos mais influentes banqueiros da Capital, mantinha sua banca em um prédio moderno na Rua Antônio Carlos Berta, quando agentes da Força-Tarefa de Combate aos Jogos Ilícitos do Ministério Público.
Proprietário de uma transportadora, de uma locadora de veículos e de empresas de comércio e importação (todas registradas na Avenida Sertório, 2.535), ele nega envolvimento com a banca. A metamorfose da contravenção potencializou o faturamento dos fora da lei. O MP e a Polícia Federal estimam que o bicho e caça-níqueis, apenas na Grande Porto Alegre e na Serra, arrecadam mais de meio bilhão de reais por ano. Sem impostos, naturalmente.
Jogo do bicho
Bicheiros cariocas invadem o mundo das apostas no Estado
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