É quase mais que uma figura de linguagem dizer que o mundo trepidou intensamente durante 13 dias, entre 15 e 28 de outubro de 1962 - 50 anos atrás. A União Soviética (URSS) instalou mísseis nucleares em Cuba, a 230 quilômetros de Miami. Os Estados Unidos, que tinham seus mísseis também nucleares na Turquia, descobriram. E a humanidade chegou perto da hecatombe atômica.
Foi tamanha a trepidação, que, do seu epicentro no Caribe, o terremoto beligerante provocou tréplicas com consequências até no Brasil, onde pouco depois, em 1964, um golpe sustentado pelos EUA impôs a ditadura militar por 21 anos.
Testemunhas e especialistas ouvidos por ZH coincidem: nunca antes nem depois da Crise dos Mísseis o mundo esteve tão perto do Armagedon. E, sim, aquele momento desencadeou efeitos comparáveis às ondas de um tsunami. Depois de tanta tensão, os líderes das potências se deram conta do ponto a que chegaram, conta o jornalista Jon Lee Anderson, o biógrafo de Che Guevara. Houve medo em alta escala. A Guerra Fria se consolidou, instrumentalizada pela linha direta do telefone vermelho. E Cuba, contrariada com a URSS governada pelo premier Nikita Khruchev - que decidiu retirar os mísseis sem consultá-la -, tentou expandir sua revolução América Latina afora.
Bem, daí vem a reação americana, os golpes militares e tudo o que se seguiu.
- Depois da crise, Cuba auspiciou a revolução pela região, contrariando a URSS. E os EUA reagiram, com os golpes militares - diz Anderson.
Em Brasília, na noite do dia 22 de outubro daquele 1962, o presidente João Goulart, o Jango, recebeu, pelas mãos do embaixador americano, Lincoln Gordon, correspondência de John Kennedy, presidente dos EUA. Havia, na carta, informações sobre a crise e uma "convocação" para o Brasil agir contra Cuba, conforme relata o líder do antigo PTB na Câmara, Almino Affonso, 83 anos. Foi na mesma noite que Kennedy recorreu à TV para revelar aos americanos, por 17 pesados minutos, o perigo de se afundar em um pesadelo nuclear. No dia seguinte, 23, Affonso participou de reunião, com Jango, que se estendeu tarde adentro. O Brasil debatia qual seria seu papel no futuro do mundo.
- A carta dos EUA foi uma convocação para agir contra Cuba. Foi mal-recebida - diz Affonso.
Ainda assim, o governo brasileiro tentou assumir protagonismo. O general Albino Silva, chefe da Casa Militar, foi enviado a Havana para conversar com o presidente cubano, Fidel Castro. E conversou. Durante mais de uma hora, na embaixada do Brasil. Fidel se mostrava irredutível. Queria contar com a proteção dos mísseis soviéticos.
O fato é que ali a desconfiança americana em relação ao Brasil tomava as proporções capazes de levar ao golpe militar - o que já havia sido tentado antes, em agosto de 1961, e evitado com a Campanha da Legalidade e a posterior implementação do parlamentarismo.
O governo brasileiro, aliado de Cuba e dependente dos EUA, destoava radicalmente do governo americano. À carta de Kennedy, Jango respondeu com um contraponto redigido pelo diplomata Santiago Dantas, que falava na autonomia dos povos, pedia moderação e se perfilava como possível mediador junto a Fidel.
Em 26 de outubro, o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Hermes Lima, se dizia "seguramente informado" de que, em 48 horas, haveria guerra entre americanos e soviéticos. Foi isso o que ele relatou ao embaixador do Brasil em Cuba, Luiz Bastian Pinto. O Brasil dava sinais de contrariedade em relação aos americanos. E os americanos ficavam irados. Na mais tênue das classificações, definiam a atuação brasileira como "tíbia". Quem ouvia tudo isso, frequentemente, era o embaixador do Brasil em Washington, Roberto Campos, depois ministro do Planejamento no regime militar que derrubaria Jango.
O historiador britânico Kenneth Maxwell, um dos principais brasilianistas, não tem dúvida:
- Depois da crise, os EUA entraram em um conflito contra a influência de Castro na América Latina. Passaram a usar agressivamente dinheiro e intervenções clandestinas. No Brasil, em 1964, no Chile em 1973, na Argentina em 1976, no Uruguai, na Bolívia. Os regimes militares são produto disso. Houve repressão sangrenta justificada pelo anticomunismo. Os anos de chumbo são inexplicáveis sem tomarmos em conta os efeitos da crise dos mísseis.